Ghiggia, ex-atacante, herói do Uruguai na final da Copa de 50
Alcides Edgardo Ghiggia (Montevidéu, 22 de dezembro de 1926 – 16 de julho de 2015), ex-jogador uruguaio, carrasco da seleção brasileira na final da Copa do Mundo de 1950 e último sobrevivente dos que jogaram aquela decisão.
Nascido em 22 de dezembro de 1926, em Montevidéu, o ponteiro-direito Ghiggia começou sua carreira no pequeno Atlante. Depois de passar pelo Sud América, chegou em 1948 ao Peñarol, onde fez parte time que seria base da seleção uruguaia campeã em 1950, ao lado de Schiaffino, Obdulio Varela e Máspoli, entre outros.
Em 1953 se transferiu para o futebol italiano, jogando por Roma e Milan, antes de voltar para o Danubio, do Uruguai, onde encerrou a carreira em 1968.
Com seu bigode de cantor de tango, Alcides Ghiggia exigiu silêncio de um Maracanã lotado por 200 mil pessoas para dar início a um concerto que ecoa até hoje. Além do gol que deu ao Uruguai o título da Copa de 1950, o camisa 7 é também o autor da trilha de uma ópera futebolística em que a tristeza fica gravada na alma enquanto as alegrias são efêmeras.
Ao passar seus últimos anos num vilarejo nos arredores de Montevidéu, Ghiggia queixava-se do esquecimento dos jovens uruguaios, mais preocupados em viver o presente do que conhecer a história do atacante que marcou gol em todos os jogos do Mundial, feito só repetido por Jairzinho, em 1970. Ao contrário do herói, que perde força com o tempo, o algoz vive para sempre no imaginário do futebol brasileiro.
— Apenas três pessoas calaram o Maracanã: o Papa João Paulo II, Frank Sinatra e eu — dizia sobre o lance que jamais se apaga apesar das imagens desbotadas pelo tempo — É apenas algo que mantenho como uma recordação muito viva. Tive a sorte de marcar esse gol e levar um campeonato do mundo para meu país, algo que sempre terei dentro de mim. Como a tristeza de não conviver mais com muitos companheiros que se foram.
Disputada num quadrangular, a fase final da Copa de 1950 fez o Brasil entrar no último jogo como a vantagem do empate para ser campeão por ter goleado Espanha e Suécia por 7 a 1 e 6 a 1, respectivamente, enquanto os uruguaios empataram com a primeira em 2 a 2 e venceram a segunda por 3 a 2.
A exuberância e a modéstia das campanhas se refletiam na expectativa antes da decisão daquele 16 de julho. Num domingo em que os jornais brasileiros já saudavam em manchetes os futuros campeões do mundo, o atual produtor de cinema Luís Carlos Barreto era um dos 11 fotógrafos da equipe de o Cruzeiro, que tinha uma caminhonete Dodge dentro do Maracanã para seguir cada jogador nas celebrações.
No lugar da opulência brasileira, Barreto lembra que cada jogador uruguaio chegou ao estádio carregando sua chuteira e seu material. Dos bastidores para o grande palco, os uruguaios mantiveram a postura depois que Friaça marcou o gol do Brasil no primeiro minuto do segundo tempo.
— Adelante — ordenou o capitão uruguaio Obdulio Varela no reinício do jogo.
Em defesa de Barbosa
Enquanto todo o Maracanã já contava os minutos para celebrar o título, a velocidade de Ghiggia fazia o tempo dos homens se encontrar com a dimensão da eternidade. Nos espaços deixados por Bigode, o atacante já havia entrado livre duas vezes antes de avançar por quase 30 metros e cruzar para Schiaffino empatar o jogo, com um chute no ângulo, aos 21.
Apesar do abatimento do Brasil, o então presidente da Fifa desceu das tribunas com a intenção de entregar a taça ao capitão Augusto quando o destino voltou a pintar o 7 com requintes de crueldade pelo lado esquerdo da defesa local. Lançado por Miguez, Ghiggia pressentiu a tentativa de Barbosa de cortar o cruzamento e chutou entre o goleiro e a trave. Aos 34 minutos, a explosão do silêncio precedia o drama do tango.
