Antonio Gaudí, arquiteto catalão, foi um dos mais importantes do século XX e dono de um estilo personalíssimo

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Delírios de pedra

Catedral da Sagrada Família, uma das mais surpreendentes formas arquitetônicas erguidas no mundo, produto alucinante de sua inspiração: modelo neogótico e resultado fantasmagórico

Antonio Gaudí (Reus ou Riudoms, 25 de junho de 1852 – Barcelona, 10 de junho de 1926), arquiteto catalão, foi um dos mais importantes do século XX e dono de um estilo personalíssimo, caracterizado pela acumulação delirante de formas, cores e materiais.

FASCÍNIO E HORROR – Conforme a completa simbologia religiosa adotada por Gaudí, todas as figuras devem inspirar alguma das três virtudes teologais (fé, esperança e caridade). O exterior do templo deve representar a vida de Cristo, enquanto seu interior simbolizará a ação redentora da Igreja.

Ao receber a tarefa de erigir a catedral, Gaudí estava com 32 anos e tinha se celebrizado por construções delirantes, com fantásticas acumulações de formas e materiais, como o Parque Guell, em Barcelona, e um punhado de edifícios que levaram a extremos a tendência das formas vegetais sinuosas da art noveau.

As reações diante desses prédios se dividem entre o fascínio e o horror. Alguns teimam em enfiá-los no rol das mais hediondas formas arquitetônicas do mundo, lembrando que eles foram feitos na contramão da história da arquitetura, que na contramão da história da arquitetura, que na época buscava a concisão e a síntese das linhas retas e puras da escola Bauhaus.

Ocorre que, conforme o testemunho de um dos mestres da Bauhaus, Walter Gropius (1883-1969), as paredes da Catedral da Sagrada Família são “maravilhas da perfeição técnica”. Não há uma linha na catedral quer não tenha origem na geometria. Em 1936, no começo da guerra civil, os anarquistas queimaram o estúdio de Gaudí e destruíram a maquete que ele usava para explicar suas ideias intrincadas aos construtores.

Os moldes para a maquete sobreviveram e orientaram boa parte do trabalho desenvolvido na etapa atual das obras. A tarefa, que desafia gerações, motivou muitos apelos a Gaudí para que acelerasse as obras. Nessas ocasiões, o arquiteto costumava apontar para a imagem de Cristo e responder: “Meu cliente não tem pressa.”

Mais do que um templo religioso, a Catedral da Sagrada Família transformou-se num tributo à memória de Gaudí, orgulho dos catalães, um povo que recusa integrar-se culturalmente à nação espanhola.

Para erguer a igreja, Gaudí baseou-se num modelo neogótico, tratando de moldar, torcer e curvar todas as linhas retas. A estrutura, de concreto, foi meticulosamente esculpida por dentro e por fora para tomar um aspecto fantasmagórico que desafia qualquer senso de medida nos inúmeros detalhes que ornamentam cada centímetro quadrado do templo.

FACHADA CAÇA-NÍQUEIS – Não contente com a modelagem, Gaudí tratou de ornamentá-la com cacos coloridos de cerâmica ou fragmentos de vidro. A obra, quebrando a lógica de qualquer cronograma convencional, deixou de lado a conclusão das estruturas básicas e, mesmo sem a nave central ou o telhado, partiu para a ornamentação da fachada.

Essa inversão foi intencional: Gaudí queria fascinar e motivar doações da comunidade católica catalã para concretizar seu sonho. É possível que, mesmo morrendo com idade de fazer inveja a Matusalém, Gaudí jamais tivesse visto pronta essa que é considerada uma de suas obras-primas e uma das mais surpreendentes formas arquitetônicas erguidas no mundo.

Pela dimensão e complexidade do projeto, e na melhor tradição medieval dos construtores de catedrais, muitas gerações ainda poderão se suceder antes que o templo dedicado à Sagrada Família esteja finalmente concluído. Ela é, em sua maior parte, uma tarefa para hábeis e pacienciosos artesãos.

Sua concepção extravagante obrigou os construtores a procurar fora da Espanha máquinas computadorizadas capazes de reproduzir, com exatidão, todas as formas sinuosas e vazadas para o corte das pedras e o encaixe perfeito das peças.

Há, porém, um problema construtivo que nenhuma tecnologia contemporânea conseguiu resolver. Gaudí previu para a cúpula o dobro da altura das torres, ou seja, de 140 a 200 metros. Não há estrutura conhecida em concreto armado que possa sustentar o peso do revestimento em pedra dessa cúpula.

Os mais fervorosos seguidores de Gaudí afirmam que ele, num golpe de gênio digno de um arquiteto renascentista, já possuía a solução para o problema. Apenas não teve tempo de lançá-lo no papel.

Quando o arquiteto catalão Antonio Gaudí morreu, em junho de 1926, atropelado por um bonde, a construção da Catedral da Sagrada Família, situada no centro de Barcelona, na Espanha, ficou inacabada. Não foi por falta de empenho no trabalho.

Dedicou integralmente, como uma obsessão, 43 de seus 74 anos de vida ao imenso projeto. Mas apenas uma das fachadas da catedral estava concluída, com relevos e esculturas representando o nascimento de Cristo. Também estavam erguidas as paredes de cripta, um pórtico e quatro das vinte torres cômicas rendilhadas projetadas para atingir de 70 a 100 metros de altura.

Por conta de episódios como a Guerra Civil Espanhola e a II Guerra Mundial, as obras foram retomadas em 1952, mas elas só se aceleraram a partir de uma campanha pública de doações, feita pela Prefeitura em 1988, que conseguiu reunir 2,5 milhões de dólares.

(Fonte: Veja, 25 de julho de 1990 – ANO 23 – Nº 29 – Edição 1140 – ARTE – Pág: 102/103)

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