André Malraux, escritor francês que se dedicou principalmente a assuntos políticos e culturais.

0
Powered by Rock Convert

 

André Malraux

 

 

André Malraux (Paris, 3 de novembro de 1901 – Créteil, 23 de novembro de 1976), escritor francês que se dedicou principalmente a assuntos políticos e culturais. Em toda a sua vida foi cercado com insistência e desafio ao longo de mais de cinquenta anos – em insurreições na China, nos combates aéreos da guerra civil espanhola, no pelotão de fuzilamento que enfrentou durante a II Guerra Mundial. Exibiu-se com violência à sua volta desde o acidente fatal do avô com um machado e o suicídio do pai, a bala e a veneno, até o assassínio dos dois irmãos pelos alemães e os desastres que mataram sua amante Josette Clotys, em 1944, e os filhos Vicent e Guthier, em 1961.

A morte enganou André Malraux pela última vez. Surpreendeu-o numa cama do quarto 87 do Hospital Henry Mondor, nos subúrbios de Paris, dia 23 de novembro. Levou-o envolto em uma agonia tranquila, sem angústia e sem sofrimento, depois de tê-lo cercado com insistência e desafio por longos anos. Mas poupou-o sempre, para finalmente matá-lo em silêncio e a sós, numa cama de hospital. Um fim inglório para aquele que permaneceu fiel até o fim em seus ideais.

Foi o cavaleiro andante do século XX, o último dos intelectuais românticos e aventureiros, que jamais deixou de unir a palavra à ação? Talvez Malraux já estivesse prevendo esta morte, para ele inaceitável, ao se oferecer, em setembro de 1971, aos 69 anos de idade para combater ao lado dos separatistas de Bengala, na guerra do Paquistão. Não poderia mais voar como na Espanha, ou juntar-se à infantaria, como na resistência francesa. Mas ainda era capaz de “lutar dentro de um tanque ou de outro veículo qualquer”. Não chegou a se apresentar – e alguns velhos detratores começaram a duvidar de sua sanidade mental.

Façanha incompreensível – Não era a primeira vez que se colocava em dúvida as intenções e os atos deste escritor, soldado e político invariavelmente carrancudo, filho de decadentes armadores de Dunquerque, ao norte da França, e cujo pai, Georges, dirigia a agência de um banco americano em Paris, quando André nasceu, a 3 de novembro de 1901. Suas obras, que são o reflexo irretocável do que foi e do que ele achava que deveria ser a sua vida, levaram críticos e biógrafos a chamá-lo de mentiroso por exagerar algumas de suas façanhas.

A verdade é que Malraux realmente cometeu uma façanha incompreensível para muitos de seus contemporâneos subjugados por doutrinas e disciplinas partidárias: manteve-se fiel a suas ideias e à esperança de “reconquistar a dignidade e o domínio do destino humano”. Para isso, resolveu não apenas escrever, como também agir, pois “o interesse da ação”, como escreveria em suas “Antimemórias”, publicadas em 1967, “salvo quando ela atinge a dimensão histórica, reside naquilo que se faz e não no que se diz”.

Essa descoberta começou a lhe ser revelada em 1923. Malraux já estava casado há dois anos com Clara Goldschimidt, filha de ricos negociantes judeus, e juntos haviam passado uma temporada alegre, de festas e de dissipação, em Paris. Os dois viajaram para a Indochina, em missão arqueológica, e o escritor foi preso sob a acusação de contrabandear estatuetas históricas e condenado a três anos de prisão. Um movimento de intelectuais europeus conseguiu libertá-lo um ano depois, e Malraux voltou a Paris sensivelmente impressionado com a miséria que vira na colônia francesa. E começou a agir.

Indochina manietada – Em 1925, ligou-se aos revolucionários em Saigon, onde fundou a revista Indochina, logo fechada pelas autoridades francesas. Com isso, a publicação passou à clandestinidade e alterou o nome para Indochina Manietada. Até 1927, quando voltou para a Europa, viajou pela Ásia, morou em Cantão e em Xangai, envolvendo-se nas primeiras insurreições chinesas. De suas experiências asiáticas, além de surgir, sem afirmar, que esteve preso com Ho Chi Minh em Saigon, em 1923, e que participou ativamente do sangrento rompimento dos nacionalistas de Chiang Kai-shek com os comunistas de Mao Tse-tung – extraiu o material para pelo menos uma obra-prima, “”A Condição Humana””, publicada em 1933, que lhe valeu o Prêmio Goncourt. Antes, lançara ““Os Conquistadores””, em 1928, e ““A Tentação do Ocidente””, em 1926, este uma espécie de diálogo entre um homem oriental e um ocidental que perdera suas origens.

Aos 31 anos, estava em Paris já como um escritor célebre e reconhecido em toda a Europa. Empregou-se na Editora Gallimard e entregou-se a atividades literárias e políticas na tentativa de impedir a ascensão do estalinismo e do fascismo. Manteve uma apaixonada correspondência com Leon Trotsky, asilado no México, e chefiou a delegação de intelectuais que pediu inutilmente a Adolf Hitler o perdão para o comunista Dimitrov, acusado de incendiar o Reichstag. Falou no Congresso de Escritores, em Moscou, e presidiu o Comitê Mundial Antifascista. Nesta época, conheceu a bela Josette Clotys, com quem manteve durante dez anos um atribulado romance do qual nasceram os dois filhos mortos em 1961.

