Bertha Becker (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1930 – Rio de Janeiro, 13 de julho de 2013), geográfa política que deixou legado sobre desenvolvimento da Amazônia ‘em pé’
“A floresta precisa ter valor em pé”. Este era o mantra da geógrafa política Bertha Becker, que deixou um legado de quase meio século de estudos sobre a Amazônia. Para Bertha, era preciso pensar o desenvolvimento da floresta, não apenas sua preservação; dar motivos para aqueles que enriquecem, ou simplesmente tiram seu sustento da mata, quererem preservá-la.
A geógrafa queria ver institutos de pesquisa e indústrias de ponta tomando espaço da economia predatória que destrói a Amazônia. Inteligente, e, não raro, polêmica, Bertha deixou sua marca em diversos institutos de pesquisa, nas políticas públicas do governo brasileiro, entre os diplomatas — foi professora no Instituto Rio Branco — e em todos que se aventuram em estudos sobre a região que ocupa mais de 60% do Brasil.
— O primeiro (legado de Bertha) é o do Brasil mudar o foco de seu olhar tradicional, de terra, para um de territórios. Ou seja, uma visão qualitativa e não quantitativa, com os atributos humanos, culturais, econômicos, em vez de uma visão de meros hectares — lembra Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, à qual a geógrafa era associada. — O segundo (legado), da geografia, e das ciências em geral, de se integrar melhor à política — continuou, ainda incluindo um terceiro, de mostrar as mudanças na formulação de políticas públicas na sociedade contemporânea.
Bertha defendia que cabia aos cientistas engajados em estudos na Amazônia abraçar seu papel político. Filha de imigrantes, ela era descrita como nacionalista e desenvolvimentista. Tinha verdadeira paixão pela Amazônia e defendia a ocupação de seu território pelos brasileiros. Foi abordada algumas vezes pelos tecnocratas de Brasília para se juntar a eles. Mas sempre disse não. Queria ser uma acadêmica. Política, mas acadêmica.
O Zoneamento Ecológico-econômico para os estados da Amazônia Legal e o Macrozoneamento da Amazônia Legal, recentemente transformado em política territorial para a região pelo Congresso Nacional, são apontados como as políticas públicas mais importantes sob influência de Bertha por Cláudio Egler, professor do Departamento de Geografia da UFRJ, autodeclarado discípulo da geógrafa. O trabalho é um estudo detalhado que destrincha a realidade amazônica e orienta ações estratégicas. Dessa forma, a área foi dividida em diversas partes, cada uma com seu papel, incluindo preservação rigorosa, aproveitamento para a agroindústria, entre outras. Bertha sabia dialogar.
— Bertha acreditava na colaboração entre os conhecimentos tradicionais e a ciência, tecnologia e inovação avançadas — conta Cláudio Egler.
Os estudos de Bertha sobre a região começaram nos anos 1970, depois de a pesquisadora começar a dar aulas a jovens diplomatas no Instituto Rio Branco — trabalho a que se dedicou por 10 anos. Mas talvez seja ela mesma a pessoa mais influenciada por suas aulas. Em entrevista à TV Univesp, de São Paulo, no ano passado, a estudiosa conta que, quando pesquisou para montar o curso para os diplomatas, encontrou a geografia política e “se casou” com ela.
Neste longo casamento, Bertha fez de tudo para descobrir a Amazônia em seus mínimos detalhes. Começou por um caminho inesperado: as cidades. Isso a orientou por toda a vida, pois Bertha estava sempre atenta, em todas as suas proposições, às mais de 20 milhões de pessoas que vivem na chamada Amazônia Legal.
— Ela ajudou o governo a fazer uma política sem exageros. Nem exageradamente protecionista, no sentido de desenvolver, e também não exageradamente não-protecionista, no sentido de destruir — conta Lia Osório Machado, professora aposentada da UFRJ, amiga de Bertha desde 1959. — Ela procurava sempre conciliar as posições para obter algo de concreto.
Para a jornalista Míriam Leitão, colunista do GLOBO que entrevistou a geógrafa repetidas vezes, a ausência desta habilidade de Bertha, e de sua visão de futuro, serão sentidas nos debates sobre a região amazônica nas próximas décadas.
— Uma inteligência como a dela faz muita falta, principalmente neste momento em que o país ainda não sabe o que fazer com a Amazônia e ainda erra — diz Miriam.
A pesquisadora defendia opiniões polêmicas em nome de sua bandeira. Não era, por exemplo, a favor da Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação (Redd), que prevê recompensas para aqueles que não desmatam a floresta. Para ela, o programa era prejudicial ao desenvolvimento de cadeias produtivas na região. Bertha queria ver o florescimento da indústria do guaraná, do açaí, dos fármacos, cosméticos. Queria ver a imensidão amazônica dando frutos biotecnológicos ao PIB brasileiro.
Bertha, contudo, sempre oferecia espaço a quem era contrário a suas ideias. O consultor em sustentabilidade e ambientalista pioneiro Fábio Feldmann admite ter tido suas divergências com a pesquisadora, mas sempre em tom de conciliação:
— Ela era uma acadêmica muito aberta. Talvez a geógrafa brasileira mais respeitada no mundo hoje — conta. — Toda a discussão sobre Amazônia está permeada pela opinião da Bertha. Ela era uma pessoa indispensável para essas discussões no Brasil.
(Fonte: http://oglobo.globo.com/amanha-9140213 – SOCIEDADE – CIÊNCIA – POR MANUELA ANDREONI – 23/07/2013)