Django Reinhardt (1910-1953), violonista nascido Jean-Baptiste Reinhardt num acampamento cigano

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O selvagem cigano das seis cordas

Django Reinhardt (1910-1953), violonista nascido Jean-Baptiste Reinhardt num acampamento cigano no lugarejo belga de Liberchies, arredores de Charleroi, em janeiro de 1910. Assombrou o mundo com um estilo de tocar ao mesmo tempo econômico e exuberante, no qual despontava a alma da música de seus antepassados.
O homem que mesmo antes de morrer havia se transformado em lenda. Se o músico era tão original, a figura humana beirava a excentricidade. A origem cigana condicionou-lhe a personalidade. Viveu até os 20 anos sem usar uma roupa comum e sem saber o que era um endereço fixo, já que sua casa era um carroção que rodava errantemente por países europeus – quase sempre Bélgica e França, mas há registros de pelo menos uma longa viagem até a Argélia. Era ainda uma pessoa de difícil trato, avesso a compromissos sociais e profissionais, tirano com familiares e arrogante com outros músicos. Um selvagem, como o definiu certa vez o crítico de jazz francês Charles Delaunay.
Apesar de ter sido duas vezes matriculado numa escola convencional – quando sua mãe resolveu montar acampamento nos arredores de Paris –, Django Reinhardt nunca ligou para a educação formal. Valorizava o que havia aprendido quando ainda vivia nos carroções e o que viria a aprender nas ruas da capital francesa. Com o pai e com os tios recebeu os primeiros ensinamentos musicais. Por praticidade, dedicou-se inicialmente ao violino, mas logo depois passou para o banjo. Autodidata e analfabeto em leitura musical, Django Reinhardt ainda era adolescente e já frequentava bares, bordéis e salões de dança interpretando não apenas típicas canções ciganas mas também músicas folclóricas, tangos, polcas e valsas. Para ele, os estilos musicais não tinham passaportes. Também não lhe importava que o jazz – então em expansão na França dos anos 1920 – fosse basicamente negro e americano. Branco e europeu, Django sabia intuitivamente que a música poderia superar fronteiras, cruzar oceanos, aproximar povos e recriar estilos.

1928 seria um marco. Mal havia completado 18 anos e já era uma referência entre os músicos, chamando inclusive a atenção de Jack Hylton, band leader inglês que comandava uma importante orquestra de jazz e que lhe faria a proposta para o primeiro emprego.

A noite do convite seria longa, com Django chegando em casa – no caso ainda um carroção onde vivia com a mulher grávida de seu primeiro filho – e, desconfiado de um barulho externo, pegar uma vela para ver do que se tratava. A vela escapou-lhe da mão e em instantes o carroção estava em chamas. Ninguém morreu, mas Django sofreu graves queimaduras em várias partes do corpo e perdeu o uso de dois dedos da mão esquerda.

Os meses de recuperação seriam dolorosos. Django perdera o local onde morava, sua mulher o deixou e Hylton cancelou o convite profissional. Sua única companhia seria o violão. Investiu ainda num perfil um pouco mais convencional, cultivando um bigode fino e trajando casacos e gravatas, mas mantendo o conhecido estilo outsider, com compromissos sendo abandonados e optando por tocar nas ruas em vez de bares e boates.

A sorte começaria a mudar em 1934 quando Django conheceria o parceiro musical que transformaria sua vida: Stéphane Grappelli. Violinista, Grappelli era o avesso de Django. Culto, bem informado, com formação erudita, simpático, afável, Grapelli lapidou a rudeza do estilo de Django. Juntos frequentavam o Hot Club de France.

Fundado em 1932, o local reunia grandes admiradores do jazz, não necessariamente músicos, que organizavam shows, concertos, debates e palestras. Lá, Grappelli e Django formariam o Quintette du Hot Club de France e seriam pioneiros no jazz com instrumentos de cordas – diferente do estilo americano, mais afeito aos metais. Com o violão – que apenas não era seu companheiro inseparável pelo fato de o músico constantemente precisar penhorá-lo –, Django começou a mudar a sua história e a de seu instrumento.

Até então, o violão era um instrumento basicamente rítmico, sem nenhuma importância para os solos. Django então passou a explorar novas possibilidades melódicas, reinventando standards do jazz americano e adaptando algumas dessas composições aos sons que o acompanhavam desde sempre: os sons ciganos. A originalidade da criação receberia reconhecimento não apenas dos frequentadores do Hot Club de France, como de dezenas de jazzistas que na época da guerra passaram a fazer de Paris um de seus pousos mais constantes, aí incluídos Coleman Hawkins, Duke Ellington, Dizzy Gillespie e Sidney Bechet.
O fim da II Guerra Mundial mudaria ainda mais a sua rotina. Era a hora de faturar nos Estados Unidos o prestígio conseguido na Europa. Foi para a América e, ao lado de discípulos e admiradores, apresentou-se em concertos em Chicago, Detroit, Kansas City, Cleveland e Nova York. Não gostou muito do estilo de vida americano e preferiu voltar a morar na França. Sentia-se cansado mas, preferindo não procurar um médico, acreditava que poderia se curar por conta própria. Comprou uma casa em Samois, às margens do Sena, e dedicou-se mais à pesca do que a música.
As dores de cabeça foram ficando cada vez mais intensas, mas Django, fiel ao seu estilo desconfiado, continuava recusando o auxílio médico. Em 16 de maio de 1953, estava num bar conversando com amigos quando sentiu-se mal. Levado para casa, não resistiu a um derrame fulminante. Tinha 43 anos.

(Fonte: Zero Hora – Edição n° 16 259 – Ano 46 – CULTURA – Música – Por MÁRCIO PINHEIRO/ JORNALISTA – 27 de fevereiro de 2010 – Pág; 3)

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