Diva Guimarães, professora que emocionou a Flip
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Diva Guimarães, foi alfabetizadora e professora aposentada, que se tornou conhecida nacionalmente após emocionar presentes na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty de 2017 depois de falar sobre racismo.
Diva nasceu no Norte do Paraná e estudou na Universidade Federal do Paraná nos anos 1960.
Diva Guimarães virou celebridade em Paraty, ofuscando até os escritores convidados da Flip. Após dar um emocionante depoimento sobre racismo na mesa que uniu o ator Lázaro Ramos e a jornalista Joana Gorjão Henriques para discutir o tema, ela viralizou nas redes sociais após fazer um relato comovente durante uma sessão da Flip que contava com a presença do ator Lázaro Ramos. Ela contou ser neta de escravos e falou sobre como superou obstáculos para virar professora, profissão à qual dedicou 40 anos.
A história que a fez vencer a timidez para narrar “com a alma” um episódio de racismo sofrido num internato católico de São Paulo (e que a levou para o espiritismo, por “pavor” do catolicismo), poderia ter sido tristemente substituída por outra, que viveu dias antes, em Paraty.
“Aos 6 anos, eu amadureci”, disse em sua fala. “As freiras do meu colégio contavam a seguinte história: Deus criou um rio e mandou todos tomarem banho. As pessoas que são brancas (que eram trabalhadoras, inteligentes) chegaram nesse rio, tomaram banho e ficaram brancos. Nós chegamos no final, quando todos tinham tomado banho, e o rio só tinha lama. Nós só conseguíamos tocar as mãos e os pés no rio. E era por isso que só tínhamos as palmas das mãos e as solas dos pés claras. Era isso que ela contava para os brancos para dizer que nós éramos preguiçosos.”
Foi aplaudida de pé pela plateia e deixou até Ramos emocionado, conforme relato publicado pelo Estadão na época. Em apenas um dia, os vídeos com a fala de Dona Diva haviam acumulado mais de 12 milhões de visualizações nas redes sociais.
Anos depois, Diva foi convidada por Ramos para uma participação especial no filme Medida Provisória, lançado em 2022 e dirigido por ele. “Dona Diva é mais uma das janelas de inspiração que o Medida Provisória tenta abrir. Agradeço todos os dias por tê-la encontrado e por aprender com ela cada vez que a gente se fala”, escreveu Ramos nas redes sociais, pouco após o lançamento do filme.
A professora, que foi atleta de destaque, é um exemplo de excelência humana e acadêmica. Segundo Dona Diva, apesar do talento na sala de aula, e também nas quadras, foi preciso lutar contra os preconceitos para conseguir se afirmar como professora e jogadora de basquete. “O racismo está na nossa cultura. É algo que se aprende em casa e, muitas vezes, na escola”, avalia.
Alfabetizadora e professora de educação física aposentada após 40 anos de trabalho, ex-velocista e ex-jogadora de basquete, esporte que acompanhava com paixão, Diva era neta de escrava com português, filha de uma lavadeira, que trabalhava em troca de material escolar para que a filha pudesse estudar. Adorava ir ao cinema e ao teatro (“quando o preço do ingresso permite”) em Curitiba, onde morava, mas principalmente gostava de ler. Também se divertia contando suas histórias. Diva é muitas, mas não é vítima. E nem “dona” Diva. Só Diva. “Sou também uma sobrevivente”, enfatiza.
— Eu descontava a raiva pelo que acontecia comigo no esporte. Acho a melhor coisa para educar. O esporte disciplina, e ensina até mesmo a lidar com as frustrações e as injustiças. Educação física não é festinha – conta ela, que foi treinada por Almir Nelson de Almeida, “basquetebolista” que representou o Brasil nas olimpíadas de 1952, e considera Pelé o maior atleta de todos os tempos – Mas como pessoa influente, que poderia ter nos ajudado, ele falhou. Ele diz que não existe preconceito, é uma decepção.
Fã de Jorge Amado, escritor que “as pessoas leem como historinha, mas não captam as denúncias que ele faz”, veio para ver as participações de Lázaro Ramos e de Edimilson Pereira de Almeida, negros como ela (“me reconheço em todos”). Sempre quis vir à Flip e não reclama do chão de pedras “que contam seu passado”. Ela, que ajuda familiares, só conseguiu juntar dinheiro para participar da festa este ano, por insistência da sobrinha, Maitê, que veio na edição passada. Ao lado de Maitê e das amigas Elizabete e Maria Alice, a quem chama de “irmã”, pegou um avião que fez escala em São Paulo, parou no Rio e encarou as 5 horas de estrada feliz e contente.
Diva queria também conhecer Conceição Evaristo, escritora mineira que, em 2016, levantou a voz contra a falta de negros na programação oficial da Flip. Avessa à tecnologia (“Google é nada, meu negócio é dicionário”), não acompanhou a polêmica que originou mudanças profundas no evento, que pela primeira vez em 15 edições traz mais convidadas que convidados e aumentou a participação de negros em 30%. Chorou copiosamente ao abraçar a nova amiga (“são lágrimas de resistência”, disse Conceição).
Conta en passant que passou frio e passou fome, mas hoje vive bem e já não se deixa abater pelo racismo. Quando percebe que está sendo seguida por um vendedor em uma loja, gosta de “dar nele uma canseira”, andando de um lado para o outro. Levanta a voz contra a hipersexualização da mulher negra e, com segurança, conta que não quis ter filhos para que eles não passassem pelo sofrimento que ela passou. Fica ofendida quando perguntam se ela tem uma cuidadora (“a cuidadora de mim sou eu mesma”).
Diva Guimarães faleceu, aos 85 anos. A morte foi anunciada nas redes sociais neste sábado, 11, e confirmada pelo serviço funerário de Curitiba (PR). O velório e sepultamento ocorrerão amanhã, 12, na Capela Luto Curitiba, na capital paranaense.
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(Direitos autorais reservados: https://oglobo.globo.com/cultura/livros – CULTURA/ LIVROS/ FLIP/ por Liv Brandão* – 29/07/2017)
* Colaborou Jan Niklas
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