A primeira surrealista na América Latina
Maria Martins (Campanha, 7 de agosto de 1894 – Rio de Janeiro, 26 de março de 1973), escultora e embaixatriz, autora de “O Ritual do Ritmo”, obra exposta diante do Palácio da Alvorada, em Brasília, e dos livros “A Ásia Maior” e “O Planeta China”. Maria Martins faleceu dia 26 de março de 1973, aos 78 anos, de insuficiência cardíaca, no Rio de Janeiro.
(Fonte: Veja, 4 de abril de 1973 Edição n.º 239 DATAS Pág; 14)
Livro reúne obra de Maria Martins, primeira surrealista na América Latina
Considerada a primeira escultora surrealista da América Latina
Quando Maria Martins mostrou suas esculturas na Valentine Gallery em Nova York, um crítico chamou sua obra de “esquisita, complicada, fantástica”, um “rococó assustador”.
Era 1946 e a madame Carlos Martins, como era conhecida a mulher do embaixador brasileiro, parecia antecipar as críticas. Um dos trabalhos na mostra se chamava “Não te Esqueças que Venho dos Trópicos”.
Esculpiu uma mulher deitada de costas, com braços alongados e mãos em forma de garras. Martins descreveu depois a figura como personagem com “a crueldade de um monstro e a doçura de um fruto selvagem”.
Não está muito distante da fama que ficou dela mesma. Artista à frente de seu tempo, amante voraz e ao mesmo tempo a anfitriã da embaixada, Martins se dividiu entre mundos, um Brasil folclorizado e o furacão de vanguardas na ponte entre Nova York e Paris.
Sua obra ficou dispersa entre os continentes e agora ressurge catalogada no maior livro já lançado sobre a artista.
“Maria”, que a Cosac Naify entrega no fim deste mês, faz um resgate visual de toda a produção de Martins, considerada a primeira escultora surrealista da América Latina e fundadora de um modernismo tropical.
Essa estética bruta, de formas que parecem saltar da matéria amorfa, aparece com toda a força nas fotografias do livro.
“Toda a textura dela vem à frente, como se fosse um arranhão no olho”, descreve Vicente de Mello, fotógrafo que viajou de Buenos Aires a San Francisco, passando por Paris, para registrar todas as obras da artista. “É uma luz mais surreal, com certa fantasmagoria.”
Entre a América pujante e a Europa arrasada pela guerra, André Breton, líder do movimento surrealista, enxergou na época a potência da obra de Martins, ao contrário do que diziam os críticos americanos.
“Nos últimos anos, o espírito humano não deixou de soprar desde as regiões cálidas”, escreveu Breton sobre a artista, que conheceu em Nova York. “Outro vento em vão sonda as chaminés da Europa onde grelhas ardem sem produzir calor.”
Referências constantes a mitos amazônicos e a uma ancestralidade tropical serviram de base para as formas de Martins.
Barroco
Enquanto se misturava aos nomes mais fortes da vanguarda europeia exilada em Nova York, frequentando os jantares de Peggy Guggenheim com Breton e Duchamp, ela explorava um arcabouço estranho, tórrido e sensual para arquitetar suas criaturas híbridas.
“Tem algo de barroco na escultura dela”, afirma à Folha a crítica britânica Dawn Ades, que tem um ensaio no livro. “Ela parece desconectada do tempo dela, mas vista pelo ângulo da magia e da metamorfose, parece mais em harmonia com o pensamento da época.”
Barroco também foi o termo que o crítico Clement Greenberg, cronista dos expressionistas abstratos, como Jackson Pollock, usou para descrever a obra de Martins –era uma crítica dura e não um elogio.
Mas esse contraste entre o senso trágico do barroco e uma modernidade em formação é hoje chave de leitura para entender Martins e o caminho trilhado pelo modernismo que se radicou na América Latina.
“Era uma modernidade alternativa, que não precisava ser dominada por Nova York”, diz Ades. “Ela fez parte disso.”
Mesmo causando estranheza e sob fogo dos críticos, Martins foi um sucesso comercial em sua época. Vendia todas as obras que mostrava e chegou a apadrinhar artistas com obras encalhadas, como o construtivista holandês Piet Mondrian.
Ela chegou a comprar a tela “Broadway Boogie Woogie”, um dos trabalhos mais emblemáticos do artista, que depois doou para o acervo do MoMA.
Mas enquanto a crítica esmiuça agora o legado da escultora, a dispersão de suas obras pelo mundo e um fim de vida menos produtivo –ela morreu no Rio, em 1973 – mergulharam a artista no esquecimento.
“Não há contexto, o trabalho dela não tem aderência aqui”, diz o escultor José Resende. “Ela continua sendo exceção.”
RAIO X
Nasceu, em 1894, em Campanha (MG), e morreu, em 1973, no Rio de Janeiro
Ela se casa em Paris, com seu segundo marido, o embaixador Carlos Martins, com quem depois se muda para Washington
Faz sua primeira exposição na Corcoran Gallery, na capital norte-americana, em 1941
Entre 1945 e 1946, Martins produz as três versões de O Impossível, sua obra mais célebre. Hoje, há duas versões de bronze e uma em gesso, a maior delas, no Malba, em Buenos Aires
Participa da 27ª Bienal de Veneza, em 1954, e sete vezes da Bienal de São Paulo.
(Fonte: www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ – SILAS MARTÍ da Reportagem Local – 14/05/2010)
Autores: Francis M. Naumann, Dawn Ades, José Resende e Veronica Stigger – Editora: Cosac Naify