Bill Finger, foi a principal influência na criação de um ícone cultural, cocriador do Batman

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Identidade secreta: Cocriador do Batman morreu anônimo e na miséria

 

Bill Finger, foi a principal influência na criação de um ícone cultural, cocriador do Batman (Foto: Therefore I Geek/ Divulgação)

 

Milton “Bill” Finger (Denver, Colorado, 8 de fevereiro de 1914 – Manhattan, Nova York, 18 de janeiro de 1974), foi roteirista do Morcego de 1939 até a década de 1960. Foi a principal influência na criação de um ícone cultural, cocriador do Batman, juntamente com Bob Kane (1915-1998). Kane fez o esboço do personagem, o qual Finger deu várias sugestões.

Bill Finger foi a principal influência na criação de um ícone cultural, mas nunca recebeu o crédito que merecia em vida.

Por décadas, uma lenda perdurou no mundo dos quadrinhos: em 1939, após o sucesso sem precedentes do Superman na revista “Action Comics”, o editor Vin Sullivan da National Publications pediu a artistas para que criassem um novo super-herói, agora com um toque mais investigativo, para a chamada “Detective Comics”.

Um destes artistas era Robert Kahn – mais conhecido como Bob Kane -, um jovem de 18 anos que prometeu criar um novo personagem em um fim de semana. Com base em obras como “A Marca do Zorro”, “O Sombra” e até mesmo Leonardo da Vinci, o garoto elaborou um vigilante da noite, um super-herói sem poderes mas com grandes habilidades de dedução, capaz de aterrorizar bandidos comuns.

Sozinho, Bob Kane criou um dos maiores ícones da cultura pop, que apareceu pela primeira vez na “Detective Comics #27”: Batman, o Cavaleiro das Trevas.

 

Bill Finger

Capa da primeira aparição do Batman (Imagem: Reprodução)

 

A verdade, porém, é que quase nada do que está escrito acima realmente aconteceu.

Embora seja possível creditar o conceito inicial e algumas ideias a Kane, praticamente tudo o que entendemos sobre o Batman – seu visual, suas histórias, até mesmo a origem do personagem – existe graças a outro homem: Milton “Bill” Finger, que foi roteirista do Morcego de 1939 até a década de 1960.

 

A indústria dos quadrinhos tem a fama de não ser particularmente justa com suas mentes criativas: Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Homem de Aço, viveram boa parte de suas vidas em batalhas legais com a DC Comics; Jack Kirb, como já contamos anteriormente, ajudou a criar muito do Universo Marvel sem nunca receber reconhecimento do grande público ou enriquecer como os executivos da editora.

Ainda assim, nenhuma destas grandes injustiças se compara ao que aconteceu com Finger que, graças ao ego de Kane e às políticas de emprego da DC Comics, morreu endividado e no esquecimento após elaborar as fundações de um dos grandes ícones modernos. Mas, pelo menos, esta história está começando a mudar.

 

Bill e Bob

 

Pouco se sabe sobre a vida de Bill Finger antes de sua parceria com Bob Kane. De origem judia, ele nasceu em 1914 em Denver, no Colorado, e sua família eventualmente emigrou para a região do Bronx, em Nova York.

Apesar de terem estudado no mesmo colégio, os dois se conheceram apenas em 1938, durante uma festa. Bill tinha aspirações de ser um escritor renomado, conhecido por romances e contos. Precisando sustentar sua mulher e filho, porém, ele aceitou servir como escritor-fantasma de revistas como “Rusty and His Pals” e “Clip Carson”, com Bob assinando pelos dois e lidando com os editores.

Isto se repetiria por boa parte de suas carreiras.

Em uma fatídica sexta de 1939, Vin Sullivan perguntou a Bob Kane – que na época tinha por volta de 23 anos, e não 18 como gostava de dizer – se conseguiria criar um super-herói nos moldes do Superman para a “Detective Comics”, citando que Shuster e Siegel estavam faturando quase US$ 1 mil por mês com suas histórias.

Tentado com a possibilidade de ganhar uma quantia parecida, Kane disse que traria o novo personagem na segunda.

