Alberto Moravia, escritor italiano. Em 1948, em Roma, um editor teve a ideia de organizar um encontro histórico. Queria reunir o escritor americano Ernest Hemingway com seu colega italiano Alberto Moravia. Eles haviam publicado em 1929 suas obras mais importantes (Adeus às Armas, do americano, e Os Indiferentes, do italiano), não se conheciam pessoalmente e a chegada de Hemingway à Itália era um ótimo motivo para que os dois almoçassem juntos. Foi um desastre. O tempo que passaram à mesma mesa numa trattoria de Trastevere foi suficiente para que os dois se odiassem. “Esse Moravia não tem alma”, disse Hemingway, bêbado. “Mas esse Hemingway é um palhaço”, comentou Moravia, abstêmio devido a eternos problemas de digestão. Quem sabe, os dois tivessem um pouco de razão. A frieza e o cinismo de Moravia foram amplamente lembrados na semana passada, quando o escritor, na manhã de quarta-feira, 26 de setembro de 1990, morreu sozinho em seu apartamento, no chão do banheiro, em decorrência de uma embolia cerebral. Tinha 82 anos e, para quem sustentava que a morte não existe, mas é apenas uma transformação de certas formas de vida, caiu como uma luva a descrição feita pelo médico: Moravia tinha no rosto como que uma expressão de surpresa.
O autor de 55 livros, entre romances, contos, relatos de viagem e ensaios – nem todos traduzidos para o português -, foi pouco amado pela crítica italiana. Era um escritor diferentes de todos os outros de sua geração. Se o seu primeiro livro foi considerado um clássico – na linha existencialista que mais tarde na França teve em Jean-Paul Sartre um profundo continuador -, os outros pareciam pertencer a um estilo nada mediterrâneo, permeados de racionalidade e cerebralismo. Duas Mulheres, os Contos Romanos, A Romana e Agostinho – alguns dos títulos que obtiveram mais sucesso – nunca deixaram esquecer a obra madura que foi Os Indiferentes, que Moravia publicou aos 22 anos, durante a longa luta que sustentou contra a tuberculose óssea quando foi obrigado a entrar e sair dos hospitais. “Comecei a viver aos 35 anos”, disse Moravia a Alain Elkmann, na longa entrevista autobiográfica lançada durante a Feira do Livro de Frankfurt.
Seu pai era abastado arquiteto, a mãe uma mulher que transformava a casa numa biblioteca. As origens judaicas (o verdadeiro nome de Moravia era Alberto Pincherle) foram sempre camufladas pelo escritor que se confessava ateu num limbo carregado de pudor. Apesar disso, o fascismo censurou continuamente Moravia, e os alemães lhe deram caça, obrigando-o a passar nove meses escondido numa pocilga nos arredores de Roma. Foi um dos últimos escritores a ter sua obra completa incluída no Index dos livros proibidos que a Igreja instituiu em 1559 e aboliu em 1966. É um escritor pernicioso para a formação moral dos católicos, explicou o censor do Vaticano.
Moravia mostrava seu lado dócil só em companhia das mulheres. Casou com três, todas escritoras: Elsa Morante, Dacia Maraini e a espanhola Carmen Llera, a última, 47 anos mais nova. Nunca teve filhos. Sempre encontrei mulheres inteligentes, explicou com a frieza de sempre. Gostava de ser famoso, mas nunca quis ser popular. Seu círculo era de poucas amizades, sua casa aberta raramente e a não mais de três ou quatro pessoas. Seu último grande amigo foi o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, que foi assassinado em 1975.
(Fonte: Veja, 3 de outubro, 1990 Edição 1150 Datas Pág; 82)