A ciência do esporte e o futebol
Quando me formei em Medicina, escolhi uma especialidade que nenhum médico fazia como primeira escolha, Medicina do Esporte.
Talvez por influência genética, pois meu pai foi treinador de remo nos fins de semana no Grêmio Náutico União e meu tio, um dos primeiros jornalistas esportivos, atuando no Correio do Povo e na Folha da Tarde. Desde muito pequeno gostava de acompanhá-lo em competições de atletismo, remo, natação e hipismo.
Formado em Medicina, recebi um convite do dr. Gildo Wilhelm, presidente do União, para ser o primeiro médico pago do clube, mas com a condição de fazer a especialidade de Medicina do Esporte.
Em 1968, passei a lecionar na Escola de Educação Física, e o dr. David Gusmão me convidou para trabalhar no Grêmio, onde substituí o dr. Jairo Cruz.
Cresci nesta especialidade à sombra do Olímpico. Realizei o primeiro controle antidoping no Brasil. Foi num Gre-Nal, em 1973.
Tratava o assunto como uma ciência e surpreendia-me ver o Rudi Armin Petry, um grande dirigente e psicólogo nato, usar técnicas que para mim eram desconhecidas.
Em um jogo de final de campeonato, eu o vi recolher grama do
campo e, pouco depois, dizer ao Alcindo: Recebi esta grama benta de uma baiana, e ela me disse para usares dentro da tua meia, pois isso te dará uma força extra na perna. Ganhamos por 1 a 0 e o Alcindo fez o gol. Na saída do campo, o jogador disse ao Petry: Sabe, doutor, a baiana tinha razão. Quando chutei aquela bola, realmente senti uma força a mais na perna. Vendo o meu espanto, Petry
sorriu e disse que eu deveria aprender muito ainda no futebol.
Lembro de um amistoso em Bento Gonçalves contra o Esportivo.
Pedi ao Otto Glória para fazer um experimento. Tentaria hipnotizar os atletas e aumentar sua performance por meio de sugestões.
Levamos 5 a 1, mas nunca vi os jogadores mais tranquilos.
Otto passou a me chamar de cientista. Continuei nessa área e fui me dirigindo para o controle de doping, seja na Odepa, no Comitê Olímpico Internacional ou na Agência Mundial Antidoping.
Até aqui, justifiquei por que sinto dificuldades para falar de ciência no futebol, que é extremamente passional. Prefiro os esportes amadores, em que os profissionais traçam sem discussão os rumos técnicos e físicos. Como gremista, sigo com receio de ver os fatos por um viés natural, que turva o meu lado de professor.
Solicitado a escrever uma coluna sobre o uso de medicamentos permitidos e não permitidos em futebol, relutei muito, mas decidi aceitar, restringindo o meu ponto de vista apenas ao que posso facilmente comprovar por meio de literatura internacional. A primeira pergunta que minha pauta trazia era explicar se o Viagra é permitido.
Minha resposta é sim. Não existe restrição legal ou ética.
De onde surgiu a ideia de usá-lo em altitude? De um trabalho publicado, mostrando que alpinistas, em grandes altitudes, venciam melhor a carência de pressão de oxigênio com essa substância.
O estudo foi feito em torno de 6 mil metros, e a Agência Mundial não proibiu o produto porque ninguém provou que isso também ocorria em altitudes medianas.
Na realidade, ninguém publicou a sua utilização em altitudes e nunca ouvi falar de seu uso em futebol ou em outro esporte. Será que vai funcionar? Vamos ver. Eu penso que não, mas assim como a graminha do Alcindo, não posso ter certeza absoluta.
(Fonte: Correio do Povo Ano 114 N°106 – PORTO ALEGRE, QUARTA-FEIRA, 14 DE JANEIRO DE 2009 ESPORTES/EDUARDO DE ROSE Pág; 24)