Diego Velázquez, mestre espanhol, foi uma das maiores influências da escola impressionista do final do século XIX

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Velázquez, o amigo do rei

 

Retrato do papa Inocêncio X 1650 O realismo chocou o papa. O pintor Francis Bacon reproduziu a obra obsessivamente (Foto: Divulgação)

Retrato do papa Inocêncio X 1650
O realismo chocou o papa. O pintor Francis Bacon reproduziu a obra obsessivamente (Foto: Divulgação)

 

Mestre espanhol

Diego Velázquez (Sevilha, 6 de junho de 1599 – Madri, 6 de agosto de 1660), pintor espanhol que imprimiu uma revolução nas artes plásticas com seu virtuosismo e sua sede por projeção social.

Velázquez foi admitido à corte espanhola aos 24 anos. Atingiu o apogeu de seu prestígio sob a proteção do rei Felipe IV

Um reino em seu apogeu, mas às portas da decadência. Uma família real fisicamente degenerada, maltratada por inúmeros casamentos consanguíneos, habitando um palácio sombrio, por onde vagava uma corte mantida sob o mais rígido protocolo. Em seu epicentro, o comandante absoluto, o rei espanhol Felipe IV, de 16 anos, pintor nas horas vagas, profundo conhecedor de história da arte e colecionador apaixonado.

Eis que um de seus ministros, o conde-duque de Olivares, apresenta-lhe um jovem artista de 24 anos, dono de um talento assombroso que rivalizava apenas com sua própria ambição. Foi nesse ambiente épico, de parca mobilidade hierárquica, que Diego Velázquez iniciaria sua ascensão fulgurante, não apenas do ponto de vista artístico, mas também social.

 

Autorretrato 1640-1650 Velázquez foi admitido à corte espanhola aos 24 anos. Atingiu o apogeu de seu prestígio sob a proteção do rei Felipe IV (Foto: Divulgação)

Autorretrato 1640-1650
Velázquez foi admitido à corte espanhola aos 24 anos. Atingiu o apogeu de seu prestígio sob a proteção do rei Felipe IV (Foto: Divulgação)

Nascido em Sevilha, pulsante coração econômico do império espanhol, filho de um advogado de ascendência nobre portuguesa que desde sempre estimulara o talento precoce do filho, Velázquez foi admitido como aprendiz de um dos maiores pintores da cidade, Francisco Pacheco. Ele ensinou ao pupilo as técnicas básicas do trabalho, mas também lições de humanismo e os preceitos do estilo da Contrarreforma, exigindo que ele traduzisse ao público religioso cenas bíblicas de uma forma natural.

Assim, o jovem Velázquez pinta retratos de personagens santos como A Imaculada Conceição e A adoração dos magos, mas também personagens populares como uma velha senhora cozinhando ovos ou um carregador de água de Sevilha. Tinha paixão por cenas ordinárias do cotidiano, as chamadas pinturas de “bodegones”. Tudo isso com um traço de tenebrismo à Caravaggio, que Velázquez interpreta de maneira livre.

Aos que o criticavam pela dureza de seus traços, em contraponto ao ídolo da época, o italiano Rafael, ele respondia com desdém: “Prefiro ser o primeiro no vulgar ao segundo no delicado”. O encantamento de Pacheco com o pupilo é tamanho que ele lhe dá a mão de sua filha, Juana, e o estimula a partir para conquistar a corte em Madri.

Assim que termina seu primeiro retrato de Felipe IV, em 1623, Velázquez é nomeado retratista oficial da corte, instalado num ateliê do palácio. O rei tem a única cópia da chave e faz questão de usá-la diariamente para acompanhar os trabalhos de seu pintor. Majestosa, a pintura de Velázquez reflete com abuso de pretos e marrons o ambiente lúgubre da corte, lotada de nobres disformes, bufões monstruosos e anões para os poucos momentos de entretenimento da família real.

