Foi o primeiro a introduzir em nossa linguagem poética a alquimia verbal
Augusto dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, 20 de abril de 1884 – Leopoldina, 12 de novembro de 1914), poeta paraibano que tornou-se um “caso” da literatura brasileira.
Em 20 de abril de 1884 nasce o poeta Augusto dos Anjos, um dos grandes nomes do simbolismo brasileiro, famoso por tratar de temas como a degradação da carne, a descrença no amor e os limites do homem.
Autor dos sonetos “Versos Íntimos” e “Psicologia de um Vencido”, Augusto dos Anjos nasceu e se criou no engenho Pau d’Arco, na Paraíba, ambiente que lhe provocava uma tensão nervosa considerada o combustível de sua inspiração.
Acredita-se que a perturbação da poesia de Augusto dos Anjos venha de um trauma sofrido ainda na gestação, época em que sua mãe perdeu um irmão —o que a teria afetado psicologicamente. Seu único livro, “Eu”, foi publicado em 1912, dois anos antes de sua morte, aos 30 anos.
O poeta Augusto dos Anjos emerge uma figura verossímil: um típico literato de província, empanturrado de erudição e fascinado por certo linguajar culto da época (Rui, Graça Aranha, Euclides). E sem muito senso se medida, conforme indica o discurso que proferiu, no dia 13 de maio de 1909, no Teatro Santa Rosa, na capital paraibana: despejou sobre um auditório bisonho uma catadupa de palavras extravagantes e incompreensíveis.
Não há dúvida de que o poeta do “Eu” guarda muita coisa desse orador estapafúrdio; mas, nos poemas, a fúria verbal, submetida ao metro, à rima e à economia poética, encontra sua adequação – e retórico torna-se encantatório. Além do mais, na poesia, fala o homem mais que o bacharel ilustrado e esse tem um vocabulário diferente. Juntam-se assim, na linguagem do poeta, os termos científicos e as palavras do cotidiano, o erudito e o vulgar: entre esses pólos contraditórios precipitam-se as descargas que iluminam a noite augustiana.
Logo ao chegar ao Recife, em 1903, para fazer o curso de Direito, aderiu à tese da poesia científica de Martins Júnior, embebeu-se do evolucionismo biológico e social, a partir das concepções de Spencer, Hartmann e Haeckel. Eram as ideias novas a seu alcance. Tal adesão significava uma ruptura com os hábitos de pensar e sobretudo com a concepção poética vigente.
Vulgaridade – Esse poeta, cheio de inquietações científicas e filosóficas, preocupado com a morte energética do universo, reflete o ambiente familiar, provinciano e regional onde nasceu. Está habitado por ele, por seu sofrimento, sua decadência, seus medos e superstições; e por seus prconceitos. Em muitos romances de cordel encontra-se o mesmo gosto da extravagância que, de outro modo, impregna os poemas de Augusto dos Anjos, os quais por sua vez participam também do mau gosto próprio a certos jornais de amplo consumo popular, especializados em crimes hediondos. Estranho poeta esse que, descendendo da aristocracia rural, bebendo erudição em autores europeus, armando-se de uma linguagem que o distinguia do vulgo, cria uma obra tão próxima da vulgaridade. E, não obstante, bela.
A atualidade do poeta funda-se em sua qualidades literárias, bem maiores que seus defeitos. Intuitivo mais que tudo, ele foi o primeiro a introduzir em nossa linguagem poética a alquimia verbal, e a matéria que essa alquimia transforma, com a ajuda da terminologia científica também transformada, é o mundo prosaico nordestino do Engenho do Pau d’Arco, onde nasceu, das ruas, pontes e becos do Recife e da Paraíba. Os quais se tornam, a partir de sua poesia, o que sempre foram: “Um lugar do Cosmos.” Um ponto de onde um homem contempla (e vive) o drama universal.
(Fonte: Veja, 23 de novembro de 1977 – Edição 481 – LITERATURA/ Por FERREIRA GULLAR – Pág: 168)
(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u768- da Folha de S.Paulo – 30/03/2004)