A primeira perfuração da história do petróleo no Oriente Médio

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Da rivalidade entre russos e britânicos nasceu a história do petróleo no Oriente Médio. Desde 1872, e de novo em 1889, o barão inglês Julius Reuter, fundador da agência de informações de mesmo nome, negociava, com a Pérsia, acordos que previam a exploração do petróleo, de maneira a detonar forte oposição da Rússia.
O regime czarista temia a aproximação dos ingleses da sua fronteira sul. Os acordos foram anulados. Mas os homens de negócio da City não desanimaram: os entendimentos foram retomados pelo riquíssimo William Knox D’ Arcy. Em Teerã, o xá tinha necessidade de dinheiro novo. As duas partes acabaram firmando um novo contrato. Em 28 de maio de 1901, mediante o pagamento de 20 mil libras líquidas à vista, igual montante em ações e 16% sobre os eventuais lucros, o xá firmou com D’ Arcy uma concessão de 60 anos sobre dois terços do país. Com isso, os ingleses fincaram os pés na Pérsia.
O negociante contratou o engenheiro George Reynolds, que se instalou numa região deserta e selvagem entre a Pérsia (Irã) e a Mesopotâmia (Iraque), a 500 km do golfo Pérsico. A primeira perfuração começou em 1902, sob uma temperatura de 50°C à sombra, em meio a tribos hostis. Em abril de 1904, um poço começou a produzir, mas bem pouco. D’ Arcy, contudo, ganhara a aposta: na região havia petróleo. Mas seriam necessárias ainda milhares de libras para explorá-lo e transportá-lo. E D’ Arcy não dispunha dos meios para assumir sozinho os encargos da prospecção. Os geólogos tinham lhe assegurado que a perfuração de dois poços custaria 10 mil libras. Ora, em quatro anos ele já havia investido 200 mil libras. Logo, precisava encontrar parceiros.
D’ Arcy fez negócio com a Burmah Oil e cedeu parte de suas ações. Essa sociedade petrolífera, baseada em Glasgow, era apoiada por Londres. Eles escolheram uma nova zona de prospecção: a “planície do óleo”, a sudoeste de Teerã, perto de Chatt el-Arab. Para ali chegar foi preciso abrir uma estrada e encaminhar 40 toneladas de materiais antes de começar a perfurar, em janeiro de 1908. Muito longe muito caro. Em 14 de maio de 1908, a Burmah Oil estava a ponto de interromper os gastos: chegou a mandar Reynolds abandonar as perfurações. Em 26 de maio, contudo, um jato de petróleo saltou 15 metros acima da torre. Reynolds, a acreditar-se na lenda, enviou um telegrama aos sócios: “Ver Salmo 104, versículo 15, terceiro parágrafo”. Na Bíblia, pode-se ler: “Que ele possa fazer sair o óleo da terra para a alegria de todos”.
Para fazer frente aos pesados investimentos, a Burmah Oil criou em 1909 a Anglo-Persian Oil Company (a futura Britsh Petroleum), cujas ações dispararam. “Um oleoduto de 225 quilômetros, atravessando duas cadeias de colinas e uma planície desértica, foi construído”. Uma refinaria foi instalada em Abadã, perto da fronteira com o Iraque, mas as dificuldades financeiras reapareceram. Desde 1912, a companhia tinha esgotado seu capital de giro. Parecia necessária a fusão com a grande rival, a companhia anglo-holandesa Royal Dutch-Shell, que na época dominava o mercado petrolífero. Para os ingleses não estava em questão perder o controle sobre seu abastecimento de petróleo. Ainda mais porque os programas navais de 1912, 1913 e 1914, previstos para confrontar a potência alemã, dependiam da construção de navios movidos a combustível, e não mais a carvão.
O almirantado britânico pesou então como nunca. Alguns dias antes da explosão da Primeira Guerra Mundial, um certo Winston Churchill colocou em votação na Câmara dos Comuns um texto. Este nacionalizava a Anglo-Persian Co. Por 2,2 milhões de libras, o governo britânico adquiriu 50% das ações da companhia. O ouro negro da Pérsia continuaria inglês.