Imediatamente, Bob foi à prancheta e começou a desenhar. O herói que acabou bolando tinha uma roupa vermelha, uma máscara dominó (não muito diferente da que Robin viria a ter) e um par de asas artificiais nas costas – inspiradas de verdade pelos trabalhos de Leonardo da Vinci.

 

Visual inicial do Batman, elaborado por Bob Kane (Imagem: Reprodução)

 

Sabendo que o conceito seria imediatamente rejeitado, Bob acabou recorrendo a Bill Finger, que retrabalhou quase todos os aspectos do personagem: a roupa passou a ser cinza; a máscara virou um capuz com duas pontas e frestas brancas no lugar dos olhos; as asas acabaram virando uma capa que lembravam um morcego.

Mais do que isso, Finger também bolou a identidade secreta deste personagem, usando o molde do “socialite entediado” de heróis populares como o Sombra, o Fantasma e o Besouro Verde para a persona de Bruce Wayne.

Bob redesenhou o personagem com base nas sugestões de Bill, e assim surgiu o chamado “Bat-Man”.

Kane voltou para Sullivan na segunda mostrando seu super-herói, sem citar seu colaborador. Ao contrário de Shuster e Siegel (e Finger), Bob sabia negociar com editoras, e embora detalhes do acordo nunca tenham sido divulgados, sabe-se que conseguiu não só controle criativo como também direitos sobre o personagem, sendo considerado o único criador do Bat-Man.

Finger continuaria a servir como escritor-fantasma, mas para todos os propósitos Bob Kane era visto como o criador do novo super-herói, algo que não seria refutado por décadas.

Em maio de 1939, “Detective Comics # 27” chegou às bancas, e o resto é história.

 

Finger continuou a expandir o universo do Homem-Morcego, incluindo a criação de seu companheiro Robin (Imagem: Reprodução)

 

Identidades secretas

 

É difícil dizer com absoluta certeza o quanto Bob Kane colaborou criativamente com as HQs do Bat-Man (mais tarde renomeado apenas de “Batman”) após a “Detective Comics #27”

Kane era um artista relativamente talentoso (embora seja difícil compará-lo a contemporâneos como Will Eisner e Jack Kirby), e sabia muito bem como tornar a figura do Homem-Morcego imponente e intimidadora.

Com o passar do tempo, porém, ele deixou cada vez mais as ilustrações para artistas-fantasma – o que, sendo justo, era uma prática comum na época.

Bill Finger, por sua vez, continuou a expandir a mitologia do Homem-Morcego em suas histórias. Robin, o Menino Prodígio, surgiu na “Detective Comics #38” como uma espécie de Watson de Batman. A Batcaverna e o Batmóvel também foram ideias que surgiram por parte dele, assim como o nome “Gotham City”.

Mais do que isso, ele foi o grande responsável pela ideia de que Bruce Wayne foi moldado pelo assassinato dos pais, trazendo mais nuance do que se esperava de um personagem do tipo. Como escreve o escritor e historiador Gerard Jones no livro “Men of Tomorrow”: “Finger era capaz de ver o cerne das histórias do que apenas suas peças. Jerry Siegel poderia ler ‘O Conde de Monte Cristo’ e ver lutas de espadas. Bill Finger via o ódio preso a uma promessa de vingança. Ele transferiu isso ao Batman e tornou uma cópia barata do Superman em um personagem com alma.”

“Ele havia encontrado, por meio da lógica de um contador de histórias, o coração secreto dos super-heróis.”

Outros também ajudaram a moldar o personagem durante estes primeiros anos: Gardner Fox foi um roteirista contratado para cobrir Finger – que não era conhecido por entregar histórias no prazo – e foi responsável pelo famoso cinto de utilidades; Jerry Robinson era um artista e estudante de jornalismo de 17 anos que foi o principal responsável pelo design de personagens como o Coringa (inspirado pelo visual de Conrad Veidt no filme “O Homem que Ri”, apresentado a ele por Bill Finger), Robin e o mordomo Alfred Pennyworth.

