Um dos pioneiros da arte abstrata
Magnelli: desbravador
Alberto Magnelli (Florença, 1º de julho de 1888 – Meudon, 21 de abril de 1971), pintor italiano, um dos pioneiros da arte abstrata, que foi amigo de Boccioni, Marinetti e Papini na Itália, e de Apollinaire, Maz Jacob e Léger na França.
Construtivista italiano, um dos mestres da arte moderna, recebeu influências de diversas escolas, como o Renascentismo, o Cubismo e o Futurismo, até chegar às linhas abstratas que o apontam com um dos artistas mais importantes do mundo. Suas pinturas, de 1912 a 1969 representam bem a versatilidade de Magnelli.
Há uma enorme diversidade de cores nos quadros, pinturas muito coloridas, cheias de vida e outras em tons de bege, preto e cinza, com sombras que nos sugerem profundezas impenetráveis. O pintor, contemporâneo de Picasso, Léger e Matisse é famoso pela série Pedras Explodindo.
Além disso, percebe-se também estilos diferentes em suas obras, alguns desenhos como barquinhos e naturezas mortas contrastam com os de traços absolutamente abstratos e com outros nem tão abstratos assim.
De todas as fases de Magnelli, pintou ao longo de sessenta anos, de 1910 a 1969, abrangendo praticamente todas as suas fases – o que equivale a um diário de bordo da nau que revolucionou a pintura no século XX, as mais curiosas são as da segunda década do século, período que marca a explosão da emocionante aventura da arte moderna.
Elas revelam um Magnelli ainda preocupado com os mestres de Florença, cidade onde nasceu, em julho de 1888, seguindo a cartilha elaborada por gênios florentinos como Giotto, Paolo Ucello e Masaccio. Ao mesmo tempo, já é possível entrever um olho atento na modernidade desenhada por Van Gogh e Matisse.
A revolução abstrata iniciada na virada do século XX foi um dos períodos mais eletrizantes da história das artes. Há duas maneiras de tomar contato com as aventuras desses intrépidos desbravadores da pintura e da escultura que delinearam o esboço de quase toda a arte que se faria depois.
Uma é refazer o percurso das grandes vedetes do movimento, tendo como guias estrelas do porte de Picasso, Kandinsky ou Braque. Outra é seguir a pista de artistas ofuscados pelo brilho desses gigantes, mas cuja obra, também excepcional, reflete de maneira precisa as agruras da estrada que levou a arte figurativa ao terreno às vezes inóspito mas cheio de surpresas da arte abstrata.
Enfim, o jovem típico da virada do século, com um pé fincado na tradição e outro caminhando em direção à modernidade, e a cabeça convulsionada pela reviravolta irreversível nas artes. Tudo cheirava a novidade. O homem novo nascido do triunfo da revolução industrial que, munido do automóvel, encurtava distâncias e modificava sua noção do tempo, aprimorava seus desejos e queria se relacionar com o mundo de forma diferente.
BANDEIRA ABSTRATA – Esse clima febril elevava a temperatura do mundo da arte aos limites máximos. Os pintores e escultores do início do século XX começavam a conhecer a concorrência e se mobilizavam em busca do reconhecimento. A palavra da moda na Itália era “futurismo”, nome de um movimento encabeçado por Marinetti que celebrava, na pintura e na literatura, a mecanização da nova sociedade. Magnelli se aproximou do grupo, mas achou que sua praia era outra.
Ele sonhava conhecer Paris, onde o cubismo de Braque e Picasso dominava e se projetava em escala mundial. Em 1914, tomou um trem e foi até a meca da pintura moderna, onde conheceu Picasso, Léger e Apollinaire. Seu trabalho, a partir daí, mudou radicalmente. As pinturas assinadas entre 1913 e 1915 parecem feitas por mais de um pintor, tal a quantidade de temas e procedimentos formais. Colocadas lado a lado, as telas Os Noivos e Virgínia – para citar dois exemplos -, ambas de 1914, evidenciam um Magnelli hesitando em deixar definitivamente o figurativo e assumir o abstracionismo.
De volta à Itália, Magnelli pintou as primeiras telas nas quais os objetos abandonam qualquer elemento anedótico ou descritivo. Nesse momento, plantou sua bandeira no terreno da arte abstrata. Não parou por aí. Com o fim da I Guerra Mundial, sua pintura acompanhou a euforia geral, comparável, às últimas telas vanguardistas do alemão Salomé depois da queda do Muro de Berlim.
Cores variadas e berrantes deflagraram a série Explosão Lírica, da qual se podem conferir vários exemplares em museus pelo mundo afora – numa euforia mais instintiva do que racional, já que ele nunca superou a força e a obsessão pela organização do espaço. No final da década de 20, devido à crise mundial, falta de dinheiro e problemas de saúde, Magnelli parou temporariamente de pintar.
Só voltou ao cavalete em 1933, durante uma viagem a Carrara, o santuário dos mármores mais famosos do mundo. Um amontoado de blocos de pedra que formavam uma construção geométrica inspirou uma série de pinturas da fase “pedras”. Com esse retrato de rochas, Magnelli expôs pela primeira vez em Paris, na galeria Pierre. Florença, uma cidade historicamente anti-moderna, começava a ficar pequena demais para ele.
