O diretor Alberto Seixas Santos, foi ideólogo do Cinema Novo
O diretor de Brandos Costumes. A sua obra é um pensamento severo e desafiante sobre Portugal nas últimas décadas.
Alberto Seixas Santos, um dos nomes do Cinema Novo Português
O cinema de Seixas Santos foi marcado por um diálogo muito cerrado e intransigente com Portugal. Como fundador e professor da Escola de Cinema do Conservatório Nacional, Seixas Santos foi uma figura tutelar para muitos cineastas das novas gerações. Em março, por ocasião do seu 80.º aniversário, a Cinemateca Portuguesa dedicou-lhe uma retrospectiva integral intitulada “O Realismo Utópico”, que ressoa uma auto-descrição feita pelo próprio diretor.
Brandos Costumes, de 1975, foi a primeira longa-metragem de Seixas Santos. Embora tardia, é considerada uma obra emblemática do Cinema Novo Português, movimento que renovou o cinema nacional a partir dos anos 60. Naquele que se tornou um dos seus filmes mais conhecidos, o diretor faz o retrato da agonia do Estado Novo.
Teórico de uma geração
Nascido em 1936, Alberto Seixas Santos é considerado por muitos como o grande “teórico” de uma geração de cineastas proveniente do Cinema Novo, com experiência de crítica e cineclubismo, mas que se aglutinaria à volta da experiência pioneira do Centro Português de Cinema criado em 1969. Esta cooperativa parcialmente fundada pela Fundação Calouste Gulbenkian, foi, nas palavras do crítico e historiador Luís de Pina na sua História do Cinema Português, responsável por “praticamente toda a produção portuguesa de interesse entre 1971 e 1975”. Dessa geração que Pina definia como “a geração Gulbenkian” faziam igualmente parte nomes como Alfredo Tropa, Eduardo Geada, José Fonseca e Costa, António-Pedro Vasconcelos e João César Monteiro.
Antes de estudar cinema, Alberto Seixas frequentou o curso de História e Filosofia na Universidade de Lisboa. Com pouco mais de 20 anos, já fazia crítica de cinema, e até aos anos 70 é possível ver esse percurso em publicações como Imagem, Seara Nova, O Tempo e o Modo, Diário de Lisboa, Diário Popular, Letras & Artes e M- Revista de Cinema. Foi também dirigente do ABC – Cineclube de Lisboa na juventude.
Em 1962, foi finalmente para Paris estudar cinema no Institut des Hautes Études Cinématographiques, tendo frenquentado intensamente a Cinemateca Francesa no tempo do lendário Henri Langlois. No ano seguinte, estava na London School of Film Technique, em Londres, como bolseiro da Fundação Gulbenkian. Segundo o próprio, como se lê num texto produzido pela Cinemateca Portuguesa na altura da retrospectiva integral da sua obra, “este período de formação foi marcado pela influência do neo-realismo e das correntes de vanguarda promovidas pela publicação Cahiers du Cinéma”, bem como pelas “referências clássicas do realizador francês Jean Renoir e do alemão Fritz Lang”.
Durante mais de 20 anos professor na Escola Superior de Teatro e Cinema, entre 1980 e 2002, Seixas Santos rodou muito pouco: apenas cinco longas em nome próprio, quase ao ritmo de uma por década. Brandos Costumes, escrita com Luíza Neto Jorge e Nuno Júdice, foi filmada antes do 25 de Abril mas apenas completada e estreada após a revolução. Seguiram-se-lhe Gestos e Fragmentos (1982), Paraíso Perdido (1992), Mal e E o Tempo Passa (2011). Em 2005, terminou a curta-metragem A Rapariga da Mão Morta, que estreou no 13.º Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde.
Seixas Santos foi igualmente co-autor do filme colectivo do período revolucionário A Lei da Terra (1977), produzido sob a alçada do Grupo Zero, e participou como actor numa série de filmes, entre os quais a curta de Miguel Gomes Inventário de Natal. O seu trabalho foi igualmente objecto de um documentário de Luís Alves de Matos, Refúgio e Evasão (2014), mostrado no IndieLisboa desse ano.
Numa entrevista que deu ao PÚBLICO a propósito da estreia de Mal — um filme sobre um conjunto de “náufragos” do mundo contemporâneo — o realizador disse ao crítico Luís Miguel Oliveira que precisava de ter uma relação com o meio em que vivia para poder filmar: “Terei talvez uma visão pessimista do mundo contemporâneo visto a partir de Portugal […], mas extrapolando para o conjunto da sociedade ocidental. A diferença entre Mal e os meus outros filmes é que estes tratavam de coisas muito concretas: o 25 de Novembro, o salazarismo, os retornados. E este filme é mais vasto, não toca nenhum tema absolutamente português. Tenho alguma dificuldade em trabalhar com aquilo que não conheço. Conheço todas as personagens do filme, são pessoas que conheço da vida real, que transformo e re-oriento. Não são ‘invenções’.” Sobre este filme, o crítico Mário Jorge Torres escreveu que Mal “era um tremendo soco no estômago”, uma crónica negra dos anos de expansão consumista da democracia portuguesa.
