A primeira cirurgia plástica de nariz do Ocidente
Os segredos da cirurgia plástica são conhecidos há milhares de anos.
Sem anestesia além do ópio, os médicos indianos realizavam operações plásticas de nariz nos tempos antigos. A demanda vinha em grande parte de punições físicas e mutilações em combate.
Ao caminhar pelas ruas poeirentas de Mysore, Índia, no século XVIII, um oficial britânico ficou surpreso ao deparar com um mercador local com cicatrizes na testa e um nariz disforme. Intrigado, ele quis saber a causa da deformidade do homem.
Descobriu que ele fora considerado culpado de adultério e tivera o nariz cortado como punição. Um vaidya homem santo hindu moldara um nariz
substituto, usando a pele do próprio homem. Esse encontro acidental introduziu a noção de cirurgia plástica no Ocidente.
A cirurgia reconstrutora era praticada na Índia há mais de dois mil anos, mas era desconhecida no Ocidente. O relato de uma operação de enxerto publicado na revista londrina Gentlemans Magazine, em 1794, atraiu muita atenção.
Sabe-se há muito que as civilizações antigas possuíam a capacidade de efetuar operações cirúrgicas básicas. Um manuscrito egípcio antigo, conhecido como Papiro Edwin Smith, remontado a cerca de 3000 a. C., contém conselhos sobre a maneira de tratar nariz e queixo fraturados, e orientações sobre sutura e cauterização (fechar o ferimento ao queimá-lo). Vários esqueletos encontrados numa aldeia de artesãos perto do Vale dos Reis mostram que as fraturas sofridas por esses trabalhadores eram restauradas com talas. Mas os historiadores médicos ainda ficam surpresos ao constatarem que a cirurgia plástica de reconstrução era realizada séculos antes da invenção da anestesia.
Cirurgia antiga dos hindus
O termo cirurgia plástica nada tem a ver com substâncias artificiais.
Deriva da palavra grega plastikos, significando capaz de ser moldado ou formado. Envolve a modificação de deformações causadas por doença ou ferimento. Seus princípios básicos foram descobertos na Índia antiga.
Um dos oito ramos do Aiurveda, o sistema indiano de medicina, é o shastrakarma, a prática de técnicas cirúrgicas. Os praticantes de Aiurveda rejeitavam os remédios mágicos e procuravam a ligação entre a doença e a cura. A primeira escola de medicina do mundo foi fundada por volta de 1500 a. C., na cidade de Taxila, no moderno Paquistão.
Sushruta cirurgião do século VI a.C., notabilizou-se por seus textos pioneiros sobre cirurgia plástica. Também foi o primeiro a registrar a operação de catarata.
O autor hindu Sushruta compilou uma enciclopédia de tratamentos médicos por volta de 600 a. C, com informações anatômicas detalhadas e descrições de 300 procedimentos cirúrgicos. Lá estavam os primeiros relatos de rinoplastia e otoplastia, a cirurgia plástica do nariz e orelha.
As lesões no nariz eram uma ocorrência comum na Índia antiga. O nariz era considerado um símbolo de orgulho e dignidade, e por isso representava um alvo tentador em combate. O sistema de justiça também determinava a amputação do nariz para crimes como adultério; em conseqüência, era muito grande a demanda de reconstrução nasal.
Sushruta descreveu como um novo nariz podia ser criado, prendendo-se a pele da face no resquício do nariz:
Um médico cuidadoso deve tirar
A medida do nariz do paciente e
em seguida cortar a face
adjacente de acordo com essa
medição, e após escarificar a
ponta do nariz, deve levar a pele
cortada até ela e juntá-las com
saturas perfeitas…Quando a
cura é completa e as partes estão
unidas, pode-se remover o
excesso de pele.
Até mesmo as vias nasais podiam ser reconstruídas pelo uso de pequenos tubos ocos. Mel e olhos eram aplicados, e usava-se algodão embebido em óleo como curativo no nariz reparado.
Havia também uma demanda por reconstruções estéticas de adultos e crianças cujos brincos pesados haviam rompido e infeccionado os lóbulos das orelhas. A dissertação de Sushruta a respeito sugere que esse era um problema comum, remediado com facilidade pelo enxerto de um pedaço de pele da face no lóbulo dilacerado.
