Ciccillo, criador do Museu de Arte Moderna, Teatro Brasileiro de Comédia, Companhia Cinematográfica

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Ciccillo (São Paulo, 20 de fevereiro de 1898 – São Paulo, 16 de abril de 1977), empresário industrial e mecenas ítalo-brasileiro. Imagem altamente fascinante, polêmica e de importância absoluta com que Ciccillo Matarazzo passou à história da cultura no Brasil. Mais que apenas criador da Bienal, seu nome estava na raiz de todos os acontecimentos que dinamizaram a capital paulista da década de 50: Museu de Arte Moderna, Teatro Brasileiro de Comédia, Companhia Cinematográfica Vera Cruz, Comissão dos Festejos do IV Centenário. A cada um deles dedicou sem dúvida o melhor de suas energias – principalmente à Bienal, sua menina-dos-olhos, seu “mal incurável”.

Mas, se a Bienal lançou Ciccillo a uma invejável posição de destaque internacional e gratificou regiamente seu ego de empresário poderoso, ela mudou também os rumos da arte no Brasil, promovendo-o ao mesmo tempo à intelligentsia de todo o mundo. Um veterano funcionário da Bienal, Guimar Morelo, que dirigiu todo o setor de montagem da exposição, e acompanhou Ciccillo desde 1949, observou: “Todos os brasileiros, e não só os artistas ou intelectuais, devemos muito a ele. Conseguiu tornar o Brasil conhecido lá fora não apenas como a terra do futebol e do carnaval mas também como um país de arte e de cultura.

Arte na rua – O que teria levado esse paulistano filho de tradicional família de milionários (embora precocemente rebelde, a ponto de preferir fundar, na juventude, sua própria indústria em vez de prosseguir nos negócios do clã), a se transformar no principal motor da arte moderna no Brasil, em seu derradeiro mecenas e numa personalidade tão controvertida? Questionado a respeito em novembro de 1975, ele não soube explicá-lo. Confessou-se apenas um admirador empedernido do academismo, no início de sua vida: “Gostava, em certo sentido, de tudo o que se parecia comigo”. Em meados da década de 40, começou a prestar mais atenção à evolução da arte a seu redor. Pouco depois, o jornalista Assis Chateubriand (o penúltimo mecenas brasileiro) criava o Museu de Arte de São Paulo – dedicado sobretudo à arte tradicional. Num encontro com Ciccillo no Automóvel Clube de São Paulo, propôs-lhe que unissem seus esforços e fizessem alguma coisa juntos, “ali mesmo”. A resposta de Matarazzo foi negativa. E argumentou: “O que você quer fazer é coisa de Automóvel Clube. O que eu quero é na rua”.

Ou quase. Na prática, Ciccillo fundou o Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1948. E em 1951, quase que de improviso, concretizou a ideia de uma Bienal, semelhante à de Veneza, que Ciccillo diversas vezes visitara. Com o auxílio de sua primeira mulher, Yolanda Penteado (casar-se-ia, aos 74 anos, com Balbina Martínez de Zayas), conseguiu abrigar num improvisado barracão centenas de obras de diversos países, que dona Yolanda visitou e persuadiu a comparecerem. E a Bienal de 1954 – que se enquadrou no conjunto de festividades do IV Centenário de São Paulo – foi um sucesso nunca mais igualado, pois trouxe até o enorme mural “Guernica”, de Picasso, especialmente cedido pelo Museu de Nova York.

Sobre a estrutura montada a partir dessa época, Ciccillo reinou totalitariamente – e com alto custo a sua própria bolsa – por mais de vinte anos. Sua renúncia definitiva só viria em fins de 1975, consta que sob pressões de toda ordem, inclusive oficiais. “Mas não sei se seria possível levar a termo uma Bienal sem ser um pouco ditador”, argumentaria após renunciar, usando uma clareza de ideias que só parece ter começado a abandoná-lo nos últimos meses de vida. Por causa, exatamente, desse temperamento objetivo e quase inflexível, Ciccillo criou numerosas áreas de atrito.

