Rubem Valentim (Maceio, 9 de novembro de 1922 – São Paulo, 30 de novembro de 1991), célebre talento da pintura baiana que usava símbolos do candomblé de forma erudita
O mestre pintou quadros e esculturas na forma inofensiva e espetos coloridos, quando se propôs a domar em suas telas a simbologia do candomblé, Valentim correu riscos consideráveis. Poderia ter produzido uma pintura folclórica e populista. Não foi o que aconteceu. Os seus trabalhos demonstra a tese de que a arte inspirada na cultura popular brasileira pode ser muito bonita e até dispensar a cópia de fórmulas padronizadas na Europa e nos Estados Unidos.
Longe de ser xenófobo, no entanto, Valentim conseguiu estabelecer uma linguagem ao mesmo tempo própria e universal. Os pontos altos – são os quadros que o pintor produziu no final dos anos 50, na época em que morou no Rio de Janeiro, e as peças tridimensionais em branco que executou em homenagem a Oxalá, o rei dos orixás, durante o tempo em que viveu em Brasília, de 1967 a 1982.
Valentim elaborava os símbolos do candomblé até que “a obscuridade ameaçadora do fetiche se esclarecesse na límpida forma de mito”. Trabalhava com seus pincéis para entendê-los e explicá-los.
PINTOR DE PAREDES – Numa obsessiva busca do equilíbrio, o talento do artista consistia em pacificar as armas dos orixás, obtendo então uma considerável coleção de traços, triângulos, círculos e meias-luas empilhadas como totens em cores vibrantes e também sombrias. Num quebra-cabeça exaustivo, a pintura de Valentim consistia em procurar a cor exata para cada forma. Com isso, os símbolos do candomblé ganham uma segunda vida, longe dos terreiros e já no reino do erudito.
Mulato, anscido numa família pobre em Salvador, Valentim aprendeu a pintar ainda garoto com um pintor de paredes amigo da família chamado Arthur Come Só. No princípio, Rubem, um menino feio e falante, pensava em seguir as carreiras de dentista e jornalista, tendo chegado a exercer os dois ofícios.
Em 1948, já frequentando os ateliês de Salvador, Valentim retomou definitivamente a pintura. De temperamento difícil, ao mesmo tempo em que afirmava seu talento, Valentim permanecia alheio à eclosão das vanguardas estéticas que eram moda no Brasil dos anos 50.
Embora tivesse afinidades com o movimento concretista, que pregava uma arte cerebral e despojada, Valentim jamais aderiu a ele. O mesmo aconteceu com sua viagem à Europa nos anos 60. Em vez de frequentar galerias e salões de prestígio, o pintor consumia seu tempo visitando museus e coleções de arte negra e de antropologia. Afiado como as arestas de seus quadros, para justificar seu temperamento difícil Valentim costumava dizer: “Não sou punho de rendas, não nasci para ser diplomata.”
Depois de retornar ao Brasil, o artista e a mulher, a arte-educadora Lúcia Alencastro, mudaram-se para Brasília. Curiosamente, a aridez e a amplidão da cidade, que costumam afugentar a classe artística, inspiraram Valentim. “Os vazios de Brasília trouxeram a tridimensionalidade para sua pintura”.
Se a cidade fez bem para a sua obra, Valentim, por outro lado, começou a sentir saudade do burburinho da Europa e do Rio de Janeiro. Em 1982, quando se cansou da capital do país, Valentim e a mulher resolveram manter uma segunda residência, em São Paulo.
Nessa última fase de sua obra, na capital paulista, retomou as cores. Seus orixás ganharam um sotaque cosmopolita, como se respirassem o ruído visual da metrópole.
(Fonte: Veja, 12 de janeiro de 1994 – ANO 27 – Nº 3 – Edição 1323 – ARTE – Pág: 101)