Dener Pamplona de Abreu (1936-1978), figurinista, o maior nome da moda brasileira em todos os tempos. COMPETÊNCIA Se não foi longa Dener tinha 42 anos porém, sua vida certamente foi das mais movimentadas. Nascido em Belém do Pará, em 1936, aos 7 anos Dener mudava-se com a família para o Rio de Janeiro. Não gostava de estudar, mas passava horas desenhando, vestindo fotos de artistas que recortava de revistas de variedades. O menino era realmente estranho para os padrões da época: aos 10 anos, inventou de estudar balé. E aos 12, contrariando os desejos da mãe, dona Eponina, que a todo custo queria convencê-lo a empregar-se de office-boy num escritório, entrou para a Casa Canadá, onde se vestiam as elegantes da época. Logo passaria para a Maison de Rute Silveira, ainda no Rio de Janeiro, e aos 19 anos, depois de um aprendizado com a figurinista paulista Maria Augusta, estava instalando seu ateliê em São Paulo.
Em poucos anos, já com os cabelos longos, roupas extravagantes e gestos delicados que comporiam seu tipo e o de muitos colegas que seguiriam seus passos, ele estava vestindo o grand monde brasileiro. À inegável competência profissional, Dener não se descurava de acrescentar uma extravagante imagem mundana, até mesmo efeminada, posando para os fotógrafos com túnicas bordadas de pedrarias e não raro com lânguidos gatos siameses ao colo. Promovido a figura nacional, seu casamento com Maria Stela em 1965 e o nascimento de seus dois filhos ganhariam as manchetes da imprensa. Em rasgos de seriedade, porém, justificava sua postura extravagante. Como, por exemplo, em “Dener – o Luxo”, livro autobiográfico que lançou em 1972: “Muita gente que vê o meu sucesso de hoje pensa que conquistei tudo só com minha frescura, que realmente é fora de série, ou porque tenho coragem de dizer as coisas. Tudo isso ajudou, mas não teria chegado, se não fossem o estudo e o trabalho.
Em alguns momentos, contudo, essa imagem também atrapalhou. Em maio de 1972, por exemplo, a Censura, cedendo a pressões de autoridades e de algumas conservadoras entidades femininas mineiras, proibia seu programa “Dener é um luxo”, apresentado apenas uma vez pela TV Itacolomi, de Belo Horizonte Para o Juiz de Menores Aníbal Pacheco, um dos que mais se bateram pela proibição, o programa seria “um tóxico para a juventude e uma homérica ausência de virilidade”. Desgostoso com o fato, Dener deixaria a TV – voltou a ela recentemente, como jurado de Flávio Cavalcanti – e em 1973 reapareceria nas notícias de jornais organizando uma frente única de figurinistas brasileiros contra a invasão das etiquetas estrangeiras de moda no país. Era, sem dúvida, um Dener mais sério, bem diferente daquele dos tempos de sua folclórica briga com o costureiro Clodovil. Mas que não o provocassem duvidando de sua genialidade. “Eu não tenho inimigos”, “só concorrentes. Mas como não tenho concorrentes…”.
Ele não admitia dormir em lençóis que não fossem de renda valenciana ou do mais puro linho irlandês. Adorava peles tinha catorze casacos de vison e um de pantera da Somália. Bebia champanha francês – de preferência, Veuve Clicquot. Para as raras saídas matinais, usava um carro Galaxie. À tarde e durante as movimentadíssimas noitadas, um Mercedes-Benz. Para as recepções de gala, nada menos que uma limusine Cadillac presidencial, adquirida do ex-embaixador americano no Brasil Lincoln Gordon. Em sua mansão no aristocrático bairro do Pacaembu, em São Paulo, forrada por quarenta tapetes persas e adornada por quilos de peças de prata, costumava receber a fina flor da sociedade paulistana – e alguns amigos, poucos de estirpe mais modesta, como a cantora Araci de Almeida, a quem chamava de “pai”, ou a atriz Consuelo Leandro. A música popular, porém, era apenas uma concessão: ele gostava mesmo era de ouvir e cantar óperas – sabia 28 de cor.