A crítica de arte Maria Eugênia Franco, membro de júri de várias bienais, recorda: “Queríamos que as bienais fossem cada vez mais completas, mais certas, como conceito e realização. De uma para outra, pedíamos a Ciccillo que procurasse manter o mesmo índice de aperfeiçoamento existente entre a primeira e a segunda, por exemplo. Mas infelizmente ele não nos compreendia. Por falta de formação específica, interpretava como manifestação negativa o que era apenas tentativa de colaboração”.

Fins e meios – Pois de fato Ciccillo não estava culturalmente preparado para a monumental tarefa que assumiu – e que, apesar de tudo, conseguiu levar o bom termo. Com um curso de Engenharia na Europa interrompido pela I Guerra Mundial, o filho de Andrea e Virginia Matarazzo, primo do recém falecido conde Francisco Matarazzo II, e irmão da viúva condessa Mariângela (casada portanto com um primo), Ciccillo sempre fazia questão de repetir: “Eu não entendo de arte, eu não entendo de arte”. Mas também não dava liberdade de ação a seus eventuais colaboradores que dela entendessem. Do tempo em que representou o Itamaraty na Bienal, o crítico carioca Jayme Maurício recordou, em 1973: “Sempre que fazia qualquer crítica à Bienal, era tratado como persona non grata, não ouvido e hostilizado”. “Poderoso, despótico, afetivo, possessivo”, complementa Aracy Amaral, referindo-se diretamente a Ciccillo. E os depoimentos neste sentido poderiam se acumular: “Autoritário”, segundo o físico e crítico de arte Mário Schemberg: “um homem próprio de uma época, para quem os fins justificavam os meios”, segundo sua grande amiga, a rigorosa gravadora Maria Bonomi.

Mas contra Ciccillo, certamente, não se extravasaram graves ressentimentos principalmente porque a ninguém jamais escapou o significado real de sua contribuição. Sabe-se, por exemplo, que o motivo direto da ruidosa demissão, em 1974, da crítica de arte Radhá Abramo da direção executiva da Bienal Nacional foi a tentativa de intervenção de Ciccillo nos trabalhos do júri – a seu ver excessivamente rigoroso. Mas é a própria Radhá quem observou: “Era um homem contestador. Como toda pessoa, tinha o ser oficial à mostra e o ser verdadeiro guardado, e resistia muito para que não se percebesse esse último. Representou para o Brasil e a América Latina um papel de condottiere, que a classe à qual pertencia lhe possibilitou representar – só que um condottiere da cultura”. Também Bonomi, que lembra “brigas homéricas” com Ciccillo, assegura que “na hora de decidir ele não consultava ninguém”, mas reconhece que “como animador cultural será insubstituível”.

Enfim, talvez seja exagerada a afirmação de Manabu Mabe de que Matarazzo foi “o pai do artista brasileiro atual” – embora a frase possua sentido no caso de uma geração e uma tendência (a abstrata informal) à qual pertence o mestre japonês, e que a Bienal consagrou ao premiá-lo. Mas certamente não é exagero dividir a história da arte no Brasil em antes e depois do divisor de águas Bienal – e, portanto, antes e depois de Ciccillo.

“Depois que a gente morre sempre vira santo.” Dita pelo pintor Danilo di Prete – apontado como um dos protegidos de Francisco (“Ciccillo”) Matarazzo Sobrinho, a cuja influência se atribui, inclusive, sua premiação na I Bienal de São Paulo -, a frase contém, por certo, algum mistério. Como, aliás, todo o resto do testemunho que prestou ao repórter Antônio Carlos Guida, sobre seu velho patrono: “Vou ser sincero. Vários jornalistas já pediram que eu falasse sobre Ciccillo. Para mim é um pouco difícil, prefiro não opinar. Se eu dissesse a verdade, poderia ser prejudicial. Falar a verdade é uma coisa muito complicada. Fomos companheiros da primeira à última Bienal e reconheço que todos nós artistas devemos muito a ele. Ele assumiu o comando do barco e o levou até o porto. Como brigamos muito, de maneira construtiva, é melhor ficar quieto e deixar correr o barco”. Correntezas à parte -, sua posição resume no fundo à imagem fascinante e polêmica e de sua grande importância à cultura no país, ao desaparecer aos 79 anos, no dia 16 de abril de 1977, em São Paulo, vitimado por um enfisema pulmonar.
(Fonte: Veja, 27 de abril, 1977 – Edição 451 – CULTURA/ ARTE – Pág; 125/126)