Para o realizador Joaquim Sapinho, que produziu Mal através da Rosa Filmes, Seixas Santos é uma espécie de “ideólogo” do cinema português, um fantasma que determina a sua identidade através do ensino, da legislação, do financiamento institucional. Sapinho lembra que além do seu papel na Escola de Cinema, Seixas Santos foi nomeado presidente do então Instituto Português do Cinema (IPC) em 1977, que dirigiu vários anos, e tornou-se director de programas da RTP em 1985.“É ele que marca a posição estética que ainda hoje determina o cinema português, o cinema como arte de vanguarda.” Fá-lo como artista e teórico, diz Sapinho: “Sempre foi um artista intelectual, como a geração da Nouvelle Vague, de Godard e Truffaut, que vêm da crítica para a realização.”
Na linha dos Cahiers, Seixas Santos toma partido pelo cinema de autor contra o cinema comercial, continua Sapinho. “E dentro do cinema de autor é a favor de um cinema completamente radical, contra a narrativa. Isso vai marcar todo o cinema português. Para mim não há nenhuma dúvida que é ele que determina esta linha”.
O crítico Augusto M. Seabra afirma que Alberto Seixas Santos “é o realizador e teórico por excelência do Novo Cinema Português”. Seabra concorda com o perfil de ideólogo traçado por Sapinho. “Ele tem posições muito radicais, porque foi o primeiro a ligar-se à Nouvelle Vague, aos novos cinemas dos anos 60, e logo depois à radicalidade de dois autores em particular, Godard e Straub.”
O realizador Lauro António considera que juntamente com João Bénard da Costa, o director da Cinemateca Portuguesa desaparecido em 2009, Alberto Seixas Santos é uma das personagens com maior peso na definição de uma certa política cinematográfica em Portugal, com tudo o que isso tem de positivo e também às vezes de negativo”.
Seixas Santos, lembra Seabra, foi pioneiro ao falar do Cinema Novo como um processo também geracional. Criticou os primeiros filmes de Paulo Rocha e Fernando Lopes, escrevendo que “Os Verdes Anos e Belarmino são os primeiros filmes de uma geração que se ousa reivindicar”.
Com o seu último filme, E o Tempo Passa, deixou-nos o retrato de um país onde os hábitos e as ambições são definidos pela televisão, numa aproximação reflexiva, ensaística, a formas populares de “imitação da vida” como a telenovela . Foi o derradeiro capítulo de uma obra que é, toda ela, um pensamento severo e desafiante sobre Portugal nas últimas décadas, o que este país foi, quis ser ou, finalmente, é.
Seixas Santos morreu na madrugada de sábado na sua casa em Lisboa, soube o PÚBLICO junto de uma amiga do cineasta. Tinha 80 anos e, no último ano, a sua saúde tinha-se deteriorado bastante.
“O cinema de Seixas Santos caracteriza-se pelo seu pendor fortemente reflexivo sobre a história recente e a contemporaneidade de Portugal”, afirma o crítico e programador Augusto M. Seabra. “Exemplos maiores são Brandos Costumes, anatomia das relações familiares sob o salazarismo; Gestos & Fragmentos, uma análise do processo revolucionário em Portugal com a participação do militar Otelo Saraiva de Carvalho, do filósofo Eduardo Lourenço e do cineasta independente Robert Kramer; e Mal, que captou os sinais da realidade portuguesa em finais dos anos 90.”
Quando Mal se estreou nas salas de cinema portuguesas em 2000, o crítico de cinema Mário Jorge Torres lembrava nas páginas do PÚBLICO que o nome de Alberto Seixas Santos tinha uma “ressonância mítica” no cinema português. “Brandos Costumes fecha o ciclo do cinema sob censura e abre para um olhar desapiedado sobre a nossa história recente. E, por outro lado, apresenta as duas vertentes que conformam todo o seu universo ficcional e conceptual, uma forte componente realista, e empenhadamente política, e um gosto pela alegoria, pelo recurso a complexas fábulas para falar do mundo circundante”, considerava o crítico.
“Brandos Costumes é um dos faróis do Cinema Novo português”, concorda o cineasta Lauro António, e teve “uma importância extracinematográfica”. Pouco antes do 25 de Abril, “houve uma atitude de alguns realizadores portugueses quase de provocação à censura, fazendo filmes que abertamente não podiam ser estreados”. Iam contra a tendência de filmes “um pouco crípticos, muito simbólicos”, como é o caso de O Recado, de José Fonseca e Costa. Ao lado de Brandos Costumes, Lauro António coloca Sofia e a Educação Sexual (1974), de Eduardo Geada, ou Índia (1975), de António Faria. “Quando depois do 25 de Abril estes filmes foram para as salas de cinema tiveram uma certa projeção porque diziam certas coisas que o espectador do cinema português não estava habituado a ouvir.”
(Fonte: https://www.publico.pt/2016/12/10/culturaipsilon/noticia – CULTURA ÍPSILON/ Por ISABEL SALEMA – 10 de Dezembro de 2016)