 

Kane, por sua vez, é creditado historicamente por figuras como o Espantalho, Mulher-Gato e o Pinguim – embora acredite-se que até este último talvez seja uma ideia original de Finger.

De qualquer forma, todas as outras contribuições eram essencialmente anônimas, e para qualquer fã casual ou assíduo, Bob Kane era a única mente por trás das aventuras do Cavaleiro das Trevas – apelido, aliás, também criado por Bill Finger.

 

O clássico seriado dos anos 60 foi um ponto de virada nas carreiras de Bob Kane e Bill Finger – para bem e para mal (Imagem: Reprodução)

 

Descanse em Paz

 

Os anos 1960 foram grandes opostos para os criadores do Batman: enquanto Bob Kane ganhava cada vez mais fama e reconhecimento, Bill Finger sofria para pagar as contas.

A principal causa disso foi o icônico seriado “Batman”, estrelado por Adam West e Burt Ward, que virou uma sensação mundial. Kane, que havia renegociado os direitos do personagem em 1946 ao dizer que era um menor em 1939 – sua certidão de nascimento havia desaparecido muitos anos antes -, não só enriqueceu como ganhou fama em Hollywood como criador da Dupla Dinâmica.

Finger, enquanto isso, continuou a escrever as HQs até meados da década de 60, quando ele e outros da velha guarda foram substituído por uma nova geração de roteiristas e artistas, que cresceram lendo as histórias de Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Capitão América, Namor, entre tantos outros.

 

Bem longe de conseguir realizar seu sonho de ser um autor reconhecido, Finger passou a fazer “bicos”, escrevendo desde anúncios e propagandas até roteiros de seriados – entre eles, curiosamente, um episódio de “Batman”, sendo esta a única vez em vida que foi creditado por uma história do ícone que ajudou a criar.

Em seus últimos anos, o escritor se mostrou amargurado com o tratamento que recebeu da DC Comics e de Bob Kane, chegando a dizer em uma de suas únicas entrevistas que foi apenas uma “ferramenta” do artista.

Com o casamento arruinado, saúde debilitada e incapaz de pagar as contas, Bill Finger morreu em 18 de janeiro de 1974, aos 60 anos, sozinho em seu apartamento. “Um pequeno e triste fim”, nas palavras do amigo e colaborador Charles Sinclair, que encontrou o corpo.

Inicialmente, acreditava-se que Bill havia sido enterrado em um cemitério de indigentes. Na verdade seu filho, Fred, cremou o corpo e levou as cinzas para uma praia no Oregon, depositando-as em um desenho de um morcego antes delas serem levadas pelo mar.

 

“Ao vencedor, os espólios”

 

Antes da morte de Bill, alguns fãs mais assíduos já haviam começado a descobrir que Bob Kane não era a única mente criativa por trás do Batman.

Jerry Bails, um dos maiores entusiastas de quadrinhos que já viveu, entrou em contato com a DC Comics e diversos editores perguntando quem mais trabalhava nas histórias do Cavaleiro das Trevas, e o nome mais recorrente das respostas que recebeu foi o de Bill Finger.

Por isso, em possivelmente sua única aparição pública, o roteirista foi convidado para a Comic-Con de Nova York, em 1965, onde deu detalhes sobre seu processo criativo. Bails, por sua vez, publicou um artigo na revista “CAPA-alpha”, falando mais sobre Finger e suas contribuições ao mundo dos quadrinhos.

Kane, em resposta, publicou uma réplica na revista para fãs “Batmania” dizendo que a verdade é que “eu, Bob Kane, sou o único criador de Batman”.

“A verdade é que Bill Finger está tomando crédito por muito mais do que ele merece, e refuto a maior parte de suas declarações neste texto”, escreveu. “O fato é que eu criei a imagem e visual do Batman sozinho, mesmo antes de falar com Bill para me ajudar a escrevê-lo. Eu criei o título, o cabeçalho, o formato e conceito, assim como o visual e roupa do Batman. Robin, o Menino Prodígio, também foi minha criação.”

No texto, Kane chega a conceder que Bill ajudou a criar alguns personagens (sem citar nomes) e o Batmóvel, mas também fez várias críticas a seu antigo colaborador, assim como a Jerry Bails.