Durante 29 anos, em suma – praticamente desde que começou, como figurinista, na famosa Casa Canadá, do Rio de Janeiro, aos 12 anos de idade, até cerca de um ano atrás, (1977) quando soube que sofria de câncer -, a vida exterior de Dener foi um luxo, para usar a expressão que ele criou e acabou transformando em gíria, lá pela metade dos anos 60. Interiormente, porém, as coisas nunca correram tão placidamente. Um exemplo: apesar das quatro línguas que falava, das viagens e cursos de arte na Europa, dos livros clássicos que costumava devorar, Dener era tremendamente inseguro com relação a sua cultura. Justamente em função dessa permanente sensação de insegurança, ele recusara convites como o da Casa Christian Dior, de Paris, que queria vê-lo no lugar de seu falecido criador. Seria a definitiva consagração internacional do maior nome – há quem diga que o único – da moda brasileira. Mas Dener teve medo, ele achava que não tinha fôlego para Paris ou Nova York. Contudo, Dener jamais confessaria isto em público. Eu amo São Paulo, justificava, quando lhe tocavam no assunto.
Até em 1977, ele ainda conseguiria sustentar a imagem de fortaleza e segurança, de gênio bem-sucedido – apesar dos percalços financeiros que o perseguiram, notadamente nos últimos anos, mas para os quais ele nunca fez questão de ligar. Ele foi um Oscar Wilde, sempre viveu acima de suas possibilidades”, define uma de suas grandes amigas, Dulce Simonsen, madrinha de seus dois casamentos e de seu filho Frederico Augusto. “Ele nunca deu valor ao dinheiro, embora sempre vivesse no luxo”, conta seu ex-cunhado Affonso Splendore, irmão de sua primeira mulher, Maria Stela, e até o fim um de seus maiores amigos. O luxo Dener sustentava com cheques sem fundos e contas assinadas – mas raramente pagas. Dener assinou um contrato com um empresário, cedendo sua marca para toda a sua produção. Nesse tempo todo, quase nunca recebeu direito o dinheiro que lhe era devido. Toda a gama de produtos com seu nome – da alta costura aos artefatos de couro, cintos, carteiras e sapatos, e à linha de perfumes e sabonetes -, então, não lhe rendia mais do que parcos cruzeiros.
Sua situação melhorou um pouco em meados de 1977, quando conseguiu desvincular do contrato a produção de alta costura. Com ânimo novo, ele pensou em voltar a criar e idealizou uma incursão em um novo ramo de negócios: desenhar lajotas para uma indústria cerâmica de Santa Catarina. À festa de lançamento do novo produto, porém, para a qual foram expedidas três centenas de convites, não compareceria nenhum de seus amigos. E esse foi o pretexto que faltava para que Dener – que, àquela altura, já sabia que estava com câncer – se recolhesse a sua mansão com caixas e caixas de uísque escocês. Poucos meses depois, a doença já se generalizava por todo o organismo, e, em consequência do álcool, a ela se juntaria uma cirrose hepática. Nos cada vez mais raros momentos de lucidez, Dener ainda encontraria ânimo para assistir a um ou outro desfile, para jantar em restaurantes da moda, mas vinte dias antes de morrer, quinta-feira , dia 9 de novembro, no Hospital do Câncer, ele diria a Splendore: Agora quero que me deixem sozinho. Já vivi muito. Na verdade, Dener já estava quase sozinho. Separado de sua segunda mulher, Vera Helena, não recebia quase nenhum amigo – eles se afastavam, justificando: “Não vamos ser cúmplices de seu suicídio”.
(Fonte: Veja, 15 de novembro, 1978 Edição n.° 532 DATAS – Pág; 99/100/101)