CICCILLO MATARAZZO

Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo, nasceu em 20 de fevereiro de 1898 em São Paulo.A fortuna que Ciccillo veio herdar teve origem nas conquistas de seu tio, o Conde Francisco Matarazzo, um imigrante italiano que veio para São Paulo, negociar gordura de porco na região de Sorocaba, no século 19.
Na primeira década do século passado, a família havia acumulado um considerável capital que foi reinvestido em atividades industriais e comerciais. Em 1922, o Conde Francisco Matarazzo decidiu separar do seu conglomerado a metalúrgica que havia fundado em 1917e passou seu comando ao genro Julio Pignatari e para o sobrinho Ciccillo. A empresa passa a se chamar Pignatarari, Matarazzo e Cia e se expandiu rapidamente nas áreas de metalurgia, estamparia de embalagens e laminação.Em 1935, a empresa foi desmembrada e Ciccillo tornou-se o único proprietário da agora da Metalma – Metalúrgica Matarazzo.
Mas ser um grande industrial era pouco para ele. Ciccillo almejava conquistar reconhecimento e prestígio, muito difíceis para famílias imigrantes naquela época. Em 1945 conheceu intelectuais de projeção e representantes das elites paulistas. Com o convívio, sentiu-se atraído por atividades culturais. Seu interesse pela arte começou após conversas com o crítico de arte Sergio Milliet e o arquiteto Eduardo Kneese de Melo.
A partir daí, até sua morte, os principais eventos e instituições culturais paulistas tiveram a marca ou o incentivo de Ciccillo Matarazzo, tais como o Teatro Brasileiro de Comédia, a Cinematográfica Vera Cruz, a Cinemateca Brasileira, a construção do Parque do Ibirapuera, o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de São Paulo, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o Presépio Napolitano, o Balé do 4º Centenário e as representações brasileiras nas Bienais de Veneza.
Dentre todas essas iniciativas, a principal levou à criação da Bienal de Arte, cujas mostras estiveram sob seu comando durante 25 anos. A primeira exposição foi feita com a participação de amigos e colaboradores. Em 1948, montou uma subdivisão da Bienal: o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Em 1962, separou as duas entidades, tornando-as independentes e criou a Fundação Bienal de São Paulo.
Ciccilo Matarazzo era um visionário e conseguiu levar a arte brasileira contemporânea aos circuitos internacionais, possibilitando a atualização da cultura nacional através do contato com a produção mundial. Como presidente do MAM-SP e da Fundação Bienal de São Paulo, da qual esteve à frente até 1975, influiu na dinamização do mercado de arte, na formação de público e no incentivo à produção artística de vanguarda. Mais do que isso: investiu dinheiro, prestígio e capacidade empresarial para conferir à arte e à cultura o caráter institucional, profissional e moderno, adequado ao projeto de desenvolvimento da sociedade brasileira.
Ciccillo Matarazzo morreu na tarde de 16 de abril de 1977, no terraço de seu apartamento do Conjunto Nacional, na Av. Paulista. Conforme seu desejo, morreu olhando para São Paulo, cidade que tanto amou e ajudou a transformar da capital provinciana do início dos anos 30 em um dos centros econômicos e culturais mais importantes do mundo.

(Fonte: A Gazeta da Zona Norte – 27/03/2004)

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