Eneida (1903-1971), cronista e escritora Eneida (Eneida Costa de Morais); criadora de “Baile dos Pierrôs” e autora da “História do Carnaval Carioca”. Ela foi ao Rio de Janeiro chegando do Pará em 1930. A jovem paraense filha de um descendente de índios enriquecido com a borracha, nascera com uma vocação de fascínio e extravagância que em poucos anos tornaria sua personalidade incompatível com a rigidez da sociedade de Belém.
Mandada à cidade fluminense de Petrópolis para estudar com as freiras do Colégio de Sion, Eneida voltou ao Pará com dezesseis anos falando francês e escandalizando a família com sua insistência em escrever para as revistas “A Semana” e “Guajarina”. Colaboradora da revista por correspondência “Para Todos”, de Álvaro Moreyra, que fora conhecer no Rio de Janeiro em 1925, Eneida deixa definitivamente o Pará e o marido (de um casamento pouco duradouro) em 1930 e vai lançar na então capital brasileira o seu primeiro livro: “Terra Verde”, com poemas amazônicos.
Após a Revolução de 1930, o temperamento impulsivo da bela moça morena de olhos verdes ia encaminhá-la para a atividade política. Eneida transforma-se em militante comunista (além de Álvaro Moreyra, seus melhores amigos eram Jorge Amado, Aníbal Machado e Graciliano Ramos), muda-se para São Paulo em 1932, e de 1935 a 1946 é presa onze vezes. “Por duas vezes fui presa numa sapataria quando experimentava sapatos”, contava Eneida lembrando com bom humor seu tempo de revolucionária. Depois da Segunda Guerra viveu algum tempo em Paris e chegou a conhecer Picasso, Éluard, Aragon e Jean Cocteau. De volta, em 1949, Eneida foi tirada do desemprego pelo jornalista político Prudente Morais Neto, o Pedro Dantas, do jornal “Diário Carioca”, e esse gesto ela jamais esqueceria: “Quem me aceitou foi o Prudentinho de Morais, que apesar de muito reacionário é muito camarada.
Esse espírito conciliador levaria a materialista Eneida, nos últimos meses de vida, a acrescentar aos seus extravagantes colares de todas as cores um colar de Iemanjá. Um presente trazido da Bahia por outro materialista, Jorge Amado, e que ela mostrava com respeito aos amigos justificando-se: “Diz que é muito bom para afastar o mal e a doença. Na dúvida, vou usando”.
Era então a mesma Eneida que mandava a empregada de seu apartamento de Copacabana encher vários pires de cachaça e colocar debaixo de suas estatuetas de Exu, por conselho de mãe-de-santo, e contava com seriedade as histórias de seu falecido gato “José”: “Era um gato de muito caráter. Como sempre vivi sozinha, costumava com ele, e ele entendia tudo. Entre os quadros de bons autores deixados por Eneida (Bandeira, da fase de 40, Fujita) há um retrato de seu gato “José”, assinado por Aldemir Martins.
Mulher do povo – como ela gostava de afirmar, lembrando que chegou a trabalhar como operária, em época difícil -, Eneida estava sendo velada no Museu da Imagem e do Som quando chegou o presidente da escola de samba do Salgueiro. Osmar Valença, e pediu licença para estender sobre o caixão a bandeira de sua escola. Era a maior homenagem que a historiadora do carnaval carioca poderia receber da cidade que deixava, morta, para voltar a Belém, onde por seu desejo queria ser enterrada “sob as mangueiras do cemitério de Santa Isabel”. Eneida morreu no dia 27 de abril, de 1971, aos 67 anos, no Rio de Janeiro, de um câncer no pulmão que a obrigara a várias operações nos últimos cinco anos; mas contra o qual lutou sempre, dizendo aos amigos: “Gosto de viver. Ao meu enterro eu só vou obrigada”. No Pará, o governo decretou luto oficial por três dias.
(Fonte: Veja, 5 de maio, 1971 Edição n.° 139 DATAS – Pág; 64)