A primeira dobradinha brasileira na história da Fórmula 1

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José Carlos Pace o brasileiro que fez história em Interlagos

'Moco' é carregado após sua vitória no GP do Brasil de 1975 (Foto: REPRODUÇÃO - AUTOSPRINT)

‘Moco’ é carregado após sua vitória no GP do Brasil de 1975 (Foto: REPRODUÇÃO – AUTOSPRINT)

A primeira dobradinha brasileira na história da Fórmula 1

A primeira dobradinha brasileira na história da Fórmula 1. E logo na corrida em casa. E com um carro nacional entre eles. Uma torcida enlouquecida invadiu a antiga pista de Interlagos, com quase 8km de extensão, para celebrar aquele pódio nunca antes visto.

Naquele 26 de janeiro de 1975, os torcedores saudaram Emerson Fittipaldi, já bicampeão da principal categoria do automobilismo, vencedor dos dois primeiros GPs do Brasil (1973 e 1974) e correndo pela McLaren.

Mas não foi o Rato quem ganhou há 40 anos em Interlagos: aquele era o dia para comemorar o feito de Moco. Ou Carlinhos. Também chamado de Bolinha. Até mesmo, e simplesmente, Zé. José Carlos Pace, a bordo da Brabham número 8, completou as então 40 voltas em 1h44min41s17 para vencer diante de sua torcida pela primeira (e infelizmente única) vez na F-1 – Jochen Mass completou aquele pódio. Aos 30 anos, o paulistano realizava seu grande sonho.

“Foi muito bacana”, lembra-se Fittipaldi em entrevista ao ESPN.com.br. “Quando chegou o GP do Brasil eu já o tinha vencido por duas vezes e era o campeão mundial pela McLaren. Daí as pessoas falavam: ‘Pô, você deixou o Moco ganhar…’ Não!”, sentencia.

“Ele vinha babando, suando, foi uma vitória com dois brasileiros no pódio. Foi uma festa, espetacular. Imagina como o público brasileiro estava… Deixamos os brasileiros mal acostumados. Lembro quando nós terminamos a corrida e levantei o braço dele. Foi um negócio espetacular, ele guiou muito, perfeito, sem cometer erro”, prosseguiu.

José Carlos Pace e a Brabham número 8 (Foto: GETTY)

José Carlos Pace e a Brabham número 8 (Foto: GETTY)

 

Paulo Gomes, lendário piloto de turismo brasileiro, também estava no autódromo e se recorda bem do feito do amigo. “Foi um dia maravilhoso, emoção indescritível. Eu e o Moco já éramos superamigos – ele me ajudou muito na Europa quando eu estive lá para correr de Fórmula 3 -, íamos à fazenda um do outro, éramos muito ligados nessa época. Então foi superbacana a vitória dele, a comemoração, a torcida, foi um fim de semana inesquecível. Muito emocionante”, contou.

Trabalhando no jornal O Estado de S.Paulo, Castilho de Andrade cobriu aquela vitória. E para ele não há dúvida: “Considero a corrida de 1975 a mais emblemática da história da F-1 no Brasil. A explicação é simples: Emerson Fittipaldi já era bicampeão mundial e era o maior ídolo esportivo do país; uma equipe brasileira, a Copersucar, fazia sua primeira temporada nas pistas. E dois brasileiros terminam nas duas primeiras posições do pódio. Esta era apenas a terceira corrida de F-1 no Brasil, valendo pelo campeonato. A invasão do público – que acabou carregando os pilotos nos ombros -, a festa no autódromo e a corrida empolgante, para mim, representaram a conquista definitiva da F-1 no Brasil. O esporte estava ‘incorporado’ no país”.

Ali, José Carlos Pace colocou o seu nome na galeria de vencedores da F-1. Porém, dois anos após aquele momento inesquecível, acabou sofrendo um acidente aéreo fatal, calando um dos pilotos mais queridos que o automobilismo produziu.

