A primeira atriz estrangeira a ser premiada com o Oscar de Melhor Atriz pela Academia de Hollywood
Anna Magnani (1908-1973), atriz italiana, uma das maiores de seu tempo, a primeira atriz estrangeira ser premiada com o Oscar de Melhor Atriz pela Academia de Hollywood e considerada por seus pares como o maior talento da interpretação dramática desde Eleonora Duse. Magnani trabalhou com os mais importantes diretores do cinema italiano e era reconhecida internacionalmente por seu rosto expressivo, seu talento dramático e sua forte personalidade. Ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza em 1947, e em 1955 se tornou a primeira estrangeira a ganhar o Oscar de melhor atriz por sua interpretação em A Rosa Tatuada, filme baseado na obra de Tennessee Williams, onde interpretou uma viúva siciliana que morava nos Estados Unidos, em um típico bairro italiano, e que reverenciava neuroticamente a memória do marido. Com enérgica ternura muito sua, a atriz, 65 anos, voltou-se, dia 25 de setembro de manhã, no quarto da Clínica Mater Dei de Roma, para o filho paraplégico, arquiteto de 32 anos: Ficarás só, Luca, muito em breve…. Poucos minutos depois entrava em coma e, no fim da tarde, morria, estando no quarto ainda um velho amor, o diretor Roberto Rossellini, e uma amiga de sempre, a roteirista Suso Cecchi D’Amico.
Logo em seguida, a televisão italiana apresentou Roma 1870, seu último filme conforme estava programado há semanas, antes que se agravasse o câncer no pâncreas e ela tivesse de deixar sua cobertura no Palazzo Altieri, onde vivia com seus sete gatos (o filho morava um andar abaixo).
Deixou dois desejos sem cumprir: Quando meu filho se casar, darei uma festa da qual Roma falará durante anos (o filho não casara). O outro: ela nunca conseguiu, embora sempre o tivesse pretendido praticamente desde quando a peça foi lançada, interpretar “Mãe Coragem”. No entanto, talvez tenha vivido na tela, no palco e principalmente na sua vida um papel muito semelhante ao da personagem de Brecht, que foi ao fundo da miséria alcançar a grandeza humana, carregando a filha surda-muda no meio de uma guerra sórdida.
Afinal, de quantas mortificações caladas da romana criada no Trastevere, bairro popular de Roma, se fez aquele olhar sempre em fogo? De quantos exercícios no sofrimento da estrelinha de teatro de revistas, onde foi parar na década de 30 apesar do diploma em arte dramática, nasceu aquela mulher do povo inesquecivelmente morta pelos nazistas em “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini? E a sensualidade quase brutal, contida pelo rosto duro e misteriosamente sentida por todos em “A Rosa Tatuada”, de Daniel Mann, que lhe deu o Oscar em 1955 – de que possíveis frustrações de mulher vinha toda essa ânsia? (“Tive dois homens em minha vida”, costumava dizer: um, Rossellini, a deixou por Ingrid Bergman: outro, o marido, o diretor Goffredo Alessandrini, do qual se separou logo que o filho nasceu, exigiu que Anna Magnani lhe pagasse pensão mensal, ao concordar com o divórcio há poucos meses. Ela teve ainda uma longa amizade com o autor teatral americano Tennessee Williams.)
“Nunca fui atriz, passei a vida interpretando apenas uma personagem, uma romana comum – isto é, eu mesma”, afirmava. Não é verdade, embora como romana do povo, em “Nela Città l’Inferno”, “La Lupa”, “Il Miracolo” e “Bellissima”, tivesse sempre os cabelos em desordem, as olheiras fundas na máscara de dor, e estivesse sempre em combate desenfreado para não só sobreviver mas viver com altivez, às vezes usando de pérfida malícia para fazer valer seu amor ao próximo, e assim se identificasse tanto com centenas de milhares de romanas comuns e assim todos a conhecessem como Nannarella, na grande cidade em que todos querem ver westerns-spaghetti e filmes eróticos e em que todos concordavam que a sua Nannarella fazia muito bem em ter passado os últimos dez anos recusando papeis em westerns-spaghetti e filmes eróticos. Não é verdade que não fosse atriz a “Mamma Roma”, a escolhida por Fellini para encerrar sua “Roma”, co-autora da grande revolução cinematográfica do pós-guerra, o neo-realismo italiano, uma das poucas explosões ainda vivas do cinema. Essa loba selvagem, tão terna como a que deu seu leite aos meninos fundadores da cidade, simbolizava não apenas a romana, mas a mulher de qualquer povo do mundo contemporâneo, com sua dignidade inata lutando para sobreviver entre os supostamente grandiosos conflitos e dilemas históricos do século XX. Anna morreu no dia 25 de setembro de 1973, aos 65 anos, em Roma, Itália.
(Fonte: Veja, 3 de outubro, 1973 Edição 265 DATAS – Pág; 19)