Alfredo Buzaid, foi o maior censor da história da imprensa brasileira

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Juristas de Exceção: Homem-forte dos anos de chumbo, Buzaid preparou “livro da verdade” para negar torturas

Em nome da “Segurança Nacional”, ministro do STF foi o maior censor da história da imprensa brasileira

Alfredo Buzaid (Jaboticabal, 20 de julho de 1914 – São Paulo, 10 de julho de 1991), conhecido pela elaboração de uma série de leis vigentes e elogiadas até hoje por certa tradição jurídica conservadora, como o Código de Processo Civil, foi o Ministro da Justiça do período ditatorial que negou de forma mais incisiva as práticas de tortura. Em 1970, organizou um “livro da verdade” para provar junto à OEA (Organização dos Estados Americanos) que o governo Médici (1969-1974) não praticava atos de violação aos direitos humanos, mas a iniciativa não foi adiante.

 

A tentativa de apresentar um “livro branco” de propaganda do regime militar acabou virando verdadeira lista de indícios dos “mais escabrosos episódios de tortura”, de acordo com o historiador Carlos Fico, que descobriu o documento nos arquivos da extinta Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, braço civil-ministerial do SNI (Sistema Nacional de Informações).

“Improdutivo e chamando demasiadamente a atenção para o tema, o relatório não seria divulgado, mas suas justificativas perdurariam”, conclui Fico. O “livro da verdade” pode ser lido abaixo na íntegra, com correções feitas à mão pelo próprio Buzaid, contendo “informações do governo brasileiro para esclarecer supostas violações de direitos humanos relatadas em comunicações pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos)”

Um dos argumentos mais usados por Buzaid para negar as torturas era o de que as denúncias relacionadas a este tema faziam parte de uma campanha difamatória contra o governo, realizada por setores supostamente comunistas da imprensa nacional e internacional.

O ministro, porém, foi confrontado até mesmo por antigos aliados do golpe de Estado de 1964. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em 1970, dizia que “há bem viva na consciência da nossa população a convicção de que é relevante a incidência dos casos de tortura no Brasil”.

Nascido em Jaboticabal no dia 20 de julho de 1914, Buzaid foi diretor do Largo São Francisco entre 1966 e 1969, quando passou a ser reitor interino da USP. Ao analisar o regime militar, no momento de sua posse na Faculdade de Direito, exaltou o que chamou de “processo de racionalização da democracia”.

Tal “racionalização”, levada a cabo pelas Forças Armadas, consistiria no processo de “revalorização dos homens públicos, cuja escolha não pode ficar à mercê das massas através de hábeis controles sindicais”. Concluindo em sentido contrário às eleições diretas, o jurista autocrata arrematava que “não pode ser homem público qualquer ignorante bafejado por poderosas influências eleitorais”.

 

Buzaid era avesso a entrevistas. Mesmo assim, ao assumir o Ministério da Justiça de Médici no final de 1969, disse à revista Vejaque “o Presidente não admitirá torturas em seu governo”. Curiosamente, ainda acerca do “terceiro governo revolucionário”, o jurista completou sua frase dizendo que “só não se admite a contestação da Revolução, ou seja, a negação do fato histórico que foi o movimento de março de 1964 e qualquer tentativa de revogá-lo ou anulá-lo em seus três objetivos: luta contra a subversão, extinção dos focos de subversão e renovação dos costumes políticos”.

Durante seu mandato, foi caracterizado pela própria revista como “um jurista capaz de oferecer fórmulas e instrumentos para o tranquilo exercício de um amplíssimo poder pelo Executivo” e “perito em ‘pentear’ as leis, ou seja, um especialista em sistematizar e coordenar as diversas peças que compõem o edifício jurídico”.

Ferrenho anticomunista e o colaborador mais íntimo do idealizador do AI-5, Luiz Antonio da Gama e Silva, Buzaid defendia a ditadura dizendo que o regime “teve que aparelhar-se” para “o expurgo dos maus elementos”, sob forte influência da idelogia da Guerra Fria. Na USP, atuou no “controle ideológico da universidade”. Um dos inúmeros professores perseguidos foi Paulo Duarte, que ficou conhecido por seu livro de memórias “O processo dos rinocerontes: razões de defesa e outras razões”, no qual conta bastidores de seu processo interno de demissão, iniciado a partir de uma moção do futuro ministro, na qual exigia o desagravo pelas críticas de Duarte a respeito da existência de “terrorismo cultural” da ditadura nos campi universitários.

Imprensa, censura e “liberdade”

O período em que Buzaid comandou o Ministério da Justiça também ficou marcado pelo envio dos famosos “bilhetinhos” às redações do país. A censura prévia, praticada “em nome da Segurança Nacional”, abarcava desde a imprensa alternativa, em veículos como O PasquimOpinião e Tribuna da Imprensa, até periódicos da chamada grande imprensa, como a revista Veja, o Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo.