Essa característica de sua pintura seria abalada com a chegada do colega flamenco Rubens, que em 1628 passou uma temporada de oito meses no palácio. A empatia entre os dois é imediata. Rubens aconselha Velázquez a viajar para a Itália para melhorar sua arte. Com a autorização do rei, ele percorre Milão, Veneza, Parma e o Vaticano, onde aprimora as técnicas de pintura de paisagens, introduzindo cores e movimento em sua arte.

Retrato da infanta Margarida em azul 1659 Fruto do segundo casamento de Felipe IV, a princesa ajudou a tornar o ambiente da corte mais alegre (Foto: Divulgação)

Retrato da infanta Margarida em azul 1659
Fruto do segundo casamento de Felipe IV, a princesa ajudou a tornar o ambiente da corte mais alegre (Foto: Divulgação)

 

No retorno a Madri, a influência italiana faz-se sentir nos retratos do filho do rei, infante Baltasar Carlos. Mas a morte abalaria a corte madrilenha com o falecimento da rainha Isabel de Bourbon, em 1644, e do próprio Baltasar, quase dois anos depois. O rei decidiu casar-se novamente com sua sobrinha, Maria Ana da Áustria, de 13 anos, prometida ao infante morto – e teve com ela cinco filhos. Nesse intervalo, Velázquez partiu para a segunda viagem à Itália, onde pintou o papa e a Vênus. No regresso, encontrou uma corte alegre, animada pelas novas crianças, notadamente a bela infanta Margarida, que ele imortalizaria em quadros como As meninas.

 

Retrato de Felipe IV 1654 A proteção do rei garantiu a Velázquez uma liberdade pessoal e artística que seria fundamental para definir sua obra (Foto: AFP)

Retrato de Felipe IV 1654
A proteção do rei garantiu a Velázquez uma liberdade pessoal e artística que seria fundamental para definir sua obra (Foto: AFP)

 

Encantado com seu pintor, o rei o nomeia “aposentador” da corte, responsável pela organização das festas e das viagens. Para dar conta dos novos afazeres, muito distantes de um cotidiano solitário de artista, Velázquez é obrigado a se cercar de discípulos, como seu genro, Juan Bautista del Mazo, considerado o maior dos velasquenhos. Estima-se em 120 o número de obras de autoria do mestre, que raramente as assinava. Considerava seu traço “a maior das assinaturas”. O que mais fascinou os contemporâneos de Velázquez foi a liberdade que ele teve de criar um estilo único, uma verdadeira escola. Essa liberdade só foi possível graças a sua influência junto ao rei.

A presença de Velázquez é tão capital na corte que ele começa a se enxergar como um de seus membros mais importantes. Quando finaliza As meninas, em 1656, que retrata a chegada da infanta Margarida a seu ateliê, vem a surpresa: Velázquez põe-se no quadro, ao lado da nobreza, algo impensável no rígido protocolo real. A partir daí, ele passa a se dedicar a uma nova obsessão: receber do rei a Ordem de Santiago, uma das mais altas honrarias da corte dos Habsburgos. Mas a ordem só podia ser concedida a nobres que comprovassem ascendência aristocrática.

O pai de Velázquez era nobre, mas os avós maternos não. Felipe IV pede, então, uma dispensa ao papa Alexandre VII e, finalmente, a condecoração sai em 1659. O pintor mal teve tempo de saborear a vitória. Morreria no ano seguinte, exausto com os preparativos do casamento da infanta Maria Teresa com o jovem rei da França, Luís XIV. “Estou devastado por ter de viajar de dia e pintar à noite”, escreveu Velázquez a um amigo. A liberdade oferecida por um rei, como se vê, também tem seu preço.

