António Maria Pereira (Lisboa, 12 de Fevereiro de 1924 – Lisboa, 28 de Janeiro de 2009),
Antóno Maria Pereira, que se tivesse nascido americano haveria sido António Maria Pereira III, depois de pai e avô com exatamente os mesmos nome e apelido (e caso desse um filho ao mundo, afirmava, assim lhe chamaria também), morreu em Lisboa, onde nascera, se formara em Direito e vivia numa bela casa desafogada ao lado do Jardim da Estrela, no passado dia 28 de Janeiro, vítima de forma particularmente rápida e penosa da doença de Parkinson – entre diagnóstico e morte, galoparam três anos de sofrimento e isolamento cada vez maiores – tendo o corpo sido velado na Basílica; embora agnóstico, sempre respeitara os costumes da cidade desde que estes não indignassem a sua consciência ou entravassem a sua liberdade.
Não descurou a Parceria, editora que tornara o nome da família conhecido através de gerações por dar chancela a grandes mestres da língua portuguesa, mas acrescentou-lhe como razão de vida, de combate e de alegria a advocacia primeiro, a política parlamentar a seguir e, entrosada em ambas, a exortação moral dos seus conterrâneos ao respeito por direitos humanos, direitos dos animais e defesa da propriedade intelectual. Ficou-se-lhe a dever legislação inovadora, defesa acérrima do interesse português lá fora e esclarecimento público em livros e artigos escritos com verve.
Poliglota, dotado de espírito sintético, eficacíssimo na concepção e apresentação de argumentos, sabendo rodear-se de colegas mais novos talentosos, cedo impressionara clientes nacionais e estrangeiros, fundara o primeiro grande escritório lisboeta de advocacia internacional, conhecera sucesso e fizera fortuna mas os triunfos da barra e os confortos da prosperidade não lhe chegavam. Desde antes do 25 de Abril que se manifestara contra injustiças sociais e leis opressivas e a seguir à queda do Estado Novo filiara-se no PPD e metera-se à prática política, tendo estado próximo de Sá Carneiro e depois de Cavaco Silva.
No fundo tinha a alma de um liberal do século XIX, sempre aberta a novidades que alargassem o seu leque de liberdades e tolerância mas sempre fechada a projectos, quer de salvação autoritária, à direita, quer de salvação totalitária, à esquerda. De caminho, num mundo cada vez mais anglicizado, criou o clube Voltaire que trouxe a Lisboa o melhor da intelectualidade francesa virada para a coisa pública.
Assim se manteve, incorruptível. Quando, em 1985, Cavaco Silva formou o seu primeiro governo, muita gente no PSD (incluindo o próprio António) esperava que ele fosse o ministro dos Negócios Estrangeiros. Não aconteceu e a sua desilusão foi enorme mas tal não lhe esmoreceu a militância, a lealdade ao chefe e o entusiasmo com que se batia pelas causas que lhe eram queridas. Nem sempre era incontroverso, mesmo para admiradores: discordei dele, por exemplo, quanto ao mérito do Tribunal Criminal Internacional, que discutimos várias vezes (ele era por).
Quando hoje olho para trás acho que a nossa discordância vinha sobretudo de uma diferença de base a seu favor: era homem de muito mais fé, esperança e caridade do que eu. A crença na prevalência da virtude fazia-o às vezes parecer ingénuo e não lhe teria valido se tivesse sido ministro dos Negócios Estrangeiros mas, juntamente com a coragem que possuía a rodos – a mais nobre das virtudes e a única que não se pode fingir – deu-lhe vitórias políticas e morais, apesar de alarido soez de opositores à partida benquistos do público, como quanto ao tiro aos pombos e às corridas de touros.
Teve vida sentimental intensa e, até ao último casamento, muito variada. D. Juan português, era diferente da maioria dos membros da espécie pois não tratava as namoradas com a desconfiança de quem esteja sempre à coca de traição nem as seduzia ‘para as castigar’ (como os marialvas achavam que um homem devia fazer). Fofocas alfacinhas davam-no por amante de grande competência mas o seu amor às mulheres vinha do fundo do coração, com alegria, bondade, respeito e ternura.
(Fonte: http://expresso.sapo.pt/antono-maria-pereira-1924-2009=f496978#ixzz36y31O0mo – Opinião > José Cutileiro – 11 de Fevereiro de 2009)