Cansado desse academicismo, o artista se transferiu para Paris, onde novas aventuras o aguardavam. Era uma época que não estava para brincadeiras. Durante o período entre as duas guerras, a arte se movimentou sob um regime de forças.
Na Itália, uma produção oficial se impôs para servir ao Estado, e poucos artistas – Magnelli foi um deles – conseguiram escapar das malhas do fascismo. O abstracionismo, carro-chefe da arte moderna, era execrado por dois dos mais drásticos críticos de arte de todos os tempos: Stálin, o patrono do realismo socialista na União Soviética, e Hitler, um pintor de terceira categoria, que se irritava com os “borrões” do modernismo, rotulado de “decadente e degenerado”, na Alemanha nazista.
Com a eclosão da II Guerra Mundial, Magnelli e Susi, assustados com o clima de terror que tomava conta do mundo, se refugiaram na França, na cidadezinha de Grasse, junto com os pintores Jean e Sophie Arp e Sonia Delaunay. Como personagens de um filme sobre a Resistência, eles passaram a viver o mais discretamente possível, mas sem nunca deixar de fazer arte abstrata.
Nesse período, formavam o chamado Grupo de Grasse, que produziu uma das séries mais curiosas da arte contemporânea, pinturas executadas a oito mãos – uma espécie de jam session nas artes visuais. Não havia dinheiro para nada. Nessa época, o irmão Aldo enviava de São Paulo roupas, dinheiro e até alimentos para eles.
No Brasil, país no qual ele sempre se recusou a expor, pois não pisava em lugares que vivessem sob regime ditatorial, por se tratar de um país de florestas tropicais, onde de vez em quando os museus e seus acervos viram churrasco, como aconteceu com o MAM do Rio de Janeiro em 1978. Não acreditava que as obras estariam seguras e ainda alegava a precariedade da alfândega e a situação econômica do país.
Com seu raio de ação drasticamente limitado em solo pátrio, ele recusou convites durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, e depois da instalação do governo militar de 1964. Mesmo longe daqui, no entanto, Magnelli seguia os fluxos e refluxos da arte brasileira através de uma correspondência constante com o irmão, Aldo, que vivia em São Paulo. Ele chegou até a ter uma participação decisiva na fundação do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Apresentado por Aldo a Ciccilo Matarazzo ciceroneou o empresário paulista pelos ateliês da margem esquerda do Rio Sena, em Paris, onde os papas da arte moderna criavam suas obras. Graças a essa ajuda, o MAM apresentou, em 1949, a mostra Figuração e Abstração, que trazia telas de Kandinsky, Léger e Arp.
Os tempos de dureza começaram a ficar para trás com o fim da II Guerra Mundial, e a estrela de Magnelli voltou a refulgir com brilho cada vez mais intenso. Em 1947, foi considerado o artista abstrato mais importante de Paris e aclamado como discípulo genial de Kandinsky – classificação que o deixou irado, pois Magnelli não admitia pertencer a nenhum movimento, nem tampouco ser considerado epígono de ninguém.
História pitoresca – Certo dia, em Paris, sem um tostão no bolso, Magnelli saiu de casa com uma tela debaixo do braço disposto a vendê-la. Voltou com um volumoso pacote. Susi, sua esposa, com a geladeira vazia e cheia de esperanças, perguntou: “Você comprou um presunto inteiro?” Desiludida, viu Magnelli desembrulhar uma pequena escultura de seu contemporâneo francês Henri Laurens – oferta que ele não poderia deixar escapar.
Magnelli morreu deixando uma obra que, se não foi suficiente para dar-lhe o status de um Miró ou um Kandinsky, valeu-lhe o posto de digno representante de uma época em que a arte era como uma mata densa e inexplorada e exigia talento, coragem e criatividade de quem se dispusesse a atravessá-la. Como se pode comprovar pelas suas obras, ele tinha essas três qualidades em doses suficientes para colocá-lo entre os bons artistas do século XX.
Alberto Magnelli nunca esteve no Brasil, mas seu sobrenome está ligado à indústria brasileira. Seu irmão, Aldo, era um engenheiro e designer de prestígio na Itália, autor do projeto da primeira máquina de escrever portátil Olivetti, a MP1. Em 1937, ele deixou seu país fugindo do fascismo e se estabeleceu em São Paulo, como funcionário da empresa italiana. Durante a II Guerra Mundial, o Brasil não podia importar peças, e a Olivetti fechou temporariamente suas portas. Aldo decidiu abrir seu próprio negócio – a indústria de móveis de aço Securit.
Magnelli faleceu dia 21 de abril de 1971, aos 82 anos, de uma síncope, em Meudon, perto de Paris.
(Fonte: Veja, 28 de abril de 1971 - Edição 138 - DATAS - Pág; 72)
(Fonte: Veja, 7 de novembro de 1990 – ANO 23 – Nº 44 – Edição 1155 – ARTE – Pág: 118/120)