Aiatolá Ruhollah Khomeini, chefe supremo, ditador e pai espiritual de iranianos e dos xiitas

0
Powered by Rock Convert

Aiatolá Ruhollah Khomeini (Khomein, Markazi, 24 de setembro de 1902 – Teerã, 3 de junho de 1989), chefe supremo, ditador e pai espiritual dos 60 milhões de iranianos e dos xiitas de todo o mundo. Homem venerado há décadas com fanatismo crescente por seus seguidores. Numa explosão de fanatismo e histeria, os iranianos se despedem de Khomeini e cultuam o seu legado de ódio e intolerância. “Que o sol brilhe amanhã, que a noite nunca se acabe para nós”, gritavam os desconsolados iranianos, que em seu transtorno transformaram o luto em pandemônio generalizado. Cenas dramáticas, quase grotescas, marcaram as cerimônias fúnebres do aiatolá Khomeini.

SANTO DITADOR – Khomeini foi enterrado da mesma maneira como viveu, cercado por cenas que sintetizam tudo o que deixa atônito o Ocidente diante do enigma do Irã – o frenesi místico de massas arrebatadas, a idolatria religiosa levada às últimas consequências, a veneração cega ao homem que implantou uma ditadura teocrática. Sempre em nome de “Alá, o clemente e misericordioso”, sempre à luz de sua interpretação pessoal e indiscutível do Corão, o livro sagrado do islamismo, Khomeini lançou o Irã nas trevas da intolerância e condenou-o ao isolamento internacional, persistiu por oito anos numa guerra cruel, e economicamente devastadora, e levou à morte milhares de adversários políticos e religiosos. Para seu sucessor, o aiatolá Ali Khamenei, ele deixou como herança um governo dividido e pressionado por multidões miseráveis e fanatizadas – os “deserdados de Teerã”, como eram chamados pelo imã. Era considerado um santo, um ídolo, um salvador.

Multidões semelhantes em número e devoção, marcharam sobre Teerã no dia 1.° de fevereiro de 1979 para receber em triunfo o aiatolá Khomeini, que retornava de quinze anos de exílio como o líder absoluto de um movimento de massas que duas semanas antes escorraçara o xá Reza Pahlevi e enterrara a monarquia inaugurada em 1925 por seu pai, o ex-sargento Reza Khan. Corroído pela corrupção e odiado pelo autoritarismo, o regime sucumbia a uma onda crescente de manifestações por Khomeini, desde outubro de 1978, do subúrbio parisiense de Neauphle-le-Château. O aiatolá declarava desde aqueles dias sua “guerra santa” contra tudo o que simbolizasse o “Ocidente corrompido” e elegia como alvo privilegiado os Estados Unidos, que armaram e financiaram o xá até o início de 1979, quando o presidente Jimmy Carter rompeu a aliança, denunciando a brutal repressão do Exército iraniano. Ainda assim, o aiatolá conquistou a simpatia de esquerdistas, encantados com seu discurso “antiimperialista”, dentro e fora do Irã. Durou pouco o encantamento.

SOMBRA DO ÓDIO – Proclamada a República Islâmica, o novo regime projetou sobre o Irã a sombra do ódio, da intolerância e do obscurantismo personificada na figura onipresente de Khomeini. Jovens miseráveis dos subúrbios de Teerã foram recrutados em massa para tornar-se os “guardiões da revolução”, um corpo paramilitar cegamente obediente ao imã. Em movimentos sucessivos, eles varreram do cenário político os setores laicos, começando por liberais como Mehdi Bazargan, chefe do primeiro governo provisório, e Abol-Hassan Bani Sadr, primeiro presidente da República Islâmica – ambos refugiados em Paris. Depois seria a vez da esquerda, e em pouco tempo o poder concentrou-se nas mãos do Conselho dos Sábios, composto por 83 religiosos xiitas e controlado totalmente por Khomeini.

Dos adversários políticos, a intolerância religiosa, fator de sobrevivência da teocracia, transferiu-se para setores da sociedade cujo comportamento não se enquadrasse nos rígidos padrões impostos pelo imã à luz de sua interpretação das leis sagradas. Ladrões tiveram suas mãos cortadas. Homossexuais, prostitutas e traficantes foram sumariamente condenados e enforcados coletivamente em espetáculos públicos. Por motivos políticos ou religiosos, 10 000 pessoas foram executadas nos seus dez anos de reinado.

