Gide: o papa de uma geração sincera, revoltada e ambígua
André Gide (Paris, 22 de novembro de 1869 – Paris, 19 de fevereiro de 1951), escritor e militante da causa gay francês, foi laureado com o Prêmio Nobel de literatura em 1947 e morreu em 1951.
Gide tinha um domínio assombroso das técnicas da ficção, e as pôs em prática em livros que permitem evocar vivamente o cenário cultural se seu tempo. Homossexual assumido, falava abertamente em favor dos direitos dos homossexuais.
Escreveu, entre 1910 e 1924, “Corydon”, livro destinado a combater os preconceitos homofóbicos.
Patrulhado pelos comunistas e proibido pela igreja, autor controverso, foi, ao mesmo tempo, um dos escritores franceses mais celebrados do século XX, premiado com o Nobel de literatura em 1947.
“Um cadáver acaba de morrer.” Foi assim que o jornal comunista l’Humanité noticiou em fevereiro de 1951, a morte de André Gide. Um ano depois, as obras do autor de “Os Frutos da Terra” eram incluídas no índex de livros proibidos do Vaticano.
Foi contra o espírito do século XIX – inimigo dos arroubos individualistas – que o romancista francês André Gide escreveu “Os Frutos da Terra”, em 1897, e seguido de “Os Novos Frutos”, de excessos libertários.
A sensibilidade social de Gide encontra-se sobretudo no olhar curioso e sensual que ele lança no lar burguês. Moralista que nega as regras morais, foi também o grande literato que negou a literatura em favor da vida. Para ele, o livro é um instrumento precário e passageiro, chamariz para a força do desejo e a iluminação da revolta.
Gide respondia que o homem de sua ápoca era como um convalescente – alguém pronto a abraçar a vida com o máximo fervor e exclusividade. E o individualismo de sua obra é feito sobretudo de rebeldia: para o autor, a força do indivíduo repousa no corpo e no prazer; e a idade madura significa apenas a melancólica perda da disponibilidade para o mundo.
Manter a adolescência, buscar a aventura gratuita, o alegre desregramento e o descompromisso moral na ação: essa é a plataforma de “Os Frutos da Terra”.
As controvérsias que cercaram a vida de Gide dizem respeito tanto à sua obra quanto à sua tumultuada vida. Filho de uma austera família protestante, ele cresceu em um ambiente no qual a religião era imposta com rigidez. Na escola, começou a ter problemas com seu “mau hábito” (leia-se: masturbação), o que levou um médico a sugerir a castração. Até os 23 anos permaneceu, em suas palavras, “completamente virgem, mas depravado”.
Ainda jovem, frequentava os salões literários de Paris, convivendo com Maurice Barrès, Stéphane Mallarmé e Paul Valéry – chegou até a conhecer, em 1891, o irlandês Oscar Wilde, que alguns anos depois estaria no centro de um escândalo homossexual na Inglaterra. A iniciação do próprio Gide no “amor que não ousa dizer seu nome” teria se dado em uma viagem pela Tunísia, Argélia e Itália, à época características rotas de turismo gay.
Sua literatura sai do armário com Corydon, ensaio publicado na íntegra em 1924 (embora escrito mais de dez anos antes) no qual Gide adota a concepção grega da pederastia, termo que designava o amor entre um homem mais velho e um jovem – um amor que seria ao mesmo tempo físico e “pedagógico”, com o amante maduro no papel de mestre.
Tendo rejeitado a religião, Gide, como tanto a intelectuais da primeira metade do século XX, viveu seu momento de flerte com o comunismo. Foi, no jargão do período, um “companheiro de viagem” do Partido Comunista. Em 1936, a convite do governo, visitou a União Soviética – e voltou completamente desiludido. O PC francês nunca o perdoria por sua denúncia do stalinismo no livro “Retour de l’URSS” e em outros textos críticos.
Embora não escape completamente ao figurino do típico intelectual francês, sempre loquaz nos detalhes públicos, Gide seria sempre um tanto reticente em relação à política. Distanciava-se de contemporâneos como Jean-Paul Sartre, que em “Que É a Literatura?” fez a defesa teórica do engajamento do escritor. Gide levava a sério sua própria recomendação: “Crê nos que buscam a verdade; duvida dos que a encontraram”.
A homossexualidade e o tratamento sarcástico da religião são as pedras de escândalo em que Gide funda seus romances. “Os Porões do Vaticano”, de 1914, classificado como uma sotie – gênero de teatro medieval, de teor satírico -, é uma farsa de trama intrincada, na qual uma dupla de golpistas convence uma condessa de que o papa foi raptado e um impostor está em seu lugar. Por sua acidez satírica no tratamento da religião, essa narrativa irreverente coloca o autor na linha de Rabelais e Voltaire. “Os Moedeiros Falsos”, de 1925, traz três personagens envoltos em relações atormentadas – dois jovens estudantes, Bernard e Olivier, e o escritor Édouard, tio de Olivier.
“Diário dos Moedeiros Falsos”, é, como anuncia o título, o diário que o escritor mantinha ao tempo em que compôs o romance. Representa uma incursão no processo criativo de Gide, que dialoga com os personagens e dá a si próprio conselhos – que terão certa validade para qualquer escritor: “Purgar o romance”, ou, no parágrafo final, “tudo considerado, mais vale deixar o leitor pensar o que quiser – ainda que seja contra mim”.
(Fonte: http://igay.ig.com.br/2013-07-25 – 25 de julho é o Dia do Escritor – Ana Ribeiro , iG São Paulo – 25/07/2013)
(Fonte: Veja, 17 de fevereiro de 1982 – Edição 85 – LIVROS/ Por Silviano Santiago – Pág: 85)
(Fonte: Veja, 6 de janeiro de 2010 – ANO 43 – N° 1 – Edição 2146 – Livros / Por Moacyr Scliar – Pág: 96/97)