Bessie: voz de cristal que inaugurou uma linhagem a que pertence Ella Fitzgerald
Bessie Smith (Chattanooga, Tennessee, 15 de abril de 1894 – Clarksdale, Mississippi, 26 de setembro de 1937), foi uma cantora extraordinária de Blues norte-americana e que está no panteão das divas negras do blues. A primeira das grandes cantoras negras americanas. Quando ela começou a gravar, no início dos anos 20, os equipamentos de estúdio eram pré-históricos.
No início dos anos 30, a cantora e dançarina americana Mae Barnes visitava o Castelo de Windsor, na Inglaterra, a convite de Edward VIII, então príncipe de Gales, quando a comitiva passou em frente a um quadro que retratava a rainha Mary. “Que porte majestoso ela tem”, comentou Mae para agradar seu anfitrião.
“É verdade”, concordou o príncipe. E emendou: “Na verdade, só conheço duas mulheres com tamanha majestade – minha mãe e Bessie Smith”. O príncipe – o mesmo que mais tarde escandalizaria o império ao renunciar ao trono para se casar com uma plebeia – era naturalmente um fã do blues, a música americana que começara a ganhar o mundo, e com seu comentário ele mostrava conhecer o assunto. Bessie, no início do século XX, reinou como a maior das cantoras americanas. Viveu 43 anos.
Morreu de hemorragia depois de um desastre de automóvel, quando foi levada para um hospital exclusivo para brancos e a equipe de plantão se recusou a atende-la. Era racista assumida, foi alcoólatra e viciada em drogas. Mas ninguém cantava blues como ela. Deixou 160 músicas gravadas, que até hoje a perpetuam.
Desde a morte de Bessie, em setembro de 1937, muitas outras divas surgiram no cenário musical, cada uma consagrando sua própria marca e criando uma tradição de cantoras negras americanas.
Foi um prodígio, uma cantora capaz de transmitir uma cascata de emoções com um único acorde de voz. Bessie vivia intensamente as letras de amor e desamor que cantava. Sua especialidade eram os blues lentos, sofridos, dos quais há exemplares lendários, como o clássico ‘Tain’t Nobody’s Bizness If I Do – no qual, em que pese a precariedade da gravação, a voz de Bessie aparece em toda a sua extensão e seu timbre de cristal.
Muitos costumam situar no mesmo passado distante Bessie Smith e sua concorrente ao posto de maior cantora americana de todos os tempos: Billie Holiday. É engano fazê-lo. Billie nasceu vinte anos depois de Bessie e morreu em 1959. Beneficiou-se, portanto, da era da alta-fidelidade. Há vários de seus discos em catálogo, sendo que o mais recomendado, é Fantastic Billie Holiday. Nele se encontram gravações de músicas antológicas como My Man, Sophisticated Lady e Blue Moon.
Ao contrário de Bessie, Billie cantava pouco blues. Seu território era o das canções românticas e o do jazz em geral. Sua voz não tinha lá grande profundidade, mas o que Billie fazia com ela é de arrepiar. Cantava como se tivesse tocando um instrumento num grupo de jazz. E com isso construiu sua glória na contramão de uma trajetória pessoal extremamente conturbada, que passou pela prostituição na adolescência, pelo alcoolismo e pelas drogas mais tarde.
(Fonte: Veja, 8 de janeiro de 1992 – ANO 25 – N° 2 – Edição 1216 – MÚSICA/ Por OKKY DE SOUZA – Pág: 78/79)