GUERRA SANTA – Elevados à categoria de símbolo da decadência ocidental, batizados como o “Grande Satã”, os Estados Unidos foram alvo de um ódio fanático desde os primeiros dias da República Islâmica. O espetáculo diário de soldados e guardas revolucionários pisoteando a bandeira americana, aos gritos de “morte ao Grande Satã”, explodiu em novembro de 1979, na ocupação da Embaixada dos Estados Unidos em Teerã. Durante 444 dias, os delirantes seguidores do aiatolá mantiveram 52 americanos como reféns. Adicionalmente, arrasaram o já abalado prestígio do presidente Jimmy Carter, que acabaria perdendo para Ronald Reagan as eleições de 1980 e, numa última humilhação, daria posse ao sucessor no mesmo dia em que os reféns eram finalmente libertados, em janeiro de 1981. Seis anos depois, Reagan engoliria a sua cota de desprestígio servida pelo aiatolá, na esteira do escândalo Irã-contras, detonado pela revelação de que os Estados Unidos haviam vendido armas, em segredo, a seus arquiinimigos, na fútil esperança de conseguir a libertação dos sequestrados americanos em mãos de xiitas libaneses.

Foi igualmente em nome do Islã, e sob o lema mágico da “guerra santa”, que Khomeini enviou milhares de iranianos às frentes de combate em oito anos de guerra contra o Iraque. Iniciada pela antiga disputa em torno do Chatt-el-Arab, um canal fronteiriço, a guerra transformou-se para o imã numa missão de fé : derrubar o “infiel” Sadam Hussein, presidente do Iraque, que expulsara Khomeini em 1978 do reduto xiita de Najaf, primeira escala de seu exílio. A guerra do Golfo Pérsico matou 300 000 iraquianos e 900 000 iranianos, entre eles civis trucidados por mísseis e armas químicas do Iraque e meninos-soldados enviados pelo imã ao “martírio”, para “glória de Alá”. Em agosto de 1988, diante do impasse militar e do esgotamento econômico, Khomeini aceitou um cessar-fogo. “Tomar esta decisão foi, para mim, como beber do veneno mais amargo”, resignou-se.

CÚPULA DIVIDIDA – Indiferente à quarentena internacional a que condenou o Irã com a sua intolerância, Khomeini expediu em fevereiro de 1989 a sua última sentença de morte, que não teve tempo de ver executada. Indignado com o livro Os Versos Satânicos, o aiatolá condenou à morte o seu autor, o escritor anglo-indiano Salman Rushdie. “É dever de todo muçulmano fazer o possível para mandá-lo ao inferno”, conclamou. Com esta decisão, Khomeini conswguiu infernizar a sua própria sucessão. Depois de manifestar uma sombra de oposição ao líder supremo, o aiatolá Hussein Ali Montazeri perdeu em março de 1989 a condição de herdeiro designado.

Menos de 24 horas depois da morte de Khomeini, o Conselho dos Sábios elegeu, no dia 4 de junho, um novo sucessor, o presidente Ali Khamenei, que na falta de classificação melhor é rotulado, com todas as ressalvas que o caso iraniano exige, de moderado. Juntamente com a indicação do presidente do Parlamento, Hashemi Rafsanjani, para assumir a chefia de Estado. Mas a herança de fanatismo cego legada por Khomeini projetou sobre o Irã a mesma sombra de obscurantismo que envolveu esse país nos últimos dez anos. Enquanto Rafsanjani ensaiava um tímido gesto de abertura ao Ocidente, as multidões continuavam a entoar nas ruas de Teerã os gritos de “morte à América” e “morte ao Grande Satã”.

No ritmo marcado pelos alto-falantes, uma multidão incalculável pula, grita e chora convulsivamente, num impressionante ritual de autoflagelação. Uma sombra escura cobre toda a área em torno da esplanada de orações de Mossala, em Teerã: são mais de 2 milhões de pessoas vestidas de negro, numa das maiores e mais tumultuadas manifestações de toda a História. O corpo do imã deixou a esplanada de Mossala em direção ao cemitério de Behesht-e-Zahra, num subúrbio de Teerã, onde estão enterrados os mártires da revolução islâmica.

(Fonte: Veja, 14 de junho, 1989 – Edição n° 1083 – IRà – Pág; 70/73)

Powered by Rock Convert
Share.