Emilio Adolfo Westphalen Milano (Lima, Peru, 15 de julho de 1911 – 17 de agosto de 2001), poeta peruano, considerado um dos mais importantes poetas surrealistas da América Latina.
Durante sua longa e fértil trajetória, Westphalen escreveu, entre outras obras, “Las ínsulas extrañas” e “Belleza de una espada clavada em la lengua”, fundou o Movimento Surrealista Peruano e recebeu inúmeros prêmios literários.
Em 1935, promoveu, juntamente com o pintor e poeta César Moro a primeira exposição de arte surrealista em Lima.
O surrealismo na América Latina: o caso do Peru
Parte de uma pesquisa mais ampla sobre as diversas realidades da recepção e enraizamento do surrealismo nas Américas, este trabalho examina o caso do Peru. No processo de redação deste texto, optei por privilegiar o estudo da recepção inicial (1926-1931). Para respeitar as dimensões dadas a esta comunicação, fui obrigado a restringir as considerações sobre as trajetórias e obras de César Moro e Emilio Adolfo Westphalen.
Nascimento do surrealismo e sua chegada na América Latina
O surrealismo começou a vir a luz em 1919, em Paris, com o lançamento da revista Littérature, por André Breton, Philippe Soupault e Louis Aragon, e com a descoberta da escritura ”surrealista” (isto é, automática) pelos dois primeiros. Cinco anos depois, em 1924, o surrealismo foi fundado, proclamado enquanto movimento nomeada e explicitamente surrealista, através de várias iniciativas tomadas por um grupo de jovens poetas franceses (o Manifesto de Breton lista 19 nomes) que estava também reagrupando pintores, fotógrafos e outros, de diversas nacionalidades (Max Ernst era alemão, Man Ray estadunidense, Picasso espanhol, etc.). Pode-se definir, brevemente, seu objetivo como sendo o de lançar e alcançar uma revolução cultural que questionasse os modos vigentes de se expressar, sentir, pensar – em primeiro lugar a lógica estreita, fechada, positivista. Destacou-se quase imediatamente, entre os movimentos da modernidade, como um dos mais vigorosos e questionadores – o que lhe angariou reservas e até mesmo reações adversas, por parte de diversos setores (da modernista Nouvelle Revue française até a monarquista e fascistizante Action française).
A chegada do surrealismo na América foi extremamente rápida. Sabe-se, por exemplo, que, no Brasil, em 1925 (talvez antes), Prudente de Moraes, neto e Sérgio Buarque de Holanda já realizavam experiências de escritura surrealista; na Argentina, foi também em 1925 que um grupo de jovens reunido em torno de Aldo Pellegrini (então estudante de medicina) iniciou um processo de discussão e experimentação do surrealismo.
Como explicar esta extrema rapidez? Ao fato de que os debates e a reflexão sobre os rumos da arte moderna vinham se desenvolvendo internacional e intercontinentalmente desde o século 19, através das viagens, dos livros, das revistas, da imprensa. E, se existia um debate internacional, era porque a arte não possuía mais um caráter local, mas internacional. Em outras palavras, o impressionismo, o cubismo, o surrealismo (para tomar apenas três exemplos) nasceram em Paris, mas não foram movimentos franceses, foram movimentos internacionais. Que nasceram em Paris devido ao lugar especial que, por razões históricas, essa cidade assumiu na vida intelectual e artística da Europa e do planeta a partir do século 18, chegando a constituir-se na capital cultural do século 19 e do início do século 20 (para parafrasear a conhecida expressão de Walter Benjamin1).
Ora, cabe constatar, nas primeiras décadas do século 20, uma aceleração do fluxo de informações e do ritmo dos contatos internacionais em decorrência dos progressos nas comunicações. No bojo desses debates internacionais, as informações sobre a revista Littérature, sobre André Breton, seus companheiros e seu ideário começaram a chegar à América Latina antes de 1924, no mínimo lá por 1922 ou 1923.
Moro, Westphalen e o surrealismo peruano
A não ser por Vallejo, nos limitamos, por enquanto, em falar na recepção do surrealismo entre escritores que, embora com alguma simpatia por aquele movimento, não aderiram ao mesmo. Para falar do enraizamento do surrealismo entre intelectuais peruanos, nos anos vinte, é impossível não citar César Moro. Ele não tomou conhecimento do surrealismo pelo correio, pela chegada de livros e periódicos, mas sim através da velha via da viagem.