Aconteceu em cima da hora, pois um concorrente já se manifestava do outro lado da fronteira, no Iraque. A Turkish Petroleum Company, nascida em 1912 sob o estímulo da Royal Dutch-Shell e do Deutsche Bank (detendo cada um 50% das ações), em colaboração com o multimilionário armênio Calouste Sarkis Gulbenkian (1869-1955). Os britânicos redobraram os esforços para obter a fusão da Turkish com a Anglo-Persian. Em 1914, o novo consórcio passou a ser controlado em 50% pelos ingleses. A Shell e o Deutsche Bank ficaram com 25% cada um; 5% dos lucros foram a partir de então o apelido de “Senhor 5%”.
(Calouste Sarkis Gulbenkian (1869-1955), nasceu em Constantinopla, em uma família de origem Armênia. O pai, banqueiro, importava querosene russo. A lenda conta que, aos 7 anos, Calouste ganhou uma moeda de prata. Em vez de gastá-la, trocou-a no bazar por moedas antigas, seu primeiro investimento. Quando de sua morte, em Lisboa, em 1955, sua coleção de obras de arte valia mais de US$15 milhões. O jovem levantino, aos 19 anos de idade, conquistou um diploma de engenheiro de minas. Foi em direção de Baku e de seu petróleo. Dois anos mais tarde, Gulbenkian já se tornara um experiente petroleiro internacional.
Retornou a Constantinopla e, depois, a Paris. Naturalizado inglês em 1902, trabalhou com o presidente da Shell, Henry Deterding. Em 1913, foi um dos fundadores da Turkish Petroleum Company (futura Iraq Petroleum Co). Por ocasião da fusão da companhia, obteve da Shell uma retrocessão de 5% dos lucros, o que lhe valeu o apelido de Senhor 5%.) Ao mesmo tempo que começava a exploração petrolífera, o primeiro conflito mundial reduziria a nada a cooperação anglo-germânica.
Ao final da guerra, a Alemanha foi vencida, e o Império Otomano, desmembrado. As potências vitoriosas passaram a ditar as regras do jogo. O primeiro-ministro britânico Lloyd George e o presidente do Conselho francês Alexandre Millerand selaram o compromisso conhecido como o acordo de San Remo. “O instrumento do desenvolvimento petrolífero ficou sendo a Turkish Petroleum Company; os franceses receberam a parte alemã da companhia, que tinha ficado seqüestrada pelos britânicos durante a guerra. Em troca, os franceses renunciaram a suas pretensões territoriais sobre o Mossul (no norte do Iraque). A Grã-Bretanha, por sua vez, proclamou que qualquer companhia privada que explorasse jazidas de petróleo ficaria sob seu controle. Não foi resolvida, entretanto, uma questão: o que fazer com o petróleo da Mesopotâmia?
O acordo de San Remo representou um duro golpe para os americanos. Diante do poder dos ingleses, eles passaram a inquietar-se com seu abastecimento. Washington começou a fazer pressão sobre Londres. Esperando um eventual acordo anglo-americano, que só aconteceria em 1925. Faiçal, o novo rei do Iraque, confirmou oficialmente a concessão celebrada em 1912. A exploração sistemática poderia, enfim, começar.
Em 15 de outubro de 1927, às 3 horas da manhã, perto de Kirkuk, um território essencialmente habitado por curdos, ecoou um imenso estrondo, que “precedeu um gêiser de 15 metros de petróleo acima da torre. Toda a região foi irrigada de petróleo”. Estava provado: o Iraque também tinha petróleo.
Nove meses mais tarde, em 31 de julho de 1928, no hotel das Termas de Ostrende, nos Países Baixos, o contrato de exploração do petróleo iraquiano foi enfim assinado. O capital da Iraq Petroleum Company (IPC – que substituiu a Turkish Petroleum Company) foi repartido entre os britânicos da Anglo-Persian (23,75%), os franceses da Companhia Francesa de Petróleos (23,75%), um cartel americano (Gulf, Texaco, Exxon, Móbil 23,75) e os 5% de Gulbenkian. Os representantes das companhias traçaram uma linha vermelha em torno do ex-Império Otomano. Somente a Pérsia e o Kuwait foram excluídos do traçado. No interior dessa zona, todas as operações petrolíferas deveriam ser feitas em colaboração entre seus membros, e somente entre eles. E o fato de o petróleo correr em abundância na Pérsia e no Iraque sugeria que o mesmo devesse acontecer na Arábia. Todos duvidavam. Segundo os relatórios de geólogos, como a Arábia parecia “desprovida de qualquer perspectiva de petróleo”, a prospecção ali deveria “ser classificada na categoria do puro jogo”. Entretanto um homem acreditava o contrário. Frank Holmes nascera na Nova Zelândia, tinha vivido na África do Sul e em Aden, no Iêmen, estabeleceu-se na pequena ilha de Bahrein.
