Adalcinda Camarão (Muaná, Ilha de Marajó, 18 de julho de 1914 Belém, 17 de janeiro de 2005), escritora e poetiza
A Poetisa nascida na Flor do Marajó ganhou o mundo, é membro eterno da Academia Paraense de Letras, e morou por mais de 40 anos nos Estados Unidos, fazendo diversos trabalhos, desde professora de língua portuguesa para estrangeiros, até funcionária da embaixada brasileira em Washington.
Sua data de nascimento ela nunca se preocupou em revelar, porém é muito provável que tenha sido no mês de julho, e por isso o blog fará essa humilde homenagem a esta que foi e é uma das maiores personalidade do Marajó.
Certamente a poesia é o feminino que encontra no masculino do poema um casamento perfeito. União fértil da qual o lirismo é sempre o fruto maior. Quando o traço da poesia fecunda o espírito de uma mulher o resultado quase inevitável é a própria tradução de encanto. E tudo isso pode ser provado com o legado de Adalcinda.
Foi num reino todo singular que essa dama das letras nasceu. No reino absolutamente verde e misterioso da ilha das ilhas: o Marajó. Uma serena e acolhedora Muaná fez-se seu berço. A data? Ela nunca viu necessidade de revelar. Dizia apenas que tinha sido num mês de julho. Numa época outra. Num tempo bem mais melódico. Adalcinda Magno Camarão Luxardo foi uma das filhas do meio de João Evangelista de Carvalho Camarão e Camila de Brito Magno Camarão. “Minha mãe era uma mulherzinha tão bonita”, ela suspirava ao falar. E fazia questão de garantir: “Meu pai também era um homem muito interessante”. Uma família grande: treze irmãos. Por parte materna, o orgulho de descender da célebre figura de Santa Helena Magno. O versificar parecia já vir como um fator de herança sanguínea.
VERSOS RASGADOS
O repertório de imagens ribeirinhas oferecido por Muaná e seus entornos se instalariam nas íris de Adalcinda e não demorariam a despertar a vontade de escrever. O que começaria a se materializar a partir de seus dez anos de idade. Vocação que a família, de início, não veria com bons olhos. Com um riso fugaz nos lábios, a autora chegou a revelar: “Rasgavam todos os meus escritos. Meu irmão mais velho dizia que não queria uma mulher intelectual em casa”.
Veio o tempo de frequentar o curso ginasial. Adalcinda e seus pais se mudaram para Belém. Como rezava a boa tradição da época, ela começou a cursar o grupo escolar com um objetivo já definido: tornar-se professora. Aquela era, por excelência, a profissão que as meninas bem encaminhadas deviam seguir. Décadas mais tarde, todavia, ela admitiria: “Meus pais me queriam professora e assim aconteceu: eu me fiz professora. Um título apenas”.
FERTILIZAÇÃO
A faceta de poetisa começaria a ser fertilizada numa época em que a arte brasileira vivia os sopros do novo, mergulhava numa profunda reverência ao valor nacional. Ventos trazidos pela revolução estilística iniciada na semana de 1922, em São Paulo. Era o período da ebulição do modernismo. Os versos de Adalcinda, de algum modo, banharam-se nesse apelo. Floresce em suas aptidões um versificar em sintonia com esses novos ares. Um tom poético liberto do preciosismo do passado, mas fiel à melodia da palavra. Um modo sereno e, ao mesmo tempo, pungente de criar estrofes.
Em Belém, era efusivo o cenário literário. Adalcinda é um dos pioneiros toques femininos nos ciclos da intelectualidade local. A geração atuante a qual pertenceu, fez surgir na cidade uma considerável quantidade de revistas literárias. Foi justamente na redação de uma destas publicações, a célebre “A Semana” que, aos dezesseis anos, conheceu o cineasta Líbero Luxardo. “Um encontro casual. Eu costumava freqüentar a redação, cantava nas rodinhas de violão que eles faziam. Naquele dia, eu tinha ido buscar um magazine e nos encontramos”. A escritora e o homem das telas se casaram e tiveram um filho: Tom. “Além de seu conhecido encantamento pelo cinema, Líbero também gostava muito de escrever. Aliás, ele tinha uma facilidade imensa para criar textos. Mal acabava de passear por um tema, já estava debruçado sobre outro”.
ACADEMIA
Em 1949, um fato marcante na trajetória da poeta. A despeito da pouca idade, Adalcinda é eleita para ocupar a cadeira de número 17 da Academia Paraense de Letras. Posto cujo pioneiro ocupante fora Felipe Patroni. Um feito notável. Sobretudo, pelo fato de que após a também paraense Guilly Furtado Adalcinda era uma das primeiras mulheres a preencher vaga em academias literárias no Brasil. Ela chegou a anteceder Raquel de Queiroz, a primeira na Academia Brasileira. Sua posse ocorreu no dia 25 de janeiro de 1950. “Eu me recordo que estava muito nervosa. Achava que não ia conseguir fazer o discurso. Cheguei a pensar em não comparecer a cerimônia. Mas o Líbero, com toda sua calma, disse que eu não me preocupasse, que eu apenas fosse até lá e deixasse tudo transcorrer naturalmente.
Adalcinda acabaria fazendo com que seus ditos cruzassem várias trincheiras. Escreveu para rádio, teatro e para diversos jornais. Na década de 50, mudou-se para os Estados Unidos por conta de uma bolsa de estudos. No ano de 1960, instalou na Georgetown University o Departamento de Português, no qual lecionou Literatura do Brasil e de Portugal.
A última estrofe do viver de Adalcinda foi escrita em 17 de janeiro de 2005. Um adeus de quem fica. Como é comum acontecer aos eternos. As grandes poetas são, de fato, mulheres sem tempo certo no tempo. Mesmo que o tempo de hoje lhes traga desagrado. Antes de se tornar letra no horizonte, ela desabafou: “Não gosto desses arranha-céus no centro da cidade”. Que doce contradição: hoje é a alma dessa rara paraense que arranha todos os céus. Quando o eterno encontra os dedos de uma dama, a única motivação que a escrita recebe é a de executar o belo. E é justamente por tudo isso que a melhor palavra para encerrar qualquer dito sobre Adalcinda Camarão é… beleza.
“Quando se nasce para ser eterno Morrer é uma especulação” (Adalcinda Camarão)
(Fonte: Amazônia Jornal – 16 de julho de 2013)