‘MOCO’

'Moco' em 1974, quando corria pela Surtees (Foto: GETTY)

‘Moco’ em 1974, quando corria pela Surtees (Foto: GETTY)

“Pouca gente sabe no Brasil, mas nós éramos amigos do Moco desde criança”, revela Emerson Fittipaldi. “Minha família morava nos Perdizes, e ele no Pacaembu. A primeira moto que andei foi a dele. Quando ele corria de kart, durante dois anos, fui mecânico dele e do Wilson (irmão mais velho de Emerson): eu preparava os karts na mecânica que meu pai tinha. Crescemos juntos”, relembra o bicampeão. “Foi um grande amigo desde criança, tinha potencial de ser campeão mundial, amigo pessoal meu e do Wilson”.

Pace nasceu em 1944 e desde cedo se apaixonou pelo automobilismo. Depois de fazer carreira no Brasil em carros turismo, decidiu ir para a Europa em 1970 tentar a sorte nos fórmula. E mostrou a que veio rapidamente: campeão da F-3 inglesa em sua estreia, uma vitória na F-2 no ano seguinte e seu ingresso na Fórmula 1 em 1972 pela Williams.

Sua personalidade intrigante – ora falava muito, ora se deixava apenas ouvir – lhe rendeu o apelido de Moco, ou como se chamava alguém que se fazia de surdo-mudo, como revela sua companheira de toda a vida, Elda.

 

“Ele era muito querido, pessoa muito simpática, brincalhão, bem ‘italianão'”, afirma Emerson Fittipaldi. “Era mais amigo do Wilson do que meu, eu era o moleque da turma. Tinha também o Gilberto Fanucchi (hoje sogro do bicampeão). Era um cara muito aberto, legal”.

 

Pace, Regazzoni e Ecclestone em Spa 1975 (Foto: GETTY)

Pace, Regazzoni e Ecclestone em Spa 1975 (Foto: GETTY)

 

 

Castilho de Andrade guarda também boas lembranças de Pace. “Minha relação com o ‘Moco’ foi uma herança da amizade que ele sempre teve com o jornalista Luis Carlos Secco, com quem comecei a trabalhar no automobilismo e de quem aprendi tudo. Acompanhei diversas corridas dentro e fora do Brasil, sempre tive um ótimo relacionamento com a mulher dele, a Elda, e o ‘Moco’ sempre me atendeu quando precisava. Não escondia nada, era transparente em tudo o que fazia e também não tinha medo de fazer críticas”, disse.

Com Paulo Gomes, a história de amizade começou mais tarde e teve um gosto em comum. “Foi numa época em que eu fui para a Europa. Eu sou muito amigo do Carlo Gancia, o José Carlos Pace também era, e nos encontramos em Londres. Fomos jantar, e eu falei que precisava comprar um carro no Brasil. E o Pace me falou: ‘Que comprar carro, o quê! Usa o meu carro lá, vou ficar aqui na Europa por mais uns três meses, ele tá parado, você pega lá, te dou autorização e tudo’. Ele gostava muito de fazenda – minha família tinha uma fazenda grande lá em Goiás, e ele acabou comprando uma ali do lado. Era uma amizade que fortaleceu bastante, a gente era como irmão”.

Na Fórmula 1, José Carlos Pace sofreu em seus primeiros anos. Pela Surtees, conseguiu bons resultados – como seu primeiro pódio, um terceiro lugar na Áustria em 1973 -, mas a confiabilidade do carro era mínima. Então, no meio da temporada 1974, Moco deixou a escuderia de um campeão para se juntar à de um dono de dois títulos mundiais, a Brabham. Lá, encontrou uma estrutura melhor, e a tão sonhada vitória na categoria estava próxima.

“Quando resolvi correr de F-3, ele arrumou equipe pra mim, morei na casa dele durante três meses, me ajudaram muito lá. Ia muito à Brabham, fiquei amigo do Bernie Ecclestone (então dono da equipe e hoje chefão da F-1). Foi uma época muito bacana”, conta Paulão, que foi campeão brasileiro de turismo com o Moco pela Ford na equipe de Luiz Antonio Grecco.

Na última prova daquele ano, ficou em segundo nos Estados Unidos. E depois do abandono na corrida de estreia do Mundial de 1975 na Argentina, veio a consagração com o triunfo em casa. Sua esposa, Elda, estava grávida de Rodrigo, segundo filho do casal (Patrícia tinha pouco mais de dois anos à época), e quase perdeu a celebração, mas ajudada por seguranças e oficiais de pista chegou ao pódio para comemorar com Moco.