O xeque local nem pensava em procurar petróleo. Holmes, contudo, achou e obteve uma concessão petrolífera, em 1925.
Mesmo duvidando da presença de óleo bruto, os britânicos da Anglo-Persian viam Frank Holmes com maus olhos. Tratava-se de um elétron livre na sua “zona de influência”. Em 1926, praticamente falido, Holmes propôs vender sua concessão aos americanos. A Gulf Oil comprou seus direitos em 1927. Mas, um ano mais tarde, essa sociedade americana tornou-se parte da Iraq Petroleum Company. Como esta era signatária do “acordo da Linha Vermelha”, tornou-se impossível para a Gulf operar sozinha no Bahrein. Ela revendeu então suas ações à Socal (Standard Oil of Califórnia, a Esso, transformada em Chevron), que não tinha ratificado o acordo. Os britânicos ficaram enfurecidos. Não podiam admitir que os americanos se instalassem no Oriente Médio. Colocados sob a égide dos ingleses, os xeques não podiam agir por sua própria conta. Uma cláusula de nacionalidade britânica era exigida para explorar o petróleo. A Socal montou então uma filial no Canadá, um território britânico. Um ano mais tarde, os britânicos acabaram concordando, certos de que não havia petróleo no Bahrein. As perfurações começaram em 1931. Em 31 de maio de 1932, os americanos descobriam uma jazida. Havia petróleo também na Arábia. A novidade inverteu o equilíbrio regional e mundial – criando uma situação que dura até os dias de hoje.
O rei Ibn Saud, por sua vez, em maio de 1933, concedeu o direito de explorar o petróleo da Arábia Saudita durante 60 anos. Os americanos da Socal, que pagaram ao rei 35 mil peças de ouro, foram os beneficiários. O articulador do acordo foi Saint John Philby, antigo funcionário britânico do Império das Índias, transformado em conselheiro de Ibn Saud. Os ingleses perderam o bonde. Assim, antes de lutar contra os americanos, eles preferiram, um ano e meio mais tarde, associar-se com eles na base de 50/50 na última zona de prospecção: o Kuwait. As buscas, contudo, mostraram-se difíceis. As seis primeiras perfurações deram em nada. A ansiedade cresceu até 1938, quando imensas reservas foram descobertas no Kuwait e na Arábia.
A guerra do Kippur, em 1973, provocou o primeiro choque petrolífero mundial. Os países do Golfo elevaram o preço do barril em 70% e limitaram a produção. Em 1974, o Kuwait e o Qatar assumiram o controle (em até 60%) das companhias que atuavam em seu território. A Arábia Saudita fez o mesmo antes de nacionalizar completamente a Aramco (Arabian-American Oil Company) em 1976.
Os produtores, desse modo, transformaram-se nos senhores do jogo. As companhias perderam a capacidade de ditar os preços na boca dos poços. Mas conservaram, e mantêm ainda hoje, a primazia sobre o refinamento, o transporte e a comercialização do óleo.
Em 1940, a região produzia 5% do petróleo mundial. Em 1973, na época do choque petrolífero, atingia 36,9%, impondo-se como interlocutora obrigatória e como aliada indispensável das economias ocidentais. Por menos de 40 anos, o conjunto do petróleo do Oriente Médio ficou sob o controle das grandes potências econômicas. Trinta anos depois das descobertas, as relações de força haviam se invertido. Novamente, nos 30 anos seguintes, as cartas dos campos petrolíferos passaram a correr o risco de ser redistribuídas.

(Fonte: História Viva – Ano II – N° 23 – Setembro de 2005 – Petróleo – Por Christophe Courau/historiador – Pág; 68/70)

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