Bob Wilson, norte-americano, diretor de teatro, responsável pela montagem, luz e cenário

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Ninguém fez mais pela renovação do teatro nas últimas décadas do que o norte-americano Bob Wilson, nascido em 1941, no Texas, provando, sem o ter desejado, que nem todo texano tem vocação para Bush. Poeta da cena, diretor de teatro, responsável pela montagem, luz, cenários e figurinos dos seus espetáculos, Wilson é um pós-moderno por excelência.
Para quem ainda não compreendeu o sentido dessa expressão pomposa, mas significativa, pós-modernidade quer dizer misturar, juntar, quebrar hierarquias, relativizar, deslocar o sentido, tirar a pureza, desmitificar, associar estilos considerados inconciliáveis, desmontar estruturas, carnavalizar, desacreditar o
princípio da identidade e da coerência, apostar no mínimo como efeito máximo, ironizar e ridicularizar a ideia de um sentido histórico. Bob Wilson faz tudo isso e mais um pouco. O seu teatro, que mistura dança, música e pintura, valoriza acima de tudo o visual. Mais do que contar histórias, põe em cena efeitos estéticos de forte impacto sobre o olhar. É assim desde que emplacou os primeiros grandes sucessos, entre os quais “Einstein on the Beach” (1976), em parceria com Philip Glass, o outro gigantesco minimalista que deu as caras em Porto Alegre neste
ano da graça de 2008; “Guerras Civis” (1986), com música de Glass e David Byrne, outro que deveria ter pisado no solo sagrado da capital gaúcha, mas, na última hora, deu cano em todo mundo e, sem dar bola para o contrato assinado, foi cantar de galo em outras paragens; e “A Vida e a Época de Josef Stalin” (1973), uma montagem peculiar para um minimalista, com rápidas e leves doze
horas de duração, algo que nem Zé Celso Martinez teve a coragem de tentar, exceto em experiências menos comerciais de três dias.
Todo bom minimalista deve ser, antes de tudo, um megalomaníaco realmente criativo. Na infância, quando o professor lhe perguntou o que seria depois de crescer, Bob não vacilou: “Rei da Espanha”. Conseguiu muito mais. Tornou-se o rei de um teatro renovado e agressivamente iconoclasta. O espectador não fica
indiferente às suas obras. Aplaude delirantemente ou dorme o mais profundo
dos sonos. Há duas possibilidades incontornáveis para quem assiste a um espetáculo seu: catarse ou terapia do sono. Qualquer dessas alternativas, bem entendido, têm um valor terapêutico inquestionável, sendo ambas recomendadas por especialistas dos mais diversos campos do saber. Bob Wilson é o máximo.
Quer dizer, o mínimo. O seu pós-modernismo é escancarado. Brutal.
O homem gosta de adaptações que vão de clássicos a contemporâneos.
Já se apresentou nas mais prestigiosas casas de ópera do planeta.
Em 1986, despertou a ira e a paixão de uns e outros com “Hamletmachine”,
montagem do texto de Heiner Müller. O crítico francês Marcos Eymar zombou da peça sugerindo que, na “ditadura dos diretores”, a grande atriz Isabelle Ruppert havia sido reduzida a um papel ridículo, chegando a pular como sapo, para que Bob Wilson pudesse brilhar com seus efeitos plásticos revolucionários e talvez um tanto estéreis.
A visão de mundo de Bob Wilson é estética. Ela não está preocupado com o realismo, mas com certo surrealismo. Quer mostrar aquilo que o olho nu não costuma captar no cotidiano, embora seja algo familiar e coberto apenas por uma fina camada de aparência. Bob Wilson, como toda artista radical, quer chocar ou,
em outras palavras menos rasteiras, provocar um choque na percepção do espectador desavisado.
Nem sempre consegue exatamente como pretende. Às vezes, apenas desgosta. Em “The Days Before: Death, Destruction and Detroit III”, por exemplo, roupas vazias levantam-se do palco enquanto uma atriz lê um texto de Umberto Eco sobre corpos em decomposição.
O artista vê nisso um “poema cênico”.
Quem não coloca experiências desse tipo entre as suas favoritas pode ficar tranqüilamente em casa vendo a novela das oito, cuja única surpresa é o fato de começar às nove.
Muitas vezes, é bem verdade, esse gênero de arte se torna incompreensível e exige a “bula” para que se possa conhecer os seus benefícios e os seus efeitos colaterais. Faz parte do preço.
Nada de anormal. Bob Wilson é bom mesmo. As críticas que recebe partem normalmente dos chatos modernos sempre reclamando unidade, mensagem, linearidade, pureza, clareza e outras estratégias receitadas ou teorizadas por Aristóteles e das quais o pessoal não consegue se livrar mesmo fazendo pose de inovadores ou exigindo novidades formais.
Bob Wilson meteu o pé na porta do teatro pós-moderno, colocou os seus espetáculos em cena e ainda deu uma banana para a crítica. O seu negócio não é fazer o diagnóstico do vivido em nome de uma arte do esclarecimento, mas simplesmente fixar o olho do espectador naquilo que, mesmo familiar, escapa-lhe por incapacidade de ver. A realidade é um imaginário.
Bob sabe disso. Mostra o real do imaginário e o imaginário do real. Deve ser por isso que para admirá-lo deve-se tomar como primeira providência tirar os pés do chão. Simples.

(Fonte: Correio do Povo – Ano 114 – Nº 53 – Especial/ FRONTEIRAS DO PENSAMENTO/JUREMIR MACHADO DA SILVA –SÁBADO / 22 de novembro de 2008 – Pág; 20)

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