Olho de repórter
Werner Bischof (Zurique, 26 de abril de 1916 – Trujillo, Peru, 16 de maio de 1954), foi um dos maiores repórteres fotográficos de todos os tempos, mestre suíço do fotojornalismo. Um dos maiores expoentes da Magnum, a primeira cooperativa fotográfica do mundo, fundada em 1947 pelos fotógrafos francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004), o fotógrafo húngaro Robert Capa (1913-1954), fotojornalista polonês David Seymour (1911-1956) e o fotojornalista britânico George Rodger (1908-1995).
Werner Bischof fez parte da própria natureza da fotografia ao registrar a realidade com um olho no jornalismo e outro na arte, mas também como uma formidável coleção de imagens históricas.
Em pouco mais de uma década de atividade como repórter fotográfico profissional, Bischof percorreu os quatro cantos do planeta, guardando na memória de sua objetiva um pedaço da História do século XX – não através de suas grandes personalidades, mas de rostos anônimos, frequentemente devastados pelos horrores da guerra e da fome.
Dono de um espírito aventureiro, que o levou a encontrar a morte prematura e tragicamente – tinha 38 anos quando, em maio de 1954, o jipe em que se encontrava despencou de um penhasco em plena Cordilheira dos Andes, onde dava sequência a um ensaio fotográfico.
Até o início da II Guerra Mundial, Bischof estava convencido de que sua vocação era a pintura. Filho de um funcionário de uma indústria farmacêutica cujo hobby era a fotografia, Bischof sempre teve uma máquina fotográfica ao seu alcance. Desenhista de mão cheia, ingressou em 1932 na Escola de Artes Aplicadas de Zurique. Lá, ao entrar em contato com Hans Finsler (1891-1972), um destacado estudioso de fotografia em seu país, Bischof sentiu balançar, pela primeira vez, sua inclinação para o pincel – apesar da enorme influência que seu professor de artes plásticas, Alfred Willimann (1900-1957), exercia sobre ele.
Em 1936, já formado, Bischof montou um ateliê de fotografia e chegou a se dedicar também por um breve período, ao desenho publicitário. Em 1939, porém, decidiu se instalar em Paris para entregar-se à pintura. O início da II Guerra o obrigou a voltar para a Suíça – numa decisão que mudaria sua vida.
Em Zurique, Bischop retomou a fotografia. Excessivamente preocupado com o apuro formal, o fotógrafo se empenhava, nessa época, em registrar linhas e reentrâncias de objetos. Mesmo quando usava como modelos mulheres nuas, animais ou até árvores, sua obsessão era a forma. As fotografias, muitas vezes produzidas em estúdios, eram impressionantes em sua contenção de meios e admiráveis do ponto de vista da técnica. Fêmea Nua (1942) – uma foto em que a sensualidade de um corpo de mulher some e aparece num irônico jogo de luz e sombra que acaba deixando a modelo inteiramente listrada – assim como a série sobre conchas, da mesma época, são exemplos acabados dessa fase de Bischof. Neles, todo o esforço do fotógrafo se presta a um único objetivo – provocar o prazer puramente estético.
SOLIDARIEDADE – “Então veio a guerra e com ela a destruição da minha torre de marfim. Minha atenção passou a se voltar para o sofrimento da face humana”, anotou Bischof. Encerrado o conflito, em 1945, ele começou a trabalhar para uma entidade beneficente, a Organização Suíça de Assistência, e nessa condição percorreu vários países da Europa, registrando a devastação que a guerra provocara.
O prazer estético começou a dar lugar a um tipo de fotografia cujo ingrediente mais forte era a solidariedade. Não que Bischof tenha deixado o rigor formal de lado. Suas fotos continuavam tecnicamente impecáveis. Só que abriram mão de uma certa assepsia que as contaminava e passaram a incorporar imagens da vida real de populações arrasadas.
Berlim destruída, tal como aparece numa foto tirada por Bischof em 1946, traz embutida a morte de milhões de pessoas apenas através de um capacete de soldado, igualmente destruído, que aparece em primeiro plano. A estupidez da guerra também pode ser resumida quando a capital alemã devastada aparece vista a distância por um animal. As metáforas visuais de Bischof continuavam a existir – só que a serviço de uma denúncia social, e não de um mero exercício formal.
No início da década de 50, Bischof – que no ano anterior se associara à Magnum – começou a espalhar seus trabalhos por algumas das mais importantes revistas do mundo, como a Life e a Paris-Match. A essa altura já estava casado com Rosellina Mandel, que lhe daria dois filhos. Marco e Daniel. Este último, aliás, o fotógrafo nem chegou a conhecer – Daniel nasceu nove dias após a morte do pai. A consagração definitiva do “estilo Bischof” viria em 1951, quando seu ensaio fotográfico sobre a fome na Índia, publicado na Life, causou tamanha repercussão que acabou servindo como instrumento de pressão para que o Congresso americano voltasse o envio maciço de trigo aos indianos.
Era impossível ficar alheio àquela sucessão de rostos femininos ressequidos e deformados pelo choro. Do mesmo modo, ninguém se deixaria enganar pelos sorrisos do bando de garotos em desabalada carreira numa aldeia de Bihar – o cenário miserável em que eles se encontram, e que a câmara de Bischof resumiu em poucos casebres, já diz tudo sobre a vida daqueles indianos.
Ainda em 1951, Bischof foi para o front na Coreia e também esteve no Japão, onde registrou imagens impressionates de sobreviventes no ataque nuclear de Hiroshima. Em 1952, o fotógrafo seguiu para Hong Kong. Lá realizou algumas obras-primas – como é o caso da foto que mostra uma mulher exausta dormindo sentada na rua, filha ao colo, ambas de boca aberta, numa cena estranhamente serena.
De Hong Kong, Bischof rumou para a Indochina, onde cobriu o dia-a-dia da guerra para a Paris-Math – muito mais à sua maneira do que obedecendo às rígidas e óbvias orientações da revista, que queria lhe dizer o que deveria fotografar. Quando estava com a câmara na mão, Bischof se aproximava dos gênios – a quem nunca é preciso dizer o que fazer.
(Fonte: Veja, 7 de agosto de 1991 – ANO 24 – Nº 32 – Edição 1194 – FOTOGRAFIA/ Por RINALDO GAMA – Pág: 104/105)