Benigno Aquino, líder da oposição, era o mais festejado herói da oposição à ditadura de Ferdinand Marcos nas Filipinas

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Benigno Aquino (Concepción, Tarlac, Filipinas, 27 de novembro de 1932 – Manila, 21 de agosto de 1983), ex-senador, líder da oposição nas Filipinas, era o mais festejado herói da oposição à ditadura de Ferdinand Marcos nas Filipinas. Se notabilizou pela oratória, pelas articulações como senador do Partido Liberal e governador do Estado de Tarlac, e por uma competência só disputada, na recente política filipina, pelo próprio Marcos.

Ele fora preso e sentenciado em Manila, em 1972, quando Marcos trocou sua segunda gestão presidencial por uma ditadura que se manteve até 1986. Oito anos depois, com sua sentença comutada, Aquino teve permissão para viajar aos Estados Unidos a fim de submeter-se a uma operação de ponte de safena. Após o tratamento, contudo, o ex-senador declarou-se “no exílio”, uma situação que nesses últimos três anos acabou interessando sobremaneira ao regime de Marcos. “Se voltar”, advertiu Imelda, enigmaticamente, “você será preso para sua própria segurança.”

Ferdinand Marcos tentou de tudo para impedir que ele retornasse. O presidente chegou a despachar sua mulher, a poderosa Imelda Marcos, para Nova York, para um encontro com Aquino em maio de 1983. “Pense em sua família. Vocês podem ficar nos Estados Unidos e aproveitar a vida”, dissera-lhe Imelda. Nesse encontro, que durou mais de 3 horas, toda a situação de Aquino foi repassada.

O recurso seguinte de Marcos foi recusar-lhe novo passaporte – o dele havia expirado em 1981. Marcos decidira também que nenhuma empresa aérea poderia trazer passageiros sem documentos – sob pena de multas e até de ter suas rotas cassadas para a Filipinas. Um último contato entre os dois adversários, em julho, foi um pedido para que Aquino adiasse a viagem, a fim de que seus inimigos “fossem postos sob controle”, segundo Marcos. Aquino aceitou adiar a viagem de 7 para 21 de agosto – prazo menor do que Marcos lhe havia pedido.

REGIME SÓLIDO – “Há muito tempo aceitei o assassinato como uma eventualidade na vida pública”, dizia ele profeticamente numa recente entrevista à revista americana Newsweek em sua casa, próxima ao Instituto Tecnológico de Massachussetts, onde dava aulas. “Disponho-me a encarar qualquer assassino.” A insistência de Aquino em retornar a seu país continha mais que simples teimosia: ele temia que o tempo e os 16 000 quilômetros de distância desintegrassem seu precioso capital político – 28 anos de atividades.

A esquerda radical, que ganhou espaço na vida das Filipinas na década de 70 e 80, vinha vendendo sua imagem como a de um “negociador” que sequer recusava manter encontros com figuras do regime. Aquino não fazia segredo de sua estratégia: o regime de Marcos, entendia ele, não duraria mais que três anos – e ele queria estar no país, mesmo que preso, para atuar num eventual período de transição. “Houve um êxodo do capital, nossos melhores tecnocratas e doutores estão indo embora, há 7 milhões de desempregados”, raciocinava Aquino.

Os últimos passos de Aquino em direção ao seu trágico final estão entremeados de ironias.

Um reencontro fatal

O líder da oposição nas Filipinas, Benigno Aquino, volta ao país – para morrer baleado na nuca, ainda no aeroporto, sob a proteção dos militares

No chão do Aeroporto de Manila, a capital das Filipinas, um corpo estirado de bruços, com o sangue a esvair-se da cabeça, e um outro crivado de balas estampavam uma tragédia de inesperadas proporções. O homem de bruços, apressadamente carregado para um furgão por agentes de segurança que deveriam tê-lo protegido, era o mais festejado herói da oposição de Ferdinand Marcos – o político Benigno Aquino, 50 anos, que decidira voltar de um exílio voluntário de três anos nos Estados Unidos.

