A primeira mulher a assumir o cargo de presidente da Indonésia
Megawati Sukarnoputri foi a primeira mulher a presidir o maior país muçulmano do mundo
Em suas memórias, o general Achmed Sukarno (1901-1970), líder da independência e primeiro presidente da Indonésia (1950-1968), recorda que sua filha nasceu em 23 de janeiro de 1947 em meio a uma forte tempestade. Por isso, ela foi chamada de Megawati, que em javanês significa “filha de céus tormentosos”. O nome se revelaria premonitório. A menina viveu em palácios presidenciais até 1966, quando seu pai foi deposto por um sangrento golpe militar, que instaurou uma ditadura de direita liderada pelo general Suharto.
Megawati acompanhou Sukarno ao exílio na ilha de Java, onde ele morreu em 1970. Meses depois, o marido de Megawati, um tenente da Aeronáutica, também morreria, vítima de um acidente aéreo. “Mega”, como é chamada carinhosamente, só entraria na vida política aos 40 anos, ao ingressar no Partido Democrático Indonésio (PDI), uma das duas organizações de oposição consentidas. Foi eleita deputada em 1993, tornando-se líder do partido. Mas em 1996 Suharto mandou seus capangas atacarem e destruírem a sede do PDI, na tentativa de afastar “Mega” da liderança; no ano seguinte, ela foi proibida de participar das eleições parlamentares.
Fundou o Partido Democrático da Indonésia-Luta (PDI-L), que em junho de 1999 conquistou um terço das 700 cadeiras da Assembleia Consultiva do Povo, o Parlamento indonésio. Acontece que os partidos muçulmanos conservadores torciam o nariz ante a possibilidade de ter uma mulher como chefe de Estado. Assim, o Colégio Eleitoral elegeu presidente o líder muçulmano moderado Abdurrahman Wahid e ela contentou-se com a vice-presidência. Aos 54 anos, finalmente, veio a bonança.
Na segunda-feira 23 de julho de 2001, Megawati Sukarnoputri prestou juramento como quinto presidente da Indonésia, a primeira mulher a assumir o cargo. Era o desfecho de uma grave crise político-institucional aberta dias antes pelo presidente Wahid. Ameaçado de impeachment sob a acusação de corrupção e incompetência, ele decretou o estado de emergência e tentou dissolver o Parlamento. A Suprema Corte considerou o decreto ilegal e os deputados, por 591 votos a 0, afastaram o presidente. Quase cego e debilitado por derrames, Wahid ainda tentou ignorar a deposição e só deixou o palácio na quinta-feira 26, quando embarcou para os EUA para tratamento de saúde. Horas antes, o Parlamento elegeu o líder muçulmano conservador Hamzah Haz vice-presidente.
Bomba-relógio – A herança de Megawati é uma verdadeira bomba-relógio. Com 210 milhões de habitantes divididos em mais de 250 etnias espalhadas em 17 mil ilhas, a Indonésia é o quarto país mais populoso do mundo e a maior das nações muçulmanas. Durante 32 anos, os indonésios viveram sob o tacão do general Suharto, que modernizou a economia, mas institucionalizou a corrupção e aprofundou as desigualdades sociais. Hoje, mais de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza. O tirano só entregou a rapadura depois da crise cambial de 1997, que levou à violenta desvalorização da rúpia (moeda indonésia) e espalhou a crise financeira aos tigres asiáticos. Depois da rebordosa financeira, uma onda separatista passou a assolar o país.
Críticos de Megawati temem que a estreita ligação que ela desenvolveu com os militares, apesar de ser de oposição, possa levar a um processo de restrição de liberdades e de violenta repressão aos separatistas. Afinal, a filha do pai da pátria sempre considerou sagrada a preservação da integridade nacional, a ponto de ser contrária à independência do Timor Leste, ex-colônia portuguesa ocupada e anexada pela Indonésia em 1975. A influência no partido do terceiro marido da presidente, o empresário Taufiq Kiemas, acusado de tráfico de influência, poderá limitar as tímidas tentativas de punir a elite corrupta que floresceu sob Suharto.
(Fonte: http://www.terra.com.br/istoe-temp/1661/internacional/1661 – INTERNACIONAL – INDONÉSIA – Claudio Camargo – 1/08/2001) 0