Antonio Canova, foi o maior escultor neoclássico italiano

0
Powered by Rock Convert

A pureza neoclássica da escultura

Autor de obra emblemática que revela o gosto neoclássico e a extraordinária técnica do escultor, tendo sido considerado o inventor da escultura neoclássica

Antonio Canova, foi o maior escultor neoclássico italiano (Foto: biografieonline.it/ Reprodução)

Antonio Canova, foi o maior escultor neoclássico italiano (Foto: biografieonline.it/ Reprodução)

Antonio Canova (Possagno, 1° de novembro de 1757 – Veneza, 13 de outubro de 1822), foi o maior escultor neoclássico italiano. Mestre que cultivou a serenidade, a elegância e a contenção como virtudes máximas. Seu ídolo era ninguém menos que Fídias, o gênio escultor da Grécia Antiga, autor do templo Paternon de Atenas.

Mas Canova não era apenas um copiador dos gregos. Ele imprimia imaginação própria a suas obras. Enquanto viveu, Canova pôde garantir a eternidade do mármore só a alguns poucos e selecionados clientes, como Napoleão Bonaparte, o Vaticano e o presidente americano George Washington.

Felizmente, além de monumentos fúnebres, Canova deixou dezenas de belíssimas esculturas em forma de estátuas, bustos, alegorias e uma grande quantidade de moldes de gesso, esboços em argila, relevos, desenhos e pinturas.

FORMÃO E MARTELO – Filho e neto de cinzeladores e entalhadores de pedra, Canova entrou aos 11 anos num ateliê de escultura de Veneza, quando na cidade viviam personagens como o dramaturgo Carlo Goldoni (1707-1793), o grande da commedia dell’arte, e o sedutor Giacomo Casanova (1725-1798).

Aos 19 anos, já havia produzido as duas estátuas que o consagraram: Orfeu e Eurídice. Habituado a ver apenas as cópias em gesso dos originais antigos em mármore, Canova sonhava com Roma, mas só conseguiu desembarcar na cidade eterna depois de produzir – e vender – Dédalo e Ícaro. O conjunto deu uma guinada na vida de Canova, e tinha certamente um significado particular para o próprio escultor.

Nele, vê-se o velho Dédalo, com ar preocupado diante da tragédia que pressente, no afã de colar com cera uma asa nas costas do filho. O garoto sorri, inconsciente do fim que o mito lhe reserva. Aos pés de Dédalo, Canova pousou um formão e um martelo, como se a obra fosse uma metáfora da escultura ou uma alegoria pessoal dedicada pelo escultor a si mesmo.

Quando Canova desembarcou em Roma, em 1779, a cidade estava tomada pela febre do classicismo. A estirpe de Michelangelo, no Renascimento, e de Bernini, no Barroco, havia dado lugar no século XVIII ao chamado barroqueto romano, exuberante mas incapaz de ressaltar talentos individuais. O grande arqueólogo alemão Johann Joaquim Winckelmann (1717-1768), profeta do movimento neoclássico, havia pregado como um missionário: “Para nós, a única via para nos tornarmos grandes e, se possível, inimitáveis, é a imitação dos antigos.” Enquanto milhares de estátuas e esculturas antigas eram desenterradas nas áreas arqueológicas de Roma, ou reemergiam da lava do Vesúvio, em Pompéia, recém-descoberta, praticamente todos os escultores romanos trabalhavam em serviços de restauração ou cópias, para atender à demanda vertiginosa.

Com o dinheiro correndo no comércio e o contrabando de esculturas antigas, celebradas em toda a Europa com maravilhas irrepetíveis, pode surpreender que apenas Canova tenha tido a ideia de se tornar um escultor clássico vivo. Ou como diziam seus detratores, que o consideravam um esnobe por se recusar a fazer cópias, “escultor veneziano traduzido em grego”. O próprio Canova se defendia, dizendo que apenas se compenetrava dos mesmos princípios de verdade e de imitação da natureza que tinham iluminado a arte grega. Na prática, possuir uma obra de Canova na época era mais ou menos como poder encomendá-la diretamente ao ateliê de Lisipo, na Grécia do século IV antes de Cristo, e recebe-la limpa, inteira e reluzente.

Entre seus mármores, destacam-se onze peças preciosas do Ermitage de São Petersburgo. Em alguns casos há duas versões de Canova para o mesmo tema. Assim, ao lado da Hebe (que na mitologia grega personifica a juventude) russa, há outra, muito semelhante, do Museu de Forlí. Uma escultura, em particular, se sobressai: a emocionante Eros e Psiquê, do Museu do Louvre. Eros tem asas longuíssimas, e as duas figuras estão sensualmente entrelaçadas, numa obra emblemática que revela o gosto neoclássico e a extraordinária técnica do escultor.