Glória popular – Em 1936, a guerra civil levou-o à Espanha, onde organizou a modesta mas eficiente força aérea dos republicanos, que lhes deu as primeiras vitórias e retardou a derrota final. Malraux participou de mais de cinquenta missões antes de ser ferido e viajar pelos Estados Unidos e Europa angariando fundos para a causa antifranquista. Em 1937 publicou mais um livro de suas experiências pessoais – “A Esperança”. A celebridade transformou-se então em verdadeira glória popular, que seria reforçada mais tarde com o comportamento de Malraux durante a ocupação nazista na França. A esta altura, já estava separado de Clara, de quem só se divorciaria em 1946, para casar-se com Madeleine – viúva de um de seus irmãos.

A partir de 1939 começou uma nova e importante fase na vida do escritor. Até ali, suas lutas tinham sido internacionais. Durante a resistência ele descobriu sua pátria e o homem “que recebeu como herança todas as feridas de meu país”: Charles de Gaulle. “De fato, substituí o proletariado pela França”, diria mais tarde. Durante a guerra, como oficial o Exército francês, Malraux foi ferido e aprisionado duas vezes, e numa delas chegou a ser colocado frente a um pelotão de fuzilamento*. Refugiado, mas comodamente instalado num castelo ao sul da França, até 1942, escreveu “As Nogueiras de Altenbourg” e muitas páginas de “A Psicologia da Arte”. Nesta época, também, recomendou à Gallimard o romance “O Estrangeiro”, de um então desconhecido Albert Camus. Em 1944, sob o nome de Coronel Berger, era comandante da brigada Alsácia-Lorena, a primeira a desfilar pelas ruas da reconquistada Strassbourg.

Pela insurreição – No fim da guerra, tornou-se, como de Gaulle, de quem foi ministro da Informação, em 1945, uma espécie de monumento nacional. Ao general, dedicou uma inabalável fidelidade, retirando-se junto com ele do governo pela primeira vez em janeiro de 1946. Mas nunca descansou. Até 1951, como encarregado de propaganda do Rassemblement du Peuple Français (RPF) – uma espécie de partido para reconduzir de Gaulle ao comando do país -, atacou o stalinismo, a deturpação do marxismo promovida pela União Soviética, e defendeu a criação de um movimento de massa capaz de promover a retomada do poder pelo gaullismo ainda que pela via insurrecional. Em 1951, desenganado com os rumos do RPF, que se tornara apenas um partido como os outros, e preferido por um eleitorado de direita, afastou-se para voltar apenas em 1958, quando de Gaulle iniciou a V República e o chamou para ministro da Cultura.

Foi um pretexto para acusações. Seus ex-companheiros de resistência, como Pierr Mendés-France, desfilaram pelas ruas de Paris gritando “Malraux fascista” e “ministro da ditadura gaullista”. Durante dez anos, em todo caso, foi ministro e algo parecido a uma caução intelectual de De Gaulle. Promoveu algumas iniciativas espetaculares, como a limpeza e restauração de todos os monumentos de Paris, a renovação do teto da Ópera por Marc Chagall, uma visita da “Gioconda” a Nova York e da Vênus de Milo a Tóquio. Mas nada disso parecia fasciná-lo verdadeiramente e muitas vezes atravessou reuniões ministeriais completamente distraído, rabiscando um bloco de notas. A Picasso, que lhe enviara um telegrama perguntando: “Ainda estarei vivo?”, respondeu com outra pergunta: “Serei verdadeiramente um ministro?”

O fim silencioso – Na verdade, Malraux já não era mais o mesmo homem. Suas atenções estavam voltadas para coisas espirituais e para seus ensaios sobre artes, iniciados após a guerra. Nem por isso, contudo, deixou de voltar às ruas, em 1968, quando os distúrbios de maio começaram a abalar a força de De Gaulle. Promoveu comícios e manifestações a favor do velho general, contra os estudantes, e, no referendo de 1969, foi a última personalidade a pedir em vão que o povo se manifestasse contra a saída do salvador da pátria.

Em 1972, atingido por um derrame cerebral, Malraux experimentaria “o que é morrer”, durante as três semanas em que ficou em estado de coma. E dessa experiência extraiu mais um livro – “Lázaro”, no qual descreve sobretudo uma sensação de fraternidade diante da morte.

Há três meses, desde que sofrera uma operação na próstata, Malraux vivia enclausurado no Castelo de Verriere Le Buisson, em companhia da proprietária – Sophie de Villemorin, sobrinha de Louise de Villemorin, sua última companheira, falecida em 1969. Dedicava todo o tempo à sua última obra – “O Homem Precário e a Literatura”, seu testamento literário. Não escreveu mais que algumas dezenas de páginas: a morte o surpreendeu em sua última e desprotegida trincheira. Em vez das explosões de um campo de batalha, o silêncio d euma embolia pulmonar.

