Mulher da Arábia Saudita é primeira diretora de cinema do país
Elogiada no exterior, Haifa al Mansour conseguiu filmar em Riad com elenco misto mas filme não será visto no país
Na Arábia Saudita, as mulheres não podem dirigir, votar ou trabalhar com homens, mas uma cidadã saudita tornou-se a primeira pessoa a dirigir um filme no país.
Haifa al Mansour dirigiu um longa metragem – intitulado Wadjda – que vem recebendo boas críticas internacionalmente mas não pode ser exibido na Arábia Saudita porque não há cinemas no país e poucos filmes são vistos em público.
O filme inova por ter sido filmado no reino árabe com um elenco inteiramente saudita que inclui, surpreendentemente, duas mulheres em papéis principais.
Wadjda deverá ser lançado em 2013.
Sonho Infantil. Quando Mansour era criança, vivendo em uma cidade pequena na Arábia Saudita, sonhava em fazer filmes mas achava que isso nunca aconteceria em um país onde há muitas restrições em relação aos tipos de trabalho disponíveis para as mulheres.
Por sorte, seu pai acreditava que, apesar de seu sexo, ela poderia conquistar o que quisesse em sua vida. Ainda assim, Haifa sofreu muita pressão para abandonar seus planos profissionais. “A Arábia Saudita é muito tribal”, ela disse.
“Pessoas da nossa família escreviam cartas para ele dizendo: “como você ousa deixar sua filha fazer isso?”, disse a diretora. “Existe pressão social em muitas famílias para que controlem suas filhas e ele nunca deu ouvidos a essas coisas”.
Após Mansour ter lançado três curtas e um documentário – ganhador de um prêmio – o que ela ainda não tinha conseguido fazer era dirigir um longa metragem – um feito que, aliás, ninguém, homem ou mulher, havia alcançado no país.
Em 2006, foi lançado o longa Keif al-Hal?, tido como a primeira super produção saudita. Mas o filme, embora estrelado por uma atriz saudita, foi filmado em Dubai por um diretor palestino.
O pai de Haifa al Mansour morreu há alguns anos e não pôde presenciar a grande conquista de sua filha. O longa de estreia da cineasta foi exibido no festival de cinema de Veneza e no London Film Festival.
“Ele tinha muito orgulho, queria me apoiar e compartilhar do meu sonho”, ela contou. “É muito difícil encontrar algo assim na Arábia Saudita”.
Desafios. Wadjda conta a história de uma menina de dez anos de idade vivendo na capital saudita, Riyadh, que sonha ter uma bicicleta em uma sociedade que vê bicicletas como uma ameaça à virtude feminina.
“Para mim, é claro, (a bicicleta) é uma metáfora mas também é um brinquedo, no senso comum”. O filme obteve permissão oficial, foi parcialmente financiado por um príncipe saudita e filmado em locações durante seis semanas. Mas a diretora e sua equipe enfrentaram obstáculos que não são comuns em produções hollywoodianas.
Na Arábia Saudita, as mulheres não têm permissão de trabalhar ao lado de homens ou de conviver com eles fora do âmbito da família. Elas também não podem ser vistas andando desacompanhadas pelas ruas. Portanto, durante as filmagens em áreas mais conservadoras da capital, Mansour teve de se esconder em uma caminhonete.
“É um desafio, especialmente para as filmagens externas”, ela disse. “Alguns bairros são conservadores, então tive de ficar em uma caminhonete e dirigir os atores por telefone ou walkie talkies”.
Ela disse, no entanto, que existe um sistema na Arábia Saudita para filmar dramas que gera um “circuito vibrante”. E explicou que usou esse sistema para obter permissão e tornar seu sonho uma realidade.
Não há testes abertos para a seleção de atores e é difícil encontrar mulheres ou meninas que apareçam nos filmes porque isso é visto de forma negativa pelo público mais conservador.
Mansour disse que teve a sorte de encontrar a atriz principal, Waad Mohammed, de 12 anos de idade, uma semana antes do início das filmagens. “Ela estava usando fones de ouvido estilo anos 80 e tinha cabelo encaracolado”, contou. “Ela é super esperta”.
O filme teve uma recepção mista em casa, mas algumas mulheres sauditas enviaram mensagens positivas pelo Twitter. O desafio é conseguir que mais pessoas vejam a produção. Sem exibições públicas, a alternativa são DVDs ou TVs por satélite.
Mansour acredita em trabalhar dentro do sistema para mudá-lo em vez de simplesmente ficar fora dele. “Tente fazer da forma como os sauditas fazem”, ela recomenda. “Não seja um rebelde só por rebeldia”.
(Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer – CULTURA – 23 de outubro de 2012)
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