A PRIMEIRA VEZ QUE UM CAMPEÃO MUNDIAL DE XADREZ PERDE PARA A MÁQUINA
Em 1989, ao derrotar duas vezes o supercomputador Deep Thought Pensamento Profundo -, (desenvolvido pelos cientistas da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos) o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov pronunciou duas frase célebres no mundo dos enxadristas. Eu o venci para proteger a raça humana, proclamou. Não posso imaginar uma vida em que o conhecimento do computador seja mais poderoso.
A prevalecer o enunciado do campeão, desde a semana passada a raça humana está desprotegida. Na quarta-feira, Kasparov foi derrotado pelo computador. Pior: não perdeu para uma máquina como o Deep Thought, capaz de analisar 720 000 lances por segundo, mas para outra engenhoca, bem mais limitada. A derrota foi humilhante. Kasparov jogou com as peças brancas, o que lhe garantia a iniciativa na partida. Seu adversário foi um microcomputador Pentium com o programa Genius 2, que calcula reles 100 000 arranjos de peças de xadrez por segundo e é vendido por módicos 200 dólares em qualquer loja de informática. No sexagésimo lance, ao perceber que levaria um xeque-mate, o campeão desistiu.
A derrota de Kasparov para um chip de silício ocorreu na Inglaterra, durante o Grande Prêmio de Londres, e pegou de surpresa o mundo do xadrez. Mais surpreso ainda ficou o próprio campeão. Ele chegou com ares de vencedor ao local da partida, na qual o enxadrista inglês Raymond Keene moveu as pedras obedecendo às ordens do computador. Genius 2, um programa desenvolvido pelo cientista Richard Lang, da Universidade de Cambridge, levou menos de 50 minutos para botar o campeão na lona. Depois da derrota, Kasparov ainda tentou uma revanche. Não conseguiu ir além do empate na segunda partida.
O resultado é um marco na história do xadrez e da informática. Foi a primeira vez que um campeão mundial perdeu para a máquina. A queda-de-braço entre homem e computador no xadrez, um jogo que combina estratégia e raciocínio lógico, serve para delimitar a fronteira entre as virtudes e os defeitos de cada um. O computador tem a vantagem de fazer em segundos milhares de projeções e operações matemáticas que um ser humano, por mais inteligente que seja, levaria semanas ou meses para completar. Em compensação, a máquina é desprovida de uma virtude também importante no xadrez – a capacidade de improvisar e surpreender o adversário com uma estratégia inteiramente nova. Além disso o computador é programado para concluir lances rapidamente, enquanto o homem é dotado de paciência para analisar calmamente o caminho a seguir.
Kasparov jogou várias vezes contra vários tipos de computador. Depois de uma dessas vitórias pronunciou outra frase famosa: Um computador não pinta como Velásquez, não compõe como Beethoven e não joga xadrez como Kasparov.
(Fonte: Veja, 7 de setembro de 1994 Ano 27 N° 36 ESPORTE – Edição 1356 Pág; 85)