Nascido em 1903, em Lima, Moro cedo descobriu possuir uma queda pelas artes, começando a desenhar, pintar e escrever. Quando, em 1921, seu irmão mais velho partiu para estudar em Madrid, vislumbrou a possibilidade de escapar de Lima; entretanto, seu objetivo não era a Espanha, mas Paris (que imaginava cheia de atrativos e oportunidades), onde chegou em 1925. Foi somente em 1928 – após mais de dois anos de vida parisiense – que, através de uma prima, entrou em contato com os surrealistas. Imediatamente seduzido, não demorou para aderir ao grupo, participar de suas atividades e escrever abundantemente (infelizmente, a quase totalidade de sua obra dos anos 1929-1931 foi perdida).
No Peru, os anos 30 foram aqueles do retorno à ordem, política e culturalmente. Apesar disso, Emilio Adolfo Westphalen, no início da década, pouco depois de fazer vinte anos, conseguiu descobrir os Manifestos do surrealismo e Nadja de Breton, obras que, junto com a influência de José María Eguren, contribuíram ao ”clima” (a palavra é de Daniel Lefort, 1992, p. 133) em que foi redigido Insulas extrañas, sua primeira coletânea poética.
Quando, no início de 1934, César Moro desembarcou em Lima, de volta de Paris, a segunda coletânea de Westphalen, Abolición de la muerte, estava pronta. Moro apresentou algumas sugestões (que foram aceitas) e ilustrou o volume. Começava entre ambos uma íntima e frutífera colaboração que, com o reforço de Rafo Mendéz Dorich, iria permitir o desenvolvimento de uma autêntica atividade surrealista, nos planos poético, artístico, polémico-ideológico e político. Em 1935, organizaram a primeira exposição surrealista internacional da América Latina, cujo catálogo contém poemas dos três e de Éluard. Em 1936, polemizaram contra Vicente Huidobro com o panfleto coletivo Huidobro o el bispo embotellado, e saíram em defesa da Espanha antifranquista assumindo papel destacado no Boletín del Comité Amigo de los Defensores de la República Española, o que lhes valeu a repressão policial.
Westphalen foi preso e Moro exilou-se no México, de onde organizou, junto com Westphalen no Peru, a publicação da revista El Uso de la Palabra. No editorial do primeiro e único número (Lima, dezembro de 1939), gritaram sua confiança no futuro e no projeto surrealista (”Às aves negras do obscurantismo […], opomos nossa confiança no destino do homem e na sua próxima libertação”). Com a já mencionada separação física entre Westphalen e Moro, e com a conjuntura desfavorável no Peru (um governo filofascista), Westphalen passou para uma resistência, digamos, retraída, marcada por uma digna reserva, à margem do militantismo, e por um certo silêncio (não publicou nada de 1935 a 1980, embora continuasse escrevendo poesia). Quanto a Moro, em 1940, junto com o artista plástico e surrealista austríaco Wolfgang Paalen (também exilado no México) e com os conselhos e orientações de Breton desde Paris, organizou a Exposição Internacional do Surrealismo na cidade do México, que suscitou um misto de curiosidade e incompreensão, até mesmo de desprezo.
Em 1947, o lançamento da revista Las Moradas, sob a direção de Westphalen, mostrou que o retraimento deste era relativo. Em 1948, Moro (que colaborava em Las Moradas desde o México) voltou para Lima. O reencontro entre os dois amigos durou pouco: no final de 1949 (após o decimo-oitavo e último número de Las Moradas), foi a vez de Westphalen deixar o Peru (partiu para Nova Iorque). Quanto a Moro, rapidamente decepcionou-se com sua volta a ”Lima a horrível” (Moro, citado por Coyné, p. 123), onde gastava seu tempo defrontando-se com a vida sórdida; o sol não faltava mas, para o poeta, as únicas iluminações provinham da poesia e da pintura. Faleceu no início de 1956.
Westphalen morreu em 17 de agosto de 2001, em Lima, aos 90 anos
(Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral – NOTÍCIAS – GERAL – CULTURA / Por Agencia Estado, 17 Agosto 2001)
(Fonte: http://www.proceedings.scielo.br – O surrealismo na América Latina: o caso do Peru / Por Robert Ponge / UFRGS – Ano 2 – Congr. Bras. Hispanistas – Oct. 2002)
1 Pode se ver, também: RIVAS, Pierre. ”Paris como a Capital Literária da América Latina”. In: CHIAPPINI, Lígia; AGUIAR, Flávio (Orgs.). Literatura e história na América Latina. São Paulo: EdUSP, 1993. p. 99-114.