“Há um velho ditado que diz ‘ao vencedor, os espólios’, e depois de todas as discussões sobre quem faz o que na linha de produção de ‘Batman’, e não subestimo toda a ajuda que recebi, tenho certeza que no folclore das lendas históricas dos quadrinhos de nossos tempos, eu sei que Bob Kane será lembrado como o criador do Batman, e ninguém mais.”

Ele não estava errado. Pelo resto de sua vida – e por muitos anos depois – Bob Kane foi considerado o único responsável pela criação do Homem-Morcego. Novos artistas e roteiristas, agora creditados, começaram a surgir, mas o nome de criador e criatura sempre estiveram ligados.

No máximo, sua reputação sofreu apenas entre fãs assíduos dos quadrinhos e certas figuras da indústria. Will Eisner, em particular, parece ter um desprezo particular pelo homem, a se julgar pelas declarações em “Men of Tomorrow”.

Após a morte de Bill, Bob começou a falar mais abertamente de suas colaborações com o personagem, chegando até a declarar na sua biografia “Batman e Eu”, de 1989: “Ele foi um herói anônimo… Por vezes digo à minha esposa, se eu pudesse voltar 15 anos no tempo, antes de sua morte, gostaria de lhe falar ‘Eu vou colocar seu nome nele agora. Você merece’.”

Ainda assim, até sua morte em 1998, Kane nunca voltou atrás, e chegou até a publicar um sketch (de autenticidade duvidosa) do que supostamente seria um precursor de Batman, que ele teria desenhado em 1934.

O único cocriador de Batman, de acordo com seu túmulo, foi Deus Todo-Poderoso.

 

Túmulo de Bob Kane (Imagem: Reprodução)

 

“DEUS trouxe um sonho a Bob Kane. Abençoado com inspiração divina e rica imaginação, Bob criou um legado conhecido como BATMAN”, diz o epitáfio. “Uma criação da ‘Mão de Deus’, Batman e seu mundo personificam a eterna luta do bem contra o mal, com as leis de DEUS prevalecendo no final.”

 

O Cavaleiro das Trevas Ressurge

 

Nos últimos anos, porém, o nome de Bill Finger começou a reaparecer. A iniciativa parece ter surgido da própria DC Comics, que ao republicar histórias clássicas do Batman passou a creditá-lo nos roteiros.

Enquanto isso, Marc Tyler Nobleman, um escritor de livros infantis e grande fã de super-heróis, iniciou uma cruzada pessoal de anos para que o nome de Bill estivesse ao lado de Bob Kane como criador do personagem. Esta epopeia acabou virando um documentário, “Batman & Bill”, lançado em 2017 no serviço de streaming Hulu.

 

Capa de “Bill the Boy Wonder”, de Marc Tyler Nobleman e Ty Templeton (Imagem: Reprodução)

 

Inicialmente, Nobleman acreditava que Bill não tinha herdeiros, já que Fred era parte da comunidade LGBT e faleceu por complicações relacionadas a AIDS em 1992. Foi só anos depois que o autor descobriu que o homem havia tido uma filha, Athena, e que ela sabia da história de seu avô.

Em 2014, Athena entrou com uma ação legal contra a DC Comics e a Warner Bros. para que Bill Finger fosse reconhecido como cocriador do Batman. Utilizando a pesquisa de Nobleman e até mesmo declarações de Bob Kane, a família fechou um acordo com a companhia para que seu nome fosse colocado em novas HQs, séries, filmes e qualquer outra coisa relacionada ao Cavaleiro das Trevas.

Sendo assim, “Gotham”, “Batman vs. Superman: A Origem da Justiça” e novas edições de “Detective Comics” e “Batman” incluem uma frase que não estava lá antes: “Batman criado por Bob Kane com Bill Finger.”

… O que é tecnicamente verdade, mas ainda não conta a história toda. Ainda assim, é melhor do que nada.

(Fonte: https://jogos.uol.com.br/ultimas-noticias/2017/05/19 – GEEK/ Por Victor Ferreira – Do UOL, em São Paulo – 19/05/2017)

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