Verga: encanto tipicamente siciliano
Giovanni Verga (Vizzini, 2 de setembro de 1840 – Catânia, 27 de janeiro de 1922), magistral e extraordinariamente bem dotado romancista siciliano, autor de um dos mais luminosos momentos da literatura italiana do século XIX, a garra épica Dom Gesualdo (1889).
Essa obra alastra-se, qual labareda desenfreada. Cerrado o volume, não é difícil entender por que D.H. Lawrence, o imortal criador de O Amante de Lady Chatterley, e também o primeiro tradutor em inglês de Giovanni Verga, se rendeu incondicionalmente ao encanto siciliano do autor de Dom Gesualdo – a quem, num dos vários ensaios dedicados à análise de sua obra, disse considerar superior a monumentos como Thomas Hardy e Meredith, no romance, e Tchekhov, no conto.
Durante muito tempo, Verga foi conhecido apenas como o autor do libreto da ópera Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni (1863-1945). Esse flagrante erro de perspectiva começou a ser corrigido sobretudo após a II Guerra Mundial, quando os cineastas neo-realistas italianos empreenderam sucessivos mergulhos em sua obra na construção de seus filmes. Luchino Visconti, por exemplo, baseou seu filme La Terra Trema (1948) no romance I Malavoglia, de Verga. Casos desse calibre logo se espalhariam e, assim, a importância desse extraordinário romancista pôde ser, enfim, reconhecida, na Itália como no resto do mundo.
Dom Gesualdo conta a história da ascensão vertiginosa de um pedreiro ambicioso, arguto, sempre atento à possibilidade de um bom negócio, ansioso por tornar-se patrão de seus antigos patrões para, assim, mostrar-se capaz de aplicar dribles desconcertantes no destino. O romance é também a história da queda do fogoso pedreiro, vítima de uma implacável contradição: a incompatibilidade entre sua origem humilde e o universo aristocrático em que se enfiou graças a um casamento por interesse. O mundo siciliano, com suas misérias e seus esplendores, povoado de personalidades fortes como aço, belas, determinadas, mas também mesquinhas, invejosas e supersticiosas, esse mundo patético e fascinante emerge em pinceladas ágeis, de forma sintética, enxuta.
Desfilam, pela obra, cônegos, compadres, nobres em decadência, criados dependentes, camponeses – tipos descritos poética e sucintamente. Verga descreve o impagável Tabelião Neri, como “pequeno, calvo, roliço, uma verdadeira toupeira, com um ventre atrevido, um riso ruidoso, a voz áspera como o chiar de uma polia”.
E dona Fifi Margarone é pintada como uma mulher de “peito chato, arfante como um fole de forja”. Combinadas pela pena de Verga, tais personagens formam um retrato precioso da Sicília. Críticos de sua obra, publicaram na Itália, apontando-o como precursor de diversas experiências literárias contemporâneas e louvam-lhe o estilo “único e vigoroso”. Uma oportunidade de travar contato com esse magistral escritor por tanto tempo relegado injustamente às sombras.
(Fonte: Veja, 19 de outubro de 1983 – Edição 789 – LIVROS / Por Luiz Roberto Galizia – Pág: 141)