 

As meninas 1656 Neste quadro essencial, mas ausente da exposição, o pintor se retrata ao lado da infanta, afrontando o protocolo real (Foto: Divulgação)

As Meninas 1656
Neste quadro essencial, o pintor se retrata ao lado da infanta, afrontando o protocolo real (Foto: Divulgação)

 

A história coleciona casos de artistas pobres e geniais que só ganhariam reconhecimento depois da morte. Velázquez é diferente. Foi em seu período de bonança material, sob a proteção do rei, que ele pintou suas obras-primas, exemplares arrebatadores de um barroco realista ao qual ele deu uma dimensão sem precedentes.

O pintor sevilhano embora tenha sido uma das maiores influências da escola impressionista do final do século XIX – a ponto de Édouard Manet tê-lo apelidado “o pintor dos pintores” –, a França tem apenas dois quadros dele, Demócrito e O apóstolo São Tomás, nos museus de Belas-Artes de Rouen e Orléans. Os museus que têm pinturas do mestre dificilmente as liberam para exposições em outros países – Velázquez é um poderoso atrativo de bilheteria.

O retrato do papa Inocêncio X, de 1650, joia do riquíssimo acervo privado da Galeria Doria Pamphili, de Roma, impressiona por seu realismo, ele causou um misto de estupor e admiração por parte do retratado. “Troppo vero (verdadeiro demais)”, exclamou o Sumo Pontífice ao deparar com seu olhar perfurante, o nariz pronunciado, as imperfeições de pele e da barba, afundados num cenário de ouro e veludos que transpirava sua autoridade máxima. 

Quatro séculos mais tarde, a tela ganharia nada menos do que 40 versões assinadas pelo artista plástico anglo-irlandês Francis Bacon (1909-1992), um dos papas da pintura figurativa contemporânea. A maestria tem também a Vênus no espelho, único nu de Velázquez – os nus eram proibidos na catolicíssima corte espanhola. Pintado, provavelmente, em sua segunda viagem à Itália, o quadro traz uma mulher, de costas, nua, olhando-se no espelho. Seria ela a amante italiana que lhe deu um filho bastardo, Antonio?

Nos últimos três anos, Guillaume Kientz se dedicou a um duro processo de negociações, que resultou numa parceria inédita com o Museu do Prado, de Madri (que emprestou 20 obras ao Grand Palais), e o Kunsthistorisches Museum, de Viena – duas capitais que foram governadas pela dinastia Habsburgo, a do rei Felipe IV. A mais famosa pintura de Velázquez, é o quadro As meninas.

(Fonte: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/04 – MENTE ABERTA / Por BRUNO ASTUTO, DE PARIS – 05/04/2015)

 

 

 

 

 

 

As paredes de Velázquez

Em 1656, ao final de sua carreira como retratista oficial da corte espanhola, Diego Rodríguez de Silva y Velázquez (1599-1660) produziu sua obra-prima: o quadro As Meninas. Um dos maiores quebra-cabeças da história da arte, a tela exibe uma cena intrigante e original.

Nela, o artista retratou a si mesmo, no canto esquerdo do quadro, enquanto pintava a princesa Margarida, suas damas de companhia, seu cão, e até o rei e a rainha, refletidos num espelho ao fundo  do quadro.

Todos os personagens da obra olham para a frente, como se observassem uma visita inesperada, talvez os reis, estrategicamente situados no lugar do espectador. Evidenciou a maneira revolucionária pela qual o espanhol tratava o espaço em sua obra, trabalhando noções de perspectiva, de modo a fazer com que o fundo, e não apenas as figuras, desse ao espectador a ilusão de terceira dimensão. O espanhol fazia isso definindo cada um dos planos do fundo. Velázquez é o pintor dos pintores.

Até Velázquez, os pintores buscavam a tridimensionalidade acentuando o claro-escuro na pele e nas roupas das figuras. Velázquez, ao contrário, equilibra suas cores e planos, diluindo essa sensação por todo o quadro.

(Fonte: Veja, 28 de agosto de 1996 – ANO 29 – N° 35 – Edição 1459 – ARTE – Pág: 123)

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