A primeira mulher a comandar uma capital no País
Ex-prefeita de Fortaleza e 1ª mulher eleita na capital
Maria Luiza Fontenele, que marcou a história do Brasil e do PT, já decretou o fracasso da política, prega o fim do capitalismo e faz campanha: ‘Votar em alguém não resolve’
Era 15 de novembro de 1985, o Brasil ingressava em uma nova fase política. O voto do povo voltava a ser o instrumento de escolha dos políticos que governariam as capitais brasileiras. Em Fortaleza, uma pesquisa eleitoral contratada pela revista Veja indicava vitória com folga do candidato pelo PMDB Paes de Andrade. O ex-prefeito Lúcio Alcântara, então do PFL, aparecia em segundo lugar com 21%. Em terceiro, com 10%, uma jovem socialista filiada ao PT. Maria Luiza Fontenele contrariou as expectativas, conquistou um terço do eleitorado e se tornou a primeira mulher a comandar a prefeitura de uma capital no País.
Após 27 anos, a mesma mulher a marcar a história do Brasil e do PT em um dos momentos mais importantes para a democracia brasileira decreta o fracasso da política, prega o fim do capitalismo e faz campanha contra o voto. No próximo dia 6 de outubro, véspera do primeiro turno das eleições municipais, ela comandará mais um ato pelo boicote às urnas, como faz desde 2002.
“Nós nos colocamos contra a farsa da eleição. De dizer que é preciso votar em alguém para resolver os problemas. Porque não resolve”, sentencia aos 70 anos a ex-prefeita com experiência de quem foi também deputada estadual e deputada federal.
A socióloga defende uma forma de organização sem a presença do Estado e rechaça qualquer tipo de mediação política ou mercantil nas relações sociais. “Nós queremos criar um processo de conscientização em que os seres humanos querem tão somente ser. Não querem poder nem dinheiro. Nós conclamamos por uma vida plena de sentido”, filosofa no sofá da sala do apartamento próprio em que vive em um bairro nobre da capital cearense.
O edifício residencial em que a ex-prefeita mora fica a apenas alguns metros da sede da Assembleia Legislativa do Ceará, onde Maria Luiza exerceu dois mandatos como deputada estadual, antes de ser eleita prefeita. Ela é figura carimbada nos corredores do Poder Legislativo. É onde iniciou a carreira política que ela levanta fundos para as ações do grupo apartidário Crítica Radical, responsável pela campanha “Não Vote!”.
Conhecida por jornalistas, servidores e deputados, ela usa o prestígio de ex-prefeita e a simpatia para vender cartelas da rifa de um carro popular zero quilômetro realizada todo ano para arcar com os custos da militância. Ironicamente, os parlamentares eleitos pelo voto popular são os principais contribuintes. Um “ponto” para concorrer ao sorteio do prêmio custa R$ 100.
Maria Luiza radicalizou o discurso contra o sistema eleitoral há pouco mais de dez anos, após abandonar a política partidária. Contudo, já na Prefeitura de Fortaleza, era possível identificar indícios do que se tornaria o pensamento defendido por ela atualmente e que, na época, levou sua gestão a um desfecho melancólico.
Surpreendidos pelo resultado das urnas, os petistas sequer possuíam um projeto consistente para a cidade. Socióloga influenciada pelo marxismo, a prefeita se inspirou na Comuna de Paris – tida como primeiro governo proletário da história – para administrar a capital.
“Isso estava todo tempo em nosso imaginário. Ao mesmo tempo em que éramos poder através do voto, nós incentivávamos o processo de organização independente das comunidades”, relembra Maria Luiza, referindo-se à experiência dos chamados “conselhos populares” que decidiam e implantavam de forma quase direta as ações governamentais.
“Nós éramos contra a democracia representativa. Queríamos a democracia participativa. Quando chegamos à Prefeitura, tentamos implantar ações com essa proposta”, conta.
Não funcionou. Com a Prefeitura afundada em dívidas, sem o apoio do então governador Tasso Jereissati, ela enfrentou greve geral dos servidores municipais, insatisfação popular e entrou em conflito interno com o PT. Em 1987, foi expulsa do partido e os petistas entregaram os cargos na administração.
Nesse período, Maria Luiza teve de lidar ainda com o bloqueio de repasses do Banco do Brasil e Banco do Nordeste, em função das dívidas, segundo ela, herdadas dos governos anteriores. Na época, ela chegou a fazer greve de fome em protesto contra o então presidente José Sarney (PMDB), acusado pela prefeita de boicotar sua gestão.
Engajamento
Fora da política partidária há 14 anos, a ex-prefeita fundou em 2000, com amigos, o grupo apartidário chamado Crítica Radical – uma espécie de confraria de intelectuais inspirada pelas ideias do filósofo alemão Robert Kurz. Crítico da sociedade capitalista e considerado um inovador do marxismo, Kurz morreu no último dia 18 de julho, em decorrência de complicações de uma cirurgia no pâncreas.
Além de encampar o movimento “Não Vote!”, a Crítica Radical atua em protestos contra os governos, como na greve dos professores da rede estadual do Ceará, em setembro do ano passado .
Vez ou outra, o grupo também se engaja em causas internacionais. Maria Luiza lutou por anos contra a extradição do ativista italiano Cesare Battisti , acusado em seu país de assassinato e terrorismo. Ela esteve em Brasília no Palácio do Planalto em campanha pela libertação de Battisti por diversas vezes e também quando o caso foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em outubro do ano passado, quando o movimento Ocupe Wall Street realizou uma séria de manifestações em Manhattan, Nova York (EUA), a ex-prefeita de Fortaleza, desembarcou em solo americano com mil panfletos na bagagem . Nos folhetos, um manifesto traduzido do português para o inglês decretava a morte do capitalismo e afirmava que o dinheiro está obsoleto.
(Foto: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2012-08-11 – POLÍTICA – ELEIÇÕES 2012/ – iG Ceará –