A primeira mulher imortal da Academia Francesa de Letras em sua história

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A primeira mulher imortal da Academia Francesa de Letras em sua história

Marguerite Yourcenar (Bruxelas, 8 de junho de 1903 – Mount Desert Island, Maine, 17 de dezembro de 1987), escritora francesa que tornou-se em janeiro de 1981, a primeira mulher imortal da Academia Francesa de Letras em sua história. Nascida na Bélgica e naturalizada americana, da qual o Brasil tomou conhecimento em 1980, quando foi lançado no mercado editorial Memórias de Adriano. Essa versão ficcional da vida do imperador romano do século II e de suas meditações sobre a morte teve 120 000 exemplares vendidos no país. Yourcenar – anagrama de seu sobrenome Crayencour – acostumou-se desde cedo à solidão. Aos 10 dias de idade, perdeu a mãe e passou seus últimos 47 anos isolada em uma ilha no litoral do Maine, nos Estados Unidos.

O sucesso veio tarde. Apesar de escrever desde 1929, só ficou conhecida com a publicação de Memórias de Adriano, em 1951. Primeira mulher a ser eleita para a Academia Francesa, título que aceitou “apenas por educação”, tinha como forte as obras históricas. Nesse particular, exibia competência ao recriar o tom e o espírito da época abordada. A escritora estava terminando o último volume de suas memórias e pretendia ie à Europa para fazer uma conferência sobre o poeta argentino Jorge Luis Borges. Um de seus trabalhis históricos, A Obra em Negro, cuja ação se situa na Europa do século XVI, foi filmado, com Gian Maria Volonté no papel principal. Marguerite faleceu dia 17 de dezembro de 1987, aos 84 anos, de enfarte, no Maine.
(Fonte: Veja, 23 de dezembro de 1987 – Edição n° 1 007 – DATAS – Pág; 67)

Efeito cascata – A escritora francesa Marguerite Yourcenar teve seu primeiro livro lançado no Brasil, Memórias de Adriano, editado em 1980, vendeu 120 000 exemplares. Foi o suficiente para que, desde então, aparecessem mais nove livros da autora, nenhum da mesma qualidade do primeiro, mas todos com um volume de vendas que dificilmente alcançariam se o nome de Yourcenar não se identificasse imediatamente com o êxito retumbante de Memórias de Adriano.
(Fonte: Veja, 23 de dezembro de 1987 – Edição n° 1 007 – CULTURA – Pág; 83)

Memória secular
Yourcenar conta história de sua família
Em janeiro de 1981, a Academia Francesa de Letras tornava imortal a primeira mulher em sua história – a escritora Marguerite Yourcenar, nascida na Bélgica. No mesmo mês, a tradução brasileira de Memórias de Adriano, seu maior livro, rendia os leitores à maestria da autora, capaz de misturar ficção e absoluto rigor histórico para transformar um imperador romano do século II em personagem moderno e apaixonante.

Ela usou o real e o imaginário para ressuscitar os mortos. Só que, desta vez, são as memórias da própria Marguerite Yourcenar que aparecem em Recordações de Família, o primeiro volume de sua trilogia autobiográfica.

Em vez de se limitar a sua existência pessoal, a escritora puxa o fio de sua genealogia e compõe um vasto painel de cinco séculos de história europeia. Neste volume, ela fala da família de sua mãe, Fernande de Cartier de Marchienne – um enorme clã belga que remonta ao século XIV. As primeiras cenas da história são trágicas. Fernande, casada há três anos com um viúvo francês muito bem nascido, Michel de Cleenewerck de Crayencour, dá à luz a menina Marguerite, em Bruxelas, com grande sofrimento. O casal anuncia aos amigos o nascimento ocorrido em 8 de junho de 1903. Um “santinho” tarjado de preto comunicará a morte de Fernande, de uma infecção puerperal, dez dias depois. Michel de Crayencour guardou para a filha essa recordação da mãe. Em 1956, já morando nos Estados Unidos, Marguerite voltou à Bélgica para visitar as propriedades da família e coletar documentos para suas memórias. Os parentes lhe deram vários “santinhos” semelhantes – e são essas recordações de finados, os Souvenirs Pieux ou Lembranças Piedosas do título original, publicado na França em 1974, que conduzem a escritora na redescoberta de seus ancestrais.

Na verdade, Yourcenar não chora os mortos de sua galeria. Com sua prosa que contém simultaneamente a exatidão de um historiador e o lirismo de um poeta, ele prefere celebrar a vida que se espraia pelas gerações até abranger toda a família humana. Ela parte de documentos. Quando os dados faltam, porém, Yourcenar não hesita em inventar sempre baseada em fontes plausíveis. É o que acontece, por exemplo, na história de seus avós maternos, Arthur e Mathilde, que ela enriquece ao alinhavar a realidade comprovada com o que as pesquisas históricas estabeleceram como o cotidiano de um casal da alta burguesia no século XIX. Ela se detém, igualmente, a imaginar os sonhos juvenis de sua mãe. Associando a súbita degringolada das notas de Fernande na escola e os comentários de sua ama sobre o casamento da menina diante de uma nova colega, Yourcenar conclui, sem medo do escândalo: sua mãe, aos 15 anos, apaixonou-se pela estudante recém-chegada em sua classe.

SEGREDOS REVELADOS – A romancista não esconde, também, os podres da família. A começar pela do pai, que só será exaustivamente tratada no segundo volume da trilogia, publicado na França em 1977. Ela diz que a avó paterna, Noémi, desaprovou o casamento do filho com uma belga – uma nacionalidade inferior, pensavam os franceses da época. Além disso, do lado materno, ela conta que o bisavô tinha uma amante, que o tio-avô Gaston era retardado (um segredo absoluto na família) e que outro tio-avô, Octave Pirmez, escritor de algum renome na Bélgica, sonhava com um amor impossível e tinha uma estranha fixação no irmão mais novo. O capítulo sobre os irmãos Pirmez é um magnifico romance, insinuante e sensual, dentro do relato autobiográfico.

Marguerite Yourcenar nunca escolhe aleatoriamente os personagens e os fatos aos quais dá relevo. Na paixão do pai pelas viagens, na mãe sem vaidade e apegada aos livros, no bisavô que ama a vida no campo, no gosto de um parente pela poesia grega – em todos há traços que compôem a história pessoal da escritora, a ser detalhada no último volume da trilogia. Além dos parentes, também os castelos da família são personagens das memórias. Até os visitantes que, ao longo dos séculos, lá se hospedaram e que Yourcenar conheceu nos livros, como Pedro, o Grande, da Rússia, ou o revolucionário francês Saint-Just, comparecem como ancestrais da família espiritual da escritora. Marguerite Yourcenar costumava citar uma fórmula de alquimia para explicar por que sempre falava tão pouco de si mesma: “Eu, um em muitos outros”. Recordações de Família, um livro magnífico, obedece a essa fórmula, escondendo e revelando os segredos da escritora. É uma charada erudita, assim como Yourcenar, um nome inventado por Marguerite, é um anagrama que disfarça, letra por letra, o sobrenome verdadeiro herdado da família Crayencour.

(Fonte: Veja, 3 de abril de 1985 – Edição n° 865 – LIVROS/ Por Mirian Paglia Costa – Pág; 98)

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