Cícero Dantas Martins, primeiro e único barão de Jeremoabo, era dono de uma das maiores fortunas de todo o Nordeste brasileiro

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Cícero Dantas Martins (São João Batista de Jeremoabo, 28 de junho de 1838 – Bom Conselho, 1903), primeiro e único barão de Jeremoabo, era dono de uma das maiores fortunas de todo o Nordeste brasileiro. Cícero Dantas teve dezenas de fazendas e centenas de escravos, comandou legiões de vaqueiros, construiu uma usina de açucar, foi quatro vezes deputado e uma senador e figura como personagem no monumental Os Sertões, o épico de Euclides da Cunha sobre a guerra de Canudos, e é um dos principais personagens de A Guerra do Fim do Mundo, a recriação da saga de Antônio Conselheiro escrita pelo peruano Mario Vargas Llosa.

De todo esse poder e riqueza restaram apenas as memórias dos tempos de fausto. O barão de Jeremoabo que manteve por 100 anos sob sua influência uma área de mais de 25 000 quilômetros quadrados no agreste baiano – um pouco menor que a Bélgica – capital de seu império fundiário, a cidade de Itapicuru, a 200 quilômetros de Salvador.

Entre o barão e a história da tragédia da seca e uma decadência. Não tanto da linhagem dos Jeremoabo, mas das terras onde reinou o patriarca.

Os ventos da seca também contribuíram para dissipar os bens do barão de Jeremoabo. Euclides da Cunha já havia descrito, em Os Sertões, as multidões que vagavam pelas terras do barão: “De Chorrochó à Vila do Conde, de Itapicuru a Jeremoabo, não havia uma só vila, ou lugarejo obscuro, em que não contasse adeptos fervorosos, e não lhe devesse (a Antônio Conselheiro) a reconstrução de um cemitério, a posse de um templo ou a dádiva providencial de um açude.” 

Mas a seca, que se repete ciclicamente no Nordeste, não explica, por si só, o desmoronamento da aristocracia rural baiana, engolfando na mesma miséria até seus descendentes da terceira geração.

Foi, antes, a ausência de iniciativa econômica da aristocracia rural da região, seu desinteresse em desenvolver o agreste baiano, que fez com que o território que ela controlava permanecesse estacionado no tempo, e sem perspectivas para o futuro. O ciclo da dinastia do barão é, de certa forma, o exemplo dramático de uma decadência que se espalha por toda a história do interior do Nordeste.

A grande obra de Jeremoabo em suas terras foi a construção do palacete de Camuciatá, a 7 quilômetros de Itapicuru, inaugurado em 1894. Durante quatro anos, carros de boi transportaram placas de mármore importado, escadarias de jacarandá, grades douradas e a fina mobília que ornamentou os nove quartos da mansão.

No dia da inauguração, Jeremoabo abriu os salões, de mais de 200 metros quadrados, para receber, numa festa que durou três dias, as principais autoridades e aristocratas do sertão da Bahia e Sergipe. “No dia que os ingleses tomarem conta dessa terra, verão que neste sertão morou um homem de gosto”, profetizou o barão ao erguer um brinde de champanha francês aos seus convidados.

 

Os ingleses não tomaram conta daquelas terras, sabe-se que ali morou um “homem de gosto”, mas também se sabe que tamanha opulência não foi transmitida a seus descendentes. No agreste baiano, Jeremoabo apenas comprou mais e mais fazendas, e se limitava a percorrê-las, envergando seu fraque e colete, para fazer uma política eminentemente local.

Líder do Partido Conservador, disputava o poder na região com seu primo Manoel Pinto Sousa Dantas (1831-1894), do Partido Liberal, que foi primeiro-ministro no final do Império, em 1885. Sousa Dantas, nessas disputas paroquiais, contava com o apoio do segundo barão do Rio Real, outro latifundiário da época.

 

Itapicuru é o último bastião do poder político dos Jeremoabo.

 

O único investimento econômico de peso promovido pelo barão de Jeremoabo não foi feito em suas terras no agreste, mas no Recôncavo Baiano. Associado a seu sogro, Antônio da Costa Pinto, e a um cunhado, Manuel Lopes Costa Pinto, Jeremoabo construiu e inaugurou, em 1880, a primeira refinaria de açucar do Estado, em Santo Amaro. Num empreendimento fabuloso para a época, os três contrataram os serviços da companhia francesa Fives Lille, que foi encarregada de edificar o Engenho de Bom Jardim e recebeu 938 819 francos pela tarefa.

 

O engenho era capaz de produzir 200 000 quilos de açucar produzido pela usina foi enviado ao imperador dom Pedro II, que, com a boca adoçada, concedeu os títulos de conde a Antônio da Costa, de visconde a Manuel Lopes e de barão a Cícero Dantas Martins.

Como a dívida do barão de Jeremoabo e dos Costa Pinto fora contraída em moeda estrangeira, os três tiveram dificuldades em tornar o negócio rentável, pois estavam premidos pelas altas taxas de juros. Em 1891, o Engenho de Bom Jardim foi vendido e, num artigo escrito para o Jornal de Notícias em 6 de junho daquele ano, o barão queixa-se dos banqueiros e faz um balanço amargo do empreendimento.

“Trabalhamos doze anos para o Banco da Bahia, passamos por privações não pequenas e, afinal, perdemos em dinheiro mais de 400 contos”, escreve Jeremoabo. A perda monetária, apesar de considerável, não chegou a arranhar profundamente a fortuna pessoal de Jeremoabo, que continuou a espalhar a efígie do seu brasão pelo interior da Bahia.

A decadência da estirpe dos Jeremoabo, também foi forjada com a mudança do pólo econômico brasileiro do Nordeste para o Sudeste. Em Itapicuru, o barão de Jeremoabo não se preocupou sequer em construir um sistema de irrigação para aproveitar as nascentes do rio que passa ao lado da cidade. Com isso, a seca se manifesta com maior vigor nas terras que pertenceram a Jeremoabo. Em compensação, Jeremoabo importou uma xícara com uma borda especial, para evitar que seus bigodes ficassem sujos ao tomar café.

 

A xícara, o mobiliário, os quadros e outros apetrechos do barão de Jeremoabo estão hoje no palacete de Camuciatá. Os descendentes da família conservam a mansão como uma espécie de museu particular, onde guardam as cartas que o barão recebia e expedia, através de um sistema de correio particular, mantendo com pulso de ferro a ordem em suas terras.

Mas a melhor imagem da derrocada do baronato de Jeremoabo não está em Camuciatá, mas em Cícero Dantas, cidade que leva o nome civil do barão. Ali ele morreu e foi enterrado. A lápide que indica seu túmulo, no interior da igreja matriz, foi encoberta por um grande estrado, de onde o padre da cidade prega aos fiéis – em tudo alheios à riqueza e ao poder extintos.

Do grande latifúndio de Jeremoabo, a cada um coube sua parte. A região em que viveu herdou a estagnação econômica. Aos descendentes que saíram de Itapicuru coube integrar a classe média. E para outros, restou o reverso do brasão de Jeremoabo: pagar o preço pela derrocada do latifúndio.

 

(Fonte: Veja, 2 de novembro de 1983 – Edição 791 – ESPECIAL/ Por João Santana Filho, de Itapicuru – Pág: 76/77)

 

 

 

 

 

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