— Mesmo com os olhos e o coração sangrando fotografei aquele homem entrar na área e dar um chute de bico para fazer o gol — conta Barreto.
Nos últimos dez minutos, a pressão foi insuficiente para alterar o placar que o Brasil carregaria para sempre como uma cruz. Orgulho negro do Vasco campeão sul-americano em 1948, Barbosa se transformou em vergonha nacional. Primeiro por ter supostamente falhado e depois pela forma com que foi condenado.
— Vocês têm de parar de culpar o Barbosa. A culpa foi minha — dizia Ghiggia.
Seu gol também foi responsável por transformações definitivas no futebol brasileiro, a começar pela aposentadoria da camisa branca, usada em 1950. Num Maracanã, com quase três vezes a capacidade que tem atualmente, o feito de Ghiggia foi um multiplicador das alegrias que estavam por vir junto com a hegemonia da fase amarelo-ouro:
— Depois, vocês ganharam cinco Copas — dizia, na tentativa de atenuar as marcas de uma tragédia no aumentativo, e como tal, conhecida como Maracanazo.
Marcas além do concreto
Gigante de concreto, ainda em busca de vida própria logo após sua inauguração, o estádio foi tomado por um fantasma que faria o torcedor brasileiro andar com fé e medo pelas próximas décadas. Entre as tantas imagens do templo, o pecado original nasce da arrancada de Ghiggia, do atraso na cobertura de Juvenal e da forma com que Barbosa se ajoelha, cabisbaixo, já com a bola no fundo da rede. Desde então, pais e filhos vão ao Maracanã acompanhados da tradição de em que a glória e a tragédia andam de mãos dadas. Nas pegadas deixadas por Ghiggia, resta o caminho aberto para a reconciliação.
— É uma honra muito grande e agradeço ao Brasil pelo carinho — disse ao botar os pés na calçada da fama do estádio em 2009. — Nunca pensei que seria homenageado no Maracanã. Isso me emociona muito. Agradeço de coração. Sorte a todos.
Entre vencedores e vencidos, o futebol ensina que a grandeza de um lado está em reconhecer o valor do outro, e não na tentativa de eliminá-lo. Quando Ghiggia nasceu em 22 de dezembro de 1926, o Uruguai se preparava para conquistar o bicampeonato olímpico de futebol. Depois do começo em clubes de menor expressão, chegou à seleção ao ser campeão nacional pelo Peñarol em 1949. Por conta de suas origens italianas, foi jogar no Roma, que o impediu de disputar a Copa de 1954. Já defendendo a seleção italiana, provou do próprio veneno ao amargar derrota de virada por 2 a 1 que deixou o país fora da Copa de 1958. Depois de ser campeão italiano pelo Milan em 1962, voltou a Montevideu onde se aposentou pelo Danubio, aos 42 anos.
Funcionário do cassino
O retorno foi mais afetivo do que financeiro. Desde que o tesoureiro da delegação desapareceu com o prêmio e a conquista de 1950 foi celebrada com sanduíches e garrafas de cerveja, Ghiggia saboreou a fama com hábitos modestos. Do governo recebeu um emprego, como funcionário do Cassino de Montevidéu, que lhe serviu de aposentadoria pelos serviços prestados em campo.
— Lamento apenas que os jovens não se lembrem mais de nós, jogadores do passado. Eles não me procuram muito. Hoje em dia, vive-se mais o presente — queixava-se nas poucas aparições.
O ex-jogador uruguaio Alcides Edgardo Ghiggia morreu em 16 de julho de 2015. Exatos 65 anos após o ‘Maracanazo’, quando o Uruguai bateu o Brasil por 2 a 1, de virada, diante de um Maracanã lotado por 200 mil torcedores, Ghiggia faleceu aos 88 anos. Ele sofreu uma parada cardíaca.
(Fonte: http://oglobo.globo.com/esportes -16796644#ixzz3gAYKPTIU – ESPORTES – POR O GLOBO – 16/07/2015)
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