A primeira musa erótica do cinema italiano do pós-guerra

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Nascido na Itália, em 1919, Dino De Laurentiis estudou interpretação no Centro Sperimentale di Cinematografia e chegou a trabalhar como ator (segundo algumas fontes, ele foi apenas extra) em algumas fitas; porém, logo desistiu da carreira e decidiu tornar-se produtor cinematográfico. E, em 1949, produziu o filme que possibilitaria o reconhecimento internacional e a popularização do Neo-Realismo Italiano: Arroz Amargo (Riso Amaro), que mostra a dura vida das mondine (mondadeiras de arroz).

Durante as filmagens de Arroz Amargo, De Laurentiis sentiu-se fortemente atraído por uma das atrizes principais da fita, Silvana Mangano (1930-1989), dona de uma beleza natural, quase selvagem. Os dois namoraram e, ainda em 1949, contraíram matrimônio.

Por volta de 1950, Dino De Laurentiis associou-se ao também produtor Carlo Ponti, fundando a Ponti-De Laurentiis, responsável pela produção de alguns filmes importantes: Anna (Anna, 1951), que consagraria definitivamente Silvana Mangano como a primeira musa erótica do cinema italiano do pós-guerra; Europa “51 (Europa “51, 1952), dirigida por um dos criadores do Neo-Realismo, Roberto Rossellini (1906-1977); A Loba (La Lupa, 1953); e, entre outros, A Estrada da Vida (La Strada, 1954), um dos filmes memoráveis de Federico Fellini (1920-1993).

Depois de terminar sua sociedade com Carlo Ponti, De Laurentiis produziu inúmeras fitas, dentre as quais merecem ser destacadas: As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, 1957), que teve direção de Fellini; Barrabás (Barabbas, 1961), baseada no romance homônimo do escritor sueco Pär Lagerkvist (1891-1974); A Bíblia (The Bible, 1966), um grande fracasso; e Barbarella.

No começo de 1970, Dino De Laurentiis vendeu seus estúdios (chamados de Dinocittà) para o governo italiano e mudou-se para Nova York. Queria conquistar a América, a terra do Cinema. E um dos primeiros filmes que produziu nos Estados Unidos foi Serpico (Serpico, 1973), dirigido pelo veterano Sidney Lumet e que conta a história real de Frank Serpico (Al Pacino), um policial honesto que denunciou a corrupção existente no departamento de polícia de Nova York.

O êxito de Serpico abriu as portas de Hollywood para Dino De Laurentiis, que, no início de 1975, se reuniu com o então presidente e diretor administrativo da Paramount, Barry Diller, para discutir novos projetos.

Diller estava procurando outro grande filme, que repetisse o sucesso de O Poderoso Chefão (The Godfather), produzido pela Paramount e lançado em 1972.

Durante a reunião, De Laurentiis recordou-se de um pôster que vira no quarto de sua filha Francesca – esse pôster reproduzia a mais famosa cena da fita King Kong (King Kong, 1933): a que mostra o gorila no alto do Empire State Building – e disse que sabia que filme deveriam realizar: a refilmagem de King Kong. Em seguida, falou que o novo Kong deveria ser totalmente diferente do gorila criado por Merian C. Cooper e Willis O”Brien. Então, explicou que o Kong original mais parecia um personagem de sonho, enquanto que o novo Kong teria de ser uma figura bem real, um animal dotado de características e sentimentos humanos.

Entusiasmado com a idéia, Diller aprovou-a de imediato. E, pouco tempo depois, a imprensa noticiou que Dino De Laurentiis e a Paramount haviam comprado da RKO os direitos de King Kong.

Imediatamente, a Universal, que também tinha planos de produzir uma nova versão da fita, iniciou uma ação judicial, pedindo 25 milhões de dólares de indenização – o estúdio alegava que a RKO havia quebrado o compromisso de ceder-lhes os direitos para a produção e distribuição do novo King Kong.

Enquanto corria o processo, De Laurentiis começou a procurar um roteirista para o filme. Lembrou-se de Lorenzo Semple Jr., que, junto com David Rayfiel, lhe havia escrito recentemente o roteiro de Três Dias do Condor (Three Days of the Condor, 1975). E, ato contínuo, telefonou para o escritório dele em Aspen, no Colorado.

Para ver a reação do roteirista, Dino De Laurentiis disse apenas o título da próxima fita que pretendia produzir: King Kong. Como a reação de Semple Jr. foi positiva, De Laurentiis pediu que ele fosse vê-lo em seu escritório em Los Angeles.

Durante esse encontro, realizado no dia seguinte, a primeira coisa que Semple Jr. quis saber foi se a fita seria, como o primeiro King Kong, ambientada na década de 1930. De Laurentiis respondeu que não, informando que o filme se passaria na época atual, meados dos anos 1970.

Depois, falou que o final seria igual ao do King Kong original: o gorila seria abatido do alto de algum arranha-céu de Nova York. E acrescentou que o amor da Fera pela Bela teria de ir muito além do que tinha sido mostrado no filme produzido por Merian C. Cooper. Então, começou a caminhar de um lado para o outro do escritório, fazendo os gestos de um macaco arrancando com extrema delicadeza as roupas de uma garota.

