Arthur Charles Clarke (1917-2008), escritor e cientista inglês. Autor celebrizado entre outras coisas pela série 2001: Uma Odisséia no Espaço.
Arthur C. Clarke era um visionário. E suas melhores obras transitaram pelo terreno rarefeito da grande ficção metafísica. Não seria o caso de alegar que Clarke foi genial em todas as suas obras, mas de reconhecer a grandeza de seus melhores momentos com a mesma honestidade com que se identificaria esse tipo de virtude em um escritor não tão identificado com um gênero específico.
A série 2001, por exemplo. Muita gente confunde achando que o filme de 1968, uma das experiências estéticas mais perturbadoras do cinema, para o bem e para o mal, foi adaptado do romance de mesmo nome. Não foi. A película, parceria entre Clarke e Stanley Kubrick desde o desenvolvimento do roteiro, na verdade adaptava um conto, bem mais sintético, de nome A Sentinela. Ao longo do processo de criação do roteiro, Clarke tomou por base a história que ambos estavam desenvolvendo para o cinema e começou a redigir o romance, que terminou por ser publicado antes do filme estrear.
E 2001: Uma Odisséia no Espaço foi na literatura também um ponto alto não apenas da carreira de Clarke como da ficção científica humanista, discutindo o sentido da existência, a questão da inteligência e o espaço para a espiritualidade num mundo tecnicista. Mesmo debates hoje comuns no noticiário mundial, como o que pode ser considerado vida, estão presentes no livro, a obra-prima da série.
Clarke foi um antecipador não apenas na literatura. Cientista de formação, seu nome é reconhecido como autor de contribuições reais para o mundo do conhecimento tecnológico. Operador de radar durante a 2ª Guerra e mais tarde graduado em física e matemática pelo Kings College, em Londres, antes de se tornar um escritor de renome foi um dos primeiros a postularem o uso de satélites em órbita da Terra como instrumentos de telecomunicações.
Mantinha contato científico com pesquisadores de grandes laboratórios e agências, como a Nasa, e portanto estava apto a dar forma literária a dilemas tecnológicos reais.
Clarke, contudo, não foi visionário sempre. O que 2001 tem de desconcertante, os outros três livros da série (2010: Uma Odisséia no Espaço 2, 2061: Uma Odisséia no Espaço 3 e 3001: A Odisséia Final) põem a perder com tramas arrastadas e sem a abordagem filosófica sutil da obra-matriz. Já do outro pilar da produção literária de Clarke, a série Rama, o nível entre as obras é mais regular, e há um certo tom uniforme que percorre os quatro volumes (Encontro com Rama, Rama II, O Jardim de Rama e A Revelação de Rama).
Todos, centrados nos segredos de uma espaçonave interceptada ao cruzar nosso sistema solar, forneceram argumentos replicados à exaustão pelo mau cinema de Hollywood, que só ajudou a propagar a noção de que ficção científica é literatura menor, consumida por sujeitos chatos que enxergam implicações metafísicas e verdades profundas em paranóia interestelar, homens verdes de orelhas pontudas e robôs insanos.
Clarke morreu no dia 18 de março de 2008, aos 90 anos.
(Fonte: Zero Hora – 22 de março de 2008 – Ano 44 – N°15.545 – CULTURA – Por Carlos André Moreira – Pág; 7)