 

A Brabham vermelha de José Carlos Pace em 1976 (Foto: GETTY)

A Brabham vermelha de José Carlos Pace em 1976 (Foto: GETTY)

 

A TRAGÉDIA

José Carlos Pace teve em 1975 seu melhor ano na Fórmula 1, acabando o campeonato com 24 pontos, na sexta colocação. A temporada seguinte, porém, não deixou boas lembranças: sem qualquer pódio, marcou apenas sete pontos. A redenção parecia ter chegado em 1977 com o segundo lugar na primeira prova, na Argentina, e vitória de Jody Scheckter.

Aos 32 anos, o piloto brasileiro estava amadurecido e com real possibilidade de ser campeão da F-1. Mas uma tragédia lhe vitimou, logo com uma de suas paixões: a aviação.

“‘Moco’ teve aulas de pilotagem de avião na Inglaterra”, relembra Castilho de Andrade. “Em uma delas, nós fizemos um voo entre um aeroporto ao sul de Londres e Silverstone. Logo depois de decolar o professor de pilotagem percebeu que o tanque do pequeno bimotor estava aberto, vazando combustível. Voltamos ao aeroporto, mas tudo correu bem. Apesar do susto, José Carlos Pace estava tranquilo, fazendo graça. E voltamos a decolar rumo a Silverstone”.

 

 

Capa da Folha sobre a morte de Pace (Foto: REPRODUÇÃO)

Capa da Folha sobre a morte de Pace (Foto: REPRODUÇÃO)

 

Prestes a tirar seu brevê para ser piloto de avião, José Carlos Pace acabou morrendo em um acidente aéreo na cidade de Mairiporã, na Serra da Mantiqueira, em 18 de março de 1977, após o modelo Sertanejo PT EHR bater em uma árvore pouco depois da decolagem feita no Campo de Marte, zona norte de São Paulo, com forte tempestade.

Morreram também Marivaldo Fernandes, também campeão no automobilismo brasileiro e que pilotava o avião, e Carlos Roberto de Oliveira, o ‘Nenê’.

“Nós fomos avisados no meio de madrugada: ele estava com Marivaldo, e teria um batizado em Ribeirão Preto no dia seguinte de um sobrinho meu onde ele ia ser o padrinho”, conta Paulo Gomes. “Recebemos a notícia e viajamos imediatamente pra São Paulo, fomos a Mairiporã, local do acidente. Foi terrível. Era inacreditável, um horror. Fomos todos pegos de surpresa, no Brasil, no mundo inteiro”.

“Estava indo para uma fazenda em Araraquara, e me ligaram lá. Foi um choque, eu que tive que falar para a Elda e para a Vera (esposa de Marivaldo), fui falar pessoalmente. Muito chocante”, relembra Fittipaldi.

Castilho só ficou sabendo do acidente quando chegava ao autódromo de Brands Hatch, na Inglaterra, onde cobriria uma prova da ‘Corrida dos Campeões’

“O clima estava péssimo. Bernie Ecclestone, dono da Brabham, não conseguia falar. Nem John Watson, seu companheiro na escuderia. Entrei no box da Tyrrell e vi Ronnie Peterson, um de seus melhores amigos, abraçado com a mulher Barbro. Os dois choravam muito. É claro que eu também não estava bem. Mas tinha que repercutir a história, ouvir alguns amigos de Pace na F-1. A corrida teve um clima péssimo, e James Hunt nem comemorou a vitória. Para mim foi uma das piores reportagens que tive de escrever”, assegurou.

O velório de Pace aconteceu no Automóvel Clube Paulista, e seu corpo foi enterrado no Cemitério do Araçá. Oito anos depois de sua morte, o vencedor do GP do Brasil de 1975 recebeu a maior homenagem póstuma: o Autódromo de Interlagos foi rebatizado para Autódromo José Carlos Pace, e um busto de bronze do piloto está posicionado pouco após a entrada do Portão B do circuito.

“Com certeza foi meu melhor amigo naquela época. Era nas pistas e fora delas, nas pescarias, nas viagens para negócios, para fazendas”, reconhece Paulo Gomes. “Ele era tido como futuro campeão mundial de Fórmula 1, e ele seria, com certeza”.

(Fonte: http://espn.uol.com.br/noticia/557287 – Antônio Strini, do ESPN.com.br – 13/11/2015)

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