Lorenzo Semple Jr. retornou a Aspen e, algumas semanas mais tarde, remeteu para Dino De Laurentiis umas quarenta páginas, datilografadas em espaço duplo, com um esboço do roteiro. Essas quarenta páginas foram traduzidas para o Italiano – De Laurentiis sempre faz questão de que tudo o que lhe passa pelas mãos (roteiros, argumentos, sinopses etc.) esteja escrito em Italiano, pois tem o hábito de ler cada página com o máximo de atenção, detendo-se até mesmo nos mínimos detalhes.
Alguns dias depois de ter enviado o esboço do roteiro, Lorenzo Semple Jr. voltou ao escritório de Dino De Laurentiis.

Como ocorre nas reuniões entre roteiristas e produtores, Semple Jr. estava um pouco apreensivo. Temia que De Laurentiis tivesse feito várias modificações na história. Mas seu temor era infundado, já que o produtor gostara do esboço do roteiro e aprovara-o quase inteiramente.
Houve apenas três modificações importantes:

1.O personagem Jack Prescott (interpretado no filme por Jeff Bridges) era inicialmente um italiano excêntrico e cômico, adido à biblioteca do Vaticano. De Laurentiis rejeitou essa idéia e transformou-o num antropólogo, num professor universitário;

2.Joe Perko, o capataz dos perfuradores de petróleo, que tem uma pequena participação na fita, era originalmente um dos personagens principais da história. Era o par romântico da mocinha; e, para criá-lo, o roteirista baseou-se num artigo que lera numa revista (segundo esse artigo, as ligações entre homens truculentos e mulheres semi-intelectualizadas estavam na moda);

3.No início, a mocinha do filme era uma operadora de câmera que fazia parte da equipe que realizava comerciais para a Petrox; e, para interpretá-la, Semple Jr. pensou em Candice Bergen. Mas De Laurentiis transformou-a numa aspirante à atriz, que é encontrada à deriva num bote inflável; e Candice Bergen logo foi descartada para o papel, que acabou sendo dado a Jessica Lange (foi sua estréia no Cinema).

Feitas essas alterações, a história do novo King Kong estava pronta. E essa história mostra um homem ambicioso (interpretado na fita por Charles Grodin), que não hesita em pôr em risco a vida de quem quer que seja, desde que tenha êxito a prospecção de um lençol petrolífero existente numa ilha localizada no sul do Oceano Pacífico.

Definida a história e com o roteiro em andamento, faltava agora encontrar um diretor. A princípio, De Laurentiis pensou em Roman Polanski, que havia dirigido para a Paramount Chinatown (Chinatown, 1974), estrelado por Jack Nicholson e Faye Dunaway. Chegou, inclusive, a contatá-lo e explicar-lhe o filme que pretendia realizar.

Ao saber que Kong seria a estrela da fita, Polanski disse que não poderia dirigi-la, uma vez que não saberia o que fazer com um gorila imenso. Falou ainda que “sua loucura não chegara a tanto”.
De Laurentiis procurou, então, John Guillermin, que já trabalhava para ele, preparando uma nova versão do clássico O Furacão (Hurricane, 1937), de John Ford (1895-1973).

Tão logo se inteirou do que De Laurentiis pretendia, Guillermin falou que aceitaria dirigir a fita, desde que Kong tivesse uma cabeça de tamanho natural e uma mão mecânica que pudesse pegar a garota, coisas essas que faltaram no filme de Merian C. Cooper. De Laurentiis concordou com o pedido. E o projeto Hurricane foi deixado de lado, e John Guillermin passou a dedicar-se em tempo integral à refilmagem de King Kong.

Nesse meio tempo, Lorenzo Semple Jr. terminou de escrever o primeiro tratamento do roteiro e remeteu-o para Dino De Laurentiis.
O produtor achou-o extenso demais para um filme de Aventura, que requer muita ação e poucos diálogos, e ordenou que suas 140 páginas fossem condensadas em, no máximo, noventa.

Como condensar não é simplesmente cortar, John Guillermin ficou preocupado e prontificou-se em auxiliar Semple Jr. nesse duro e ingrato trabalho.
O roteirista acalmou-o, falando que faria o que estava sendo pedido e que estaria de volta “num piscar de olhos, com um script formidável que faria todos pularem de alegria”.
Disse isso e partiu para Aspen.

Durante dias, Lorenzo Semple Jr. trabalhou intensamente e ficou satisfeito com as 92 páginas que resultaram no segundo tratamento do roteiro. E, quando as enviou para o escritório de Dino De Laurentiis, tinha certeza de que receberia os maiores elogios pelo trabalho. Mas não foi bem isso que aconteceu. O segundo tratamento foi repudiado. Guillermin disse que “tudo o que distinguia o esboço e o primeiro tratamento tinha desaparecido”. De Laurentiis foi mais contundente e falou que Semple Jr. não seria capaz de escrever um “lixo” daqueles, que possivelmente fora escrito por outro roteirista.

Lorenzo Semple Jr. acabou aceitando, então, a oferta que John Guillermin lhe fizera; e trabalharam juntos no roteiro. Muita coisa foi cortada, muita coisa foi reescrita, muita coisa foi acrescentada. E, enfim, o roteiro definitivo da nova versão de King Kong estava pronto.
Enquanto isso, a questão judicial envolvendo King Kong chegava ao final; e Dino De Laurentiis podia produzir o filme, que nada mais é do que uma nova interpretação da história da Bela e da Fera.

(Fonte: http://www.cineclubecauim.org/jornal/NUMERO%202/cursoaventura)

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