Criei 1ª papelaria para representar crianças negras no material escolar
“Tenho 35 anos e sou professora formada há mais de 13, concursada na rede pública de ensino. Além de ministrar palestras e workshops, tenho iniciativas do terceiro setor e privadas. Desde 2018, tenho me aperfeiçoado na formação de mulheres para o mundo dos negócios, especificamente as mulheres negras, afroempreendedoras e moradoras de regiões periféricas.
Sonhava em ser professora e, quando assumi uma sala de aula, com 16 anos, era como se estivesse cumprindo uma missão. O que eu não gostava era da realidade da educação brasileira, que tem várias lacunas e precariedades. Principalmente a de africanidade e diversidade, que não são assuntos muito tocados nas salas de aula, e é uma questão que sempre estudei bastante.
Em 2018, quando fui comprar os materiais da lista da escola do meu filho, não achei nenhuma capa com o personagem Pantera Negra, filme lançado naquele ano com recordes de bilheteria. Encontrei no ano seguinte, mas somente com ele, não com os outros personagens, incluindo as femininas. Para as minhas filhas, que têm o cabelo crespo, gostam de usar tranças, têm a pele escura, piorou. Tinha que comprar o caderno e personalizar em casa. As gráficas, a mídia, a sociedade nos torna invisíveis, nos quer invisíveis. Isso impacta diretamente na nossa autoestima, identidade, e recai na autoafirmação, perpetuando o mito da igualdade racial no país.
Isso ocorre em todo e qualquer setor da sociedade. Era como se todas as crianças, adolescentes e jovens tivessem o mesmo gosto por bonecas, princesas ou personagens loiras, morenas ou ruivas, com pele clara, cabelo longo e sempre com a mesma textura lisa. Para os meninos, o perfil contemplava sempre os mesmos personagens que estavam em alta nos desenhos da TV, que não incluíam os negros.
Não tive caso de racismo expressivo. Meus pais, sempre me conscientizaram do meu papel na sociedade, e foi um fator decisivo para que eu tivesse a minha identidade reforçada, não para que eu sofresse violência.
Esse foi um dos motivos que me fizeram abrir a Afra Designer, em 2018, com a proposta de levar representatividade e diversidade étnica nos mercados de moda e papelaria, imprimido um pouco da minha personalidade, colocando tecido africano, diversidade de culturas, contexto africano e de estamparia nos produtos.
A minha inspiração veio do meu consumo de outros afroempreendedores. A Feira Preta foi uma grande referência, e é onde eu gostaria de estar com o meu negócio. Lá, eu tive o prazer de iniciar as minhas vendas e fazer a primeira coleção. Também estudo o comportamento de ícones de sucesso para absorver aprendizagens como Michele Obama, Viola Davis, Ophra Winfrey entre outras.
No primeiro ano da empresa, começamos a entender o setor, a nos consolidar no mercado, mas em seguida chegou a pandemia, e tivemos que nos reinventar. Mas conseguimos grandes resultados em 2020. Nosso faturamento atingiu a casa dos seis dígitos, então, para uma empresa que está se consolidando no mercado, isso foi muito bom. Espero que, ainda neste ano, possamos atingir o objetivo de ter um grande investidor.
A maior dificuldade que enfrento são as leis fiscais do país, que fazem com que a gente se desdobre em todas as funções possíveis. Na Afra, conto com uma equipe de profissionais que trabalham como prestadores de serviço. Digo que faço uma gestão de pessoas descentralizada, porque coordeno meu marketing, meu operacional, minha parte gráfica, costura, design e criação, logística, contabilidade de maneira remota. Essa minha realidade não é a de muitos pequenos e afroempreendedores. A maioria não conta com familiares para ajudar com operações básicas do negócio. Isso impede profissionalizar processos e leva a uma estafa profissional muito grande.
Um dos momentos mais complicados que vivi foi a transição de carreira. Eu precisava me qualificar, adquirir conhecimento, então fui buscar cursos, pessoas que eram referências dentro do setor, cursos de mentoria. Além da minha formação acadêmica em Pedagogia, pós-graduação em Filosofia para o Ensino Médio pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) e também em Gestão Escolar pela UNCSUL (Universidade Cruzeiro do Sul), cursei Especialização na USP (Universidade de São Paulo) em História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
Outra dificuldade pontual foram os problemas de saúde. Estava em um processo de tratamento de depressão, ansiedade, estresse, síndrome do pânico e precisava me reerguer. Digamos que abrir a empresa foi um processo de cura.
(Fonte: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/06/14 – UNIVERSA / NOTÍCIAS / MINHA HISTÓRIA / por Ana Cláudia Silva, em depoimento a Priscila Gorzoni / Colaboração para Universa – 14/06/2021)