Entre os assuntos proibidos por Buzaid encontravam-se o conteúdo de palestras proferidas na ESG (Escola Superior de Guerra), os comentários sobre a Anistia Internacional, a divulgação dos manifestos de Dom Hélder Câmara sobre a violação de direitos humanos no Brasil e as investigações sobre o “Esquadrão da Morte”.

 

De acordo com o jornalista Luiz Cláudio Cunha, em 1972, diante da agressiva escalada de censura prévia, “o diretor do Estadão, Ruy Mesquita, perdeu a paciência com os velhos companheiros de conspiração de 1964 e disparou um telegrama violento para Buzaid”: “Sr. Ministro, ao tomar conhecimento dessas ordens emanadas de V. Excia., o meu sentimento foi de profunda humilhação e vergonha. Senti vergonha pelo Brasil, degradado à condição de uma república de Uganda qualquer por um governo que acaba, de forma incrível, de decretar o ostracismo dos próprios companheiros de Revolução” (“Máximas e mínimas: os ventos errantes da mídia na tormenta de 1964”).

 

Em suas raras declarações, um dos conceitos mais presentes, retoricamente, era o de “liberdade”. Mesmo com o AI-5 em vigor no país na década de 1970, dizia que “contra a ideia de liberdade para a prática do mal”, “opõe a Revolução a ideia de liberdade para manter a ordem e promover o bem comum”. “Existe liberdade política no país. O que não existe é liberdade para fazer propaganda comunista, nem para manter metralhadoras em casa ou assaltar bancos ou promover atentados terroristas.”

Apesar da forte censura, em 1973, ainda quando era ministro, Buzaid teve um problema familiar exposto à opinião pública. Seu filho, Alfredo Buzaid Júnior, conhecido como “Buzaidinho”, foi apontado como principal suspeito pela morte da menina Ana Lídia. Com sete anos de idade, Ana Lídia foi raptada e encontrada morta, semi-sepultada e nua, em área próxima à Universidade de Brasília. A inclusão do nome de “Buzaidinho” no caso foi de pronto descartada, também sob o argumento de se tratar de mais uma “manobra de grupos a serviço da subversão”. As investigações seriam obstruídas por manobras diversionistas e, até hoje, o caso permanece como um dos mais emblemáticos exemplos de impunidade prescrita dos poderosos e de sua prole no país.

“A Revolução tem necessidade de legislar”

Argumentando que “uma Revolução que não modifica a ordem jurídica não passa de um golpe”, Buzaid seria eternizado como responsável pela coordenação de diversos projetos jurídicos da ditadura, como os Códigos Civil, Penal, Penal Militar, de Processo Penal, Execuções Penais, bem como as Leis de Organização Judiciária Militar e de Introdução ao Código Civil.

O “preclaro jurisconsulto”, modo como Médici chamava Buzaid, teve seus serviços recompensados pelo último presidente do ciclo militar, João Baptista Figueiredo, que o nomeou ministro do Supremo Tribunal Federal em 1982. O histórico do jurista, no entanto, levou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) a não enviar representantes para a sua posse. Faleceu em julho de 1991, vítima de câncer.

(Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias – À ESPERA DA VERDADE/ Por Rodolfo Machado – 07/03/2014)

 

 

 

 

 

Nome polêmico

Do período em que Buzaid foi ministro da Justiça mostra que ele velou muito mais pela longevidade dos poderes ditatoriais do AI-5 que pela extensão do estado de direito ou a profundidade dos direitos da pessoa humana.

É acusado de ter inaugurado a censura prévia de notícias quando, na realidade, ela existia antes de sua chegada ao Ministério, em 1969.

Foi acusado, também, de chefiar a censura – quando é sabido quando o comando da tesoura funcionava no Departamento da Polícia Federal, sobre o qual ele tinha jurisdição mas não autoridade.

Nem todas as quase 360 ordens escritas expedidas pela censura no Governo Medici partiram dele. No Governo Medici, Buzaid foi desinportante diante de outros ministros que compuseram a equipe que procura desenvolver a política de abertura, como o general João Figueiredo (então chefe do Gabinete Militar), João Leitão de Abreu (Gabinete Civil), e os ministros Delfim Netto (Fazenda) e Mário Andreazza (Transportes).

“Ele é um dos maiores nomes do Direito no  Brasil”, endossou em Brasília o ministro José Carlos Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal (STF), que foi procurador geral da República na época em que Buzaid era ministro da Justiça.

Buzaid foi indicado para substituir o ministro Clóvis Ramalhete, que foi ex-consultor geral, que entrou com 69 anos – faltando um para aposentar-se.

(Fonte: Veja, 10 de março de 1982 – Edição 705 – JUSTIÇA – Pág: 93)

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