Ele descreve a realização dessa operação até mesmo em bebês.
Os métodos passaram da Índia para as civilizações clássicas da Grécia e Roma. Em seu livro De Medecina, o autor romano Aulus Cornelius Celsus descreveu procedimentos quase idênticos aos de Sushruta para reparar nariz, lábios e orelhas mutilados.
O mais famoso paciente desse tratamento foi o imperador bizantino Justiniano II. Em 695 d.C., ele foi deposto e teve o nariz amputado, para que o estigma da mutilação o impedisse de recuperar o poder.
Justiniano foi para o exílio, mas por volta de 705 d. C. era imperador outra vez. Consta que ele foi operado e passou a exibir um nariz novo, o que lhe valeu o apelido de Rhinometus, Nariz Cortado
Mas a cirurgia foi considerada ímpia na Europa medieval. Em 1163, o papa Inocêncio III e o Concílio de Tours aprovaram uma resolução que dizia: A cirurgia deve ser abandonada pelas escolas de medicina e por todos os médicos decentes. Os clérigos eram proibidos de praticar a sangria; só os barbeiros e açougueiros podiam efetuar procedimentos cirúrgicos.
Quando Gaspare Tagliacozzi, professor da Universidade de Bolonha, publicou uma obra sobre técnicas cirúrgicas em 1594, a Igreja excomungou-o. Quando ele morreu, as autoridades religiosas até providenciaram para que seu corpo ficasse enterrado em terreno não consagrado, ao removê-lo do cemitério de uma igreja. Os métodos de Tagliacozzi continuaram a ser desprezados nas décadas subseqüentes a sua morte. Seus enxertos de pele pioneiros, direto do braço para o rosto, foram criticados por alguns autores da Renascença. O satirista francês Voltaire escreveu um poema de crítica em que Tagliacozzi efetuava uma operação na qual esticava a pele de uma paciente da nádega até o nariz.
Reação ocidental
Foi somente no século XVIII que a cirurgia plástica adquiriu uma aceitação real na Europa Ocidental.
Alguns cirurgiões, efetuando amputações em navios ou hospitais de campanha, estavam conscientes de que a pele podia readerir a carne.
Antes da amputação, a pele podia ser retirada da perna ou braço para ser estendida sobre o coto. Mas muitos ainda preferiam o método tradicional de cauterizar ferimentos e membros amputados com óleo quente.
Até que o artigo da Gentlemans Magazine, em 1794, introduziu no Ocidente as técnicas reconstrutoras indianas. Dois médicos britânicos, Thomas Cruso e James Findlay, comprovaram o procedimento, ao observar o caso de um carroceiro indiano chamado Kawasajee cujo nariz amputado como penalidade por traição foi cirurgicamente reconstruído, e concluíram que era provável que a operação viesse a ser bem-sucedida na maioria dos casos.
O nariz artificial é firmado no
lugar e parece quase tão bom
quanto o natural. A cicatriz na
testa não é muito evidente depois
de algum tempo.
O relato inspirou um inglês chamado Joseph Carpue a realizar duas operações similares. Ele teria demorado apenas 15 minutos para completar cada reconstrução.
Mas depois desse primeiro passo para a assimilação das técnicas médicas indianas, os ingleses retrocederam. Por volta de 1835, haviam fechado todas as escolas de medicina aiurvédica, substituindo-as pelas faculdades médicas ocidentais.
Os métodos só não desapareceram de todo por um punhado de médicos determinados, que ofereciam o tratamento aiurvédico em suas próprias casas.
Enfim, em 1914, a Europa viu-se forçada a treinar seus cirurgiões nas técnicas de cirurgia plástica.
Precisavam também desenvolver novas técnicas, as pressas. A guerra de trincheiras infligia ferimentos terríveis; os cirurgiões se depararam com milhares de jovens precisando de reconstrução facial ou corporal. Os feridos começavam a voltar para casa.
(Fonte: Seleções do Readers Digest A verdade por trás da História As novas revelações que estão mudando nossa visão do passado Invenção e Descoberta Pág; 246/247)