JESUÍTAS – Faltava a Canova superar o cotidiano confronto com as maravilhas antigas expostas nos museus do Vaticano e do Campidoglio. A sua chance veio quando recebeu a encomenda para o monumento fúnebre do papa Clemente XIV, na Igreja dos Santos Apóstolos. Clemente XIV, franciscano, foi o papa que dissolveu a Companhia de Jesus, aceitando as pressões de quase todas as cortes europeias contra os jesuítas.

Em 1801, as obras de Canova passaram a ser as únicas de um artista moderno admitidas no Museu do Vaticano, preocupado em substituir estátuas famosas da antiguidade – como o Laocoonte e o chamado Apolo do Belvedere – rapinadas pelo Exército napoleônico, vitorioso. O Perseu e a dupla de lutadores Creugante e Damoceno estão desde então no chamado pátio octogonal do Vaticano. O Creugante, que na na mitologia morre no combate contra Damoceno, está exposto em Venza.

Canova, entusiasta da obra, mandou moldes da estátua às principais academias europeias da época. Ao manda-la a Paris, explicou numa carta que o fazia porque assim poderia ser avaliada uma sua escultura “de caráter mais forte, já que as que foram vistas até agora eram de um estilo doce e delicado.”

Antonio Canova, Creugante e Damosseno, 1794-1801 (Foto: slideplayer.it/ Reprodução)

Antonio Canova, Creugante e Damosseno, 1794-1801 (Foto: slideplayer.it/ Reprodução)

 

CHACOTA – Considerado ao longo da sua vida um artista modesto e generoso com os discípulos, o mestre colecionava fregueses importantes no Velho e Novo Mundo. Executou a encomenda da estátua de George Washington, recusou convites para se transferir para a Rússia – mesmo quando convidado a fazer o retrato de Catarina II – e foi chamado a Paris para fazer o retrato oficial de Napoleão Bonaparte.

O modelo de Canova para o busto do imperador foi difundido em todo o império. A viagem a Paris rendeu também uma colossal estátua de quase 4 metros, esculpida em Roma entre 1803 e 1806, representando Napoleão completamente nu como “Marte pacificador”. O escultor tinha como modelo o colossal Júpiter Olímpico, de Fídias – mas Napoleão viu sua nudez a provável chacota dos parisienses. Mandou esconder a estátua no Louvre. Vendida mais tarde pela dinastia Bourbon a lorde Wellington por 100 000 francos, o Napoleão/Marte enfeita o hall do Wellington Museum, em Londres.

Nem sempre Canova recolheu consensos. Alguns contemporâneos criticavam seu perfeccionismo, e outros mais recentes elogiam mais seus esboços e modelos de argila, considerados improvisações vivazes, mas que teriam sido anuladas por uma execução excessivamente meticulosa no mármore. Nada disso arranha a genialidade de Canova como o maior escultor do seu tempo. Para Canova, “a estátua não era mais um objeto situado num espaço e iluminado por uma fonte de luz, mas a sua própria figuração se homologava no espaço e na luz universais.”

A chamada síndrome de Stendhal (1783-1842), aquele misto de encantamento e ansiedade que costuma enregelar as pessoas diante das supremas obras de arte, foi realmente vivida e descrita pelo escritor francês na sua primeira viagem à Itália, no início do século XIX. Em Florença, depois de ver o monumento fúnebre de Vittorio Alfieri (1749-1803) feito pelo escultor veneziano ma Igreja de Santa Croce, Stendhal anotou, maravilhado: “Enquanto Canova existir, pode-se comprar a eternidade.”

Antonio Canova morreu solteiro, e não se tem notícia sobre sua vida sentimental. A maior de suas desventuras não foi de ordem amorosa, mas familiar. Seu meio irmão Giovani Battista Sartori, um padre, impingiu-lhe um testamento e tornou-se seu único herdeiro. Chegou a vender falsos Canova, e conseguiu sagrar-se bispo. Por ironia, o bispo Sartori construiu seu túmulo junto ao do irmão, na matriz de Possagno, a cidadezinha perto de Veneza onde ambos nasceram, impondo assim à vítima do conto-do-vigário a companhia eterna do próprio vigário.

(Fonte: Veja, 20 de maio de 1992 – ANO 25 – Nº 21 – Edição 1235 – Arte/ Por Marco Antonio de Rezende, de Veneza – Pág: 100/101)

Powered by Rock Convert
Share.