Cody: a desmitificação da lenda
Búfalo Bill (26 de fevereiro de 1846 10 de janeiro de 1917), o mais famoso herói do oeste americano. E embora pareça exagerado o apelido que lhe conferiram o mais nobre dos caras-pálidas, na legendária figura de Búfalo Bill, foi um homem contraditório, angustiado, mas profundamente dedicado a seus ideais.
De fato, a histórica fama de Búfalo Bill repousaria principalmente no trabalho de relações públicas feito por um jornalista chamado Ned Buntline. À procura de uma personagem para seus folhetins, Buntline acabou encontrando um jovem soldado particularmente afeito à bebida e disposto a qualquer aventura que o transformasse em mito. Seu nome: William Frederick Cody.
Personagem de folhetim De personagem de folhetim, Bill logo se transformou em lenda viva, com façanhas tão mirabolantes quanto controvertidas. E é com fria objetividade que afirma-se que algumas delas nunca foram testemunhadas. Na época, aliás, ninguém se importava com isso. Os leitores simplesmente devoravam as histórias de Búfalo Bill. E, para calar uma crescente oposição à matança indiscriminada de índios e búfalos, governo e exército diretamente estimularam essa ânsia de escapismo.
Havia um lucro imenso na destruição da raça índia, na aquisição e exploração das terras tribais. E nada poderia disfarçar melhor esta e outras realidades do que a lenda e o mito. Se há índices de uma birrenta insistência em fatos verificáveis, que eles não sejam interpretados como desejo de se denegrir Cody, o homem, mas Búfalo Bill, a lenda.
Apesar desse desnudamento, ainda restam bastantes peripécias para se formar um esplêndido retrato da vida do oeste, principalmente quando o batedor se tornou um requitadíssimo astro dos palcos com seu show O Oeste Selvagem de Búfalo Bill. Nesse momento de sua vida, Cody surge mesmo como um simpático e dinâmico ator capaz de acreditar com veemência na personagem que representava.
De honestidade quase comovente, não deixou de tomar as suas bebedeiras com o amigo Wild Bill Hickok. Depois apresentava seus índios para a rainha Vitória, confraternizava com Texas Jack, Touro Sentado e Annie Oakley. Seu sucesso social foi tão grande em Londres que até Oscar Wilde não conseguiu esconder sua inveja. Como todo o final de um mito, este foi desmitificado, tendo o fim melancólico de Cody (1846-1917), como empregado de um circo, tentando sobreviver às custas de uma glória desgastada. Um fim miserável. Mas que acrescenta uma dimensão profundamente humana à imagem de William Frederick Cody, de certo modo um mero instrumento para interesses poderosos e inconfessáveis.
(Fonte: Veja, 7 de maio de 1975 Edição n° 348 LITERATURA/ Por Geraldo Galvão Ferraz – BÚFALO BILL/ Por John Burke Pág; 107/108)