O outro corpo, que na confusão geral ali foi deixado numa poça de sangue por 5 horas seguidas, era o de seu assassino – um homem disfarçado de funcionário do aeroporto, que liquidou Aquino à queima-roupa com uma única bala de uma pistola Magnum .357 assim que o ex-senador, acompanhado de três policiais que haviam entrado no aparelho para  escolta-lo, desceu as escadas do Boeing 767 da China Airlines procedente de Taipé, Formosa.

Em instantes o furgão desaparecera na pista, rumo a um hospital. Dezenas de passageiros precipitaram-se para ver a cena sem nada entender. Um dos passageiros era o jornalista japonês Ken Kashiwahara, da cadeia de televisão americana ABC, e cunhado de Aquino, que 2 minutos antes havia implorado aos policiais que o deixassem descer junto à escada.

Uma outra testemunha ocular, o jornalista japonês Kiyoshi Wakamiya, da agência de notícias Kyodo, sustenta que Aquino foi morto por três agentes de segurança, e que o “assassino” foi jogado do furgão no chão do aeroporto, momentos antes de ter seu corpo varado de balas. Engrossando as suspeitas contra o governo, familiares de Aquino perguntavam como alguém conseguiria, sem a ajuda governamental, furar o rígido esquema policial do aeroporto, e ainda saber qual o voo exato que trazia o exilado – um segredo que Aquino manteve guardado até de íntimos colaboradores. Além disso, ao disparar uma única bala, fatal, na nuca de Aquino, seu matador parecia estar informado de que ele usava um colete à prova de balas.

ÚLTIMOS PASSOS – Os capítulos da tragédia, ocorrida dia 21 de agosto de 1983, fizeram disparar a eletricidade política nas Filipinas – um país de pouco peso e presença na cena internacional e cuja notoriedade deriva da singular ditadura ali exercida por Ferdinand Marcos. Indiferente às tentativas de explicações oficiais, e tomada de indignação, uma multidão de 500 000 pessoas, a maior concentração política já vista na história do país, superlotou os 2 quilômetros entre a casa de Aquino e a igreja de São Domingos, para onde seu corpo foi levado.

Todos os setores da oposição, por sua vez, fazendo coro à família de Aquino, acusam o governo de ter tramado tudo para livrar-se do incômodo adversário. Somente o presidente Marcos, cuja mão forte há dezoito anos marca a vida dessa ex-colônia da Espanha e dos Estados Unidos no Sudeste da Ásia, acusa os comunistas, promete rigorosa investigação do episódio e escuda-se em advertências previamente feitas a Aquino.

Seu trágico fim no aeroporto, contudo, mostrou uma outra realidade importante das Filipinas – a de que Ferdinand Marcos demonstrou uma capacidade enorme de governar, articulou e controlou o país e fez dele um homem à parte no círculo de autocratas á época no poder ao redor do mundo.

Por dezoito anos, Marcos conseguiu manter a oposição dividida e grande parte da imprensa a seu favor. Aos 65 anos, entre rumores de que estaria muito doente, manteve os líderes militares inteiramente fiéis. Sobreviveu facilmente a grandes escândalos nacionais – como a construção de um luxuoso hotel apenas para abrigar convidados ao casamento de uma filha, em junho de 1983, e ao sequestro de um famoso esportista que se casara secretamente, em 1982, com sua outra filha. Outro feito à época foi obrigar os 250 000 filipinos que trabalhavam no exterior, quase todos em construção civil no Oriente Médio, a remeter 70% de seus salários para o país.

Mas para o tarimbado ditador o episódio no aeroporto trouxe-lhe prejuízos: Marcos teve de desdobrar-se, mais uma vez, para limitar o desgaste provocado pelo crime em seu regime, seja pelas suspeitas de que estava por trás do assassinato, seja pela constatação de que não conseguiu evita-lo. O fim de Aquino acarretou, além disso, uma perigosa analogia histórica – a morte de outro líder nacional, José Rizal (1861-1896), no século XIX. Rizal também voltava do exílio, e foi igualmente morto em sua chegada pelas tropas espanholas que mantinham a colônia sob o controle de Madrid. Dois anos depois, as Filipinas conseguiam libertar-se do controle espanhol.

 

(Fonte: Veja, 31 de agosto de 1983 – Edição 782 – INTERNACIONAL – Pág: 48/49)

 

 

 

 

 

 

 

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