Uma obra heróica e solidária, a favor da ação
Para situar a arte literária de André Malraux e o pensamento em que se apóia, há que resolver certas correntes: o misticismo neocristão de Dostoiévski, e Tolstói que penetrou na literatura francesa; a descoberta, nos contrafortes de Toledo, da arte elevada, espiritual de El Greco, o lado sublime do barroco; o teatro de Ibsen, pregando o individualismo. A elas, deve-se acrescentar o exotismo de países distantes, colonizados. Mas há um divisor de águas poderoso que é a I Guerra Mundial.

Como esquecer o massacre nas trincheiras de 1914-1918? A propaganda encobriu, na época, a extensão da tragédia. A consciência antibélica viria depois. Jacques morre, em “Les Thibault”, de Roger Martin Du Gard, na tentativa romântica de impedir a Guerra. Também Jean-Christophe, personagem-título do vasto romance de Romain Rolland, é outro pacifista indignado. Mas, à camaraderie burguesa de Martin Du Gard, André Malraux acrescentaria a confraternização com o homem comum. Na China, ele testemunha a revolução e golpes contra-revolucionários. “Os Conquistadores” (1928) retrata a insurreição de Cantão em 1925. “A Condição Humana” (1932), a insurreição de Xangai em 1927. Estes dois romances, e mais “O Caminho Real” (1930), sobre o Camboja, definem os rumos do ficcionismo de Malraux: a tragédia familiar que sacrificou o pai (e mais tarde os irmãos), a sombra da morte, derrotas políticas (China, Espanha, França), a necessidade de resistência como dever moral.

O escritor, segundo acentua o modelo de Malraux, tem compromisso com uma época marcada pela angústia do sangue derramado, da tortura, da humilhação, dos direitos humanos sonegados. E, como diz Kiogisors, personagem de “A Condição Humana”, “o contrário da humilhação é a dignidade”. Dignidade implica engajamento além do testemunho, requer participação. Daí o Malraux combatente, revolucionário. É a alternativa ao individualismo elitista de Marcel Proust.

Para este engajamento, a personagem leva, no entanto, sua precariedade – aquela mesma que o ficcionista apontou na condição humana. Por isso, as criaturas de Malraux não são os revolucionários perfeitos – para elas, as lutas significam oportunidade de afirmação e libertação pessoal. Trotsky entende “Os Conquistadores”, e no entanto o romance seria banido na União Soviética.

No ensaio “An Age of Fiction – The French Novel from Gide to Camus”, Germaine Bree e Margaret Guiton depõem: “Para os intelectuais dos anos 30 e 40, o comunismo oferecia um sentimento de participação, de posse – o privilégio de compartilhar riscos comuns”. Se o comunismo aliou-se, aqui e ali, à burguesia, e se causas populares (como a da Espanha, em 1936) falharam, o sentimento de liberdade continuaria a fazer do romance sua caixa de ressonância. Segundo as autoras, este novo romance, moderno em consequência do homem conscientizado nas duas grandes guerras, “produziu uma sensação de libertação pessoal, uma triunfante redescoberta da solidariedade humana”.

Na obra de Malraux, especialmente a parte ficcional, sobressai, portanto, a participação-testemunho (“O Tempo de Desprezo”, de 1935, denúncia do antisemetismo, e “A Esperança”, de 1937, sobre a guerra civil espanhola) e, paralelamente, o companheirismo que o levou a identificar no homem comum a certeza de continuidade. O engajamento, que também foi o de Saint-Exupery, morto em ação, Sartre o retomaria em “Os Caminhos da Liberdade” (1945-1949). A metafísica de Malraux desabrocharia, com prioridade, na obra literária de Albert Camus. Ao lado do alinhamento ético, a contestação ao isolamento espiritual, com André Malraux e seus companheiros, caracterizou toda uma novelística de heroísmo e solidariedade. Malraux desaparece depois de Trosky, Gandhi, Nehru, de Gaulle e Mao TSE-tung, que retratou em suas “Antimemórias”. Aventureiros? Não, como disse Malraux, no sentido do aventureiro do século XIX. Foram os aventureiros da tentativa de retorno ao humanismo.

* A cena é descrita em suas “Antimemórias”: “O comandante do pelotão mandou apresentar armas, ‘apontar’ e em seguida ‘descansar’. Os soldados colocaram o fuzil debaixo do braço e partiram frustrados sorrindo e gingando o corpo”, escreveu Malraux. “Afinal, por que não tinham atirado? E por que não havia eu realmente acreditado na morte?”

 

(Fonte: Veja, 1° de dezembro, 1976 -– Edição 430 – LITERATURA/ Por Hélio Pólvora -– Pág; 124/125/126)
(Fonte: Veja, 20 de agosto, 1975 -– DATAS -– Pág; 79 –- LITERATURA –- Pág; 64/65)
(Fonte: www.caras.com.br -– Edição 882 -– ANO 17 -– N° 40 -– 1° de outubro de 2010 – Citações)

 

 

 

 

 

 

 

Powered by Rock Convert
Share.