A BUSCA DE UMA IDENTIDADE NACIONAL
Ao criar um livro, um quadro ou uma canção, o artista brasileiro tem uma preocupação a menos: parecer brasileiro. A noção de cultura nacional é algo tão incorporado ao cotidiano do país que deixou de ser um peso para os criadores.
Agora em vez de servir à pátria, eles podem servir ao próprio talento. Essa é uma conquista que teve como marco a Semana de Arte Moderna de 1922, uma espécie de grito de independência política. Até esta data, o brasileiro era, antes de tudo, um envergonhado. Achava que pertencia a uma raça inferior e que a única solução era imitar os modelos culturais importados. Para acabar com esse complexo, foi preciso que um grupo de artistas de diversas áreas se reunisse no Teatro Municipal de São Paulo e bradasse que ser brasileiro era bom.
O escritor Mário de Andrade lançou o projeto de uma língua nacional. Seu colega Oswald de Andrade propôs o conceito de antropofagia, segundo o qual a cultura brasileira criaria um caráter próprio depois de digerir as influências externas.
A semana de 22 foi só um marco, mas pode-se dizer que ela realmente criou uma agenda cultural para o Brasil. Foi tentando inventar uma língua brasileira que Graciliano Ramos e Guimarães Rosa escreveram suas obras, as mais significativas do país no campo da prosa. Foi recorrendo ao bordão da antropofagia que vários artistas jovens, nos anos 60, inventaram a cultura pop brasileira, no movimento conhecido como tropicalismo. No plano das idéias gerou-se três obras que se tornariam clássicos da reflexão sobre o país. Os Sertões, do carioca Euclides da Cunha, escrito em 1902, é ainda influenciado por teoria racistas do passado, que achavam que a mistura entre negros, brancos e índios provocaria um enfraquecimento da raça brasileira.
Casa-Grande & Senzala, livro do pernambucano Gilberto Freyre, apresentou pela primeira vez a miscigenação como algo positivo e buscava nos primórdios da colonização portuguesa do país as origens da sociedade que se formou aqui.
O paulista Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, partiu de premissas onde propunha uma visão crítica, que influenciaria toda a sociologia produzida a partir de então. Também marcou-se o surgimento, no país de uma indústria cultural forte. Setenta e cinco por cento da música consumida no mercado interno é autóctone. Isso significa que se toca mais música brasileira no Brasil do que francesa na França ou alemã na Alemanha. A televisão, implantada no país em 1950, criou uma linguagem própria.
A música e a novela viraram produtos de exportação. O chapéu de fruteira de Carmen Miranda e a praia paradisíaca evocada pelas músicas de Tom Jobim são os principais cartões de visita culturais do Brasil no exterior.
(Fonte: VEJA, 22 de novembro de 1999, Século 20-Cultura Nacional – Ano 32-N.º51 – Edição 1629 Pág.282)