Lima Barreto: a busca da identidade
Lima Barreto (Rio de Janeiro, 13 de maio de 1881 – Rio de Janeiro, 1° de novembro de 1922), malcriado, pioneiro, um homem na frente do seu tempo. Epítetos assim vêm cercando as referências à obra do escritor Lima Barreto.
Afirma-se, por exemplo, que ele se ocupava de temas sociais antes de Graciliano Ramos e José Lins do Rego. As realizações mais importantes da Semana de Arte Moderna teriam sido pregadas por ele pelo menos quinze anos antes de 1922.
E em sua própria época (1881-1922), sempre se revoltou contra a literatura meramente sonora, inflamada de retórica e povoada de intricadas sutilezas gramaticais. Existe, por fim, o lado irônico do mulato Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido em maio de 1881 num subúrbio do Rio de Janeiro. Em um de seus livros, por exemplo (ele escreveu dezessete), criou a República dos Bruzundangas, o Brasil-Presunto, “que até aqui tem sido muito roído: roem-no os de fora, roem os de dentro”, advertia.
Tantas virtudes, porém, só passaram a ser descobertas a partir da década de 30. “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, precisava ser lido por todo brasileiro alfabetização. É uma obra onde a compreensão do nosso povo chega ao máximo.
A literatura foi a causa de todas as loucuras e desgraças de Lima Barreto. Por um motivo simples: a obra é a identidade do escritor. Ele s ereconhece na medida em que escreve. Não ver reconhecida sua obra é ver ignorada sua própria identidade. E quando isso acontece, o autor geralmente se desnorteia. Com Lima Barreto, em certos momentos, aconteceu isso e ele ficou tão desorientado que passou a escrever textos subliterários, como “Entra Senhoor”, sobre as “polacas” prostitutas, que publicou em folhetim. Um esforço desesperado para encontrar seu público. Mas nem aí o encontrou.
No caso de Lima Barreto, ele leva essa ausência de identidade a extremos, chega a ser radical. “Sou escritor, nada mais me interessa”, dizia. E, implacável, investia contra a sociedade de seu tempo, contra a política branquista do Rio Branco. Tanto que considerava Machado de Assis muito frio, devido a suas críticas discretas, refinadas até. E não perdoava Coelho Neto, que, na sua opinião, fazia uma literatura ornamentosa para “agradar os burgueses embotados pelo dinheiro.”
Pois, embora estivesse sempre participando – e este é um dos seus traços mais simpáticos, que mais entusiasmam -, Lima Barreto era, na verdade, um escritor consciente de sua solidão irredutível. Ao lado de uma vida intensamente combativa, percebendo traços marcantes do homem e da arte contemporânea, como o insulamento e a fragmentação. Descobre-se, que as suas personagens não se relacionam entre si, não atuam uma sobre a outra. Nunca se encontra uma linha dramática. As várias unidades do livro não se enlaçam. Tudo reflete a noção de isolamento na personalidade de Lima Barreto.
O tema da solidão se insinua em suas obras sem que ele escreva esta palavra. Ele não tinha ainda tomado consciência da solidão como um fenômeno moderno, o que faz dele um antecipador.
(Fonte: Veja, 12 de maio de 1976 – Edição 401 – LITERATURA – Pág: 111)