Ferdinand-Victor Eugène Delacroix, celebrado por ter sido um artista monumental.

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Delacroix: dono de língua ferina, ele odiava as imposições estéticas

Eugène Delacroix (Saint-Maurice, 26 de abril de 1798 – Paris, 13 de agosto de 1863), pintor francês. Culto, dono de uma língua ferina, rico e namorador, um Oscar Wilde heterossexual, Delacroix levava para as reuniões sociais os desafios e a tensão que garantiam o sucesso das noitadas. Amigo do compositor Fréderic Chopin, inimigo do romancista Honoré de Balzac, admirado pelo poeta Charles Baudelaire e indiferente às demais celebridades de seu tempo.

Ferdinand-Victor Eugène Delacroix foi um artista imperfeito. Tinha noção da própria grandeza. “A principal qualidade de um quadro é ser uma festa para os olhos”, escreveu na derradeira nota de seus famosos Diários, feita no dia 22 de junho de 1863, menos de dois meses antes de sua morte. Por esse critério, ele legou à posteridade uma farra nebalesca.

Luta exaustiva mas confortável, como costumava ser a existência dos artistas apadrinhados pelos poderosos na Europa. Padrinhos, Delacroix os teve sempre ao longo da doce vida de burguês parisiense. Foi celebrado por ter sido um artista monumental cuja insatisfação estética criou as bases da arte que desaguaria mais tarde em Van Gogh, Cézanne e Renoir.

Com sua obediência à luz natural, apego ao movimento e, especialmente, pelo uso dramático da cor, Delacroix lançou as sementes tanto do impressionismo quanto do expressionismo. Delacroix detestava os maneirismos, o jeito ora afetado, ora frio e acadêmico, de seus contemporâneos.

Para ele era imperativo não sacrificar “a verdade da luz”. Delacroix defendia a ideia de que era preciso pintar os objetos como eles eram percebidos pelos olhos e não depois de trabalhados pela imaginação. Os impressionistas levaram essa máxima ao limite. Quase cego pela catarata, o impressionista Claude Monet, no final da vida, pintava quadros em que as formas eram registradas como borrões, autênticos atestados clínicos da doença.

Michelangelo e Rafael – Delacroix lutou como um gigante bíblico contra seus limites e as imposições estéticas em voga na sua época. Delacroix foi o primeiro a fundir as impurezas do realismo com a busca da harmonia dos clássicos, especialmente Michelangelo e Rafael, que foram seus ídolos. O estudo das expressões faciais, como a que aparece na tela Menina Órfã no Cemitério, é resultado de muito estudo de Michelangelo e Leonardo Da Vinci. Sua obra de estreia no grande mundo da pintura, A Barca de Dante, de 1822, é marcada por óbvias influências clássicas. De uma viagem de aventuras e pesquisas de imagens vem o toque de exotismo de seus quadros, como o Choque de Cavaleiros Árabes, vendido em 20 de junho de 1998 num leilão em Paris por 7,5 milhões de dólares, preço recorde para o pintor francês.

As origens da experimentação artística incessante de Delacroix dá conta de que ele, no fundo, lutava para esconder o trauma de ser filho ilegítimo do estadista Maurice Talleyrand, com quem era muito parecido fisicamente.

Charles Delacroix, pai oficial do artista, honorável revolucionário e um dos signatários do decreto que permitiu cortar a cabeça do rei Luís XVI, se submetera a uma operação para retirada de um tumor testicular que o deixara estéril. A operação foi executada por um célebre cirurgião militar que fez questão de constar em seus registros o fato de que depois da intervenção “o paciente perdeu todas as virtudes da virilidade.”

Nascido num momento crucial da História da França, aquele em que a burguesia revolucionária colhia os frutos de seu triunfo sobre a monarquia dos reis Capeto, o pintor viveu a maior parte da vida jovem e adulta num mundo que voltava aos poucos à antiga ordem natural das coisas.

Assistiu à ascensão e queda de Napoleão Bonaparte, a restauração da dinastia dos Bourbon e, finalmente, a entronização do rei Luís Felipe, em 1830. Seu quadro mais conhecido, A Liberdade Guiando o Povo, muitas vezes tomado como um símbolo das lutas populares e republicanas, foi feito por inspiração do movimento que levou Luís Felipe ao trono da França.

Nos Diários, ele registra seu ácido desprezo pelos oportunistas que, não importando a magnitude da guinada política, estão sempre de bem com o poder. Não obstante, ele foi um deles. Talvez pela intervenção direta de Talleyrand, uma espécie que conseguiu manter-se influente durante todo esse período da História francesa, Delacroix foi constantemente presenteado com encomendas de grandes telas para o Estado.

As maiores obras do grande artista francês Delacroix estão no Louvre e na Capela dos Santos Anjos, na Igreja Saint Sulpice, em Paris. As obras dão uma pista de como o pintor desejava ser lembrado pela posteridade. Delacroix fez um derradeiro esforço nos últimos anos de vida para se distanciar ainda mais do romantismo.

Ele queria ser visto como um classicista. Aprende-se muito sobre o pintor e seu tempo, seus desafios pessoais, as influências e inovações técnicas descobertas por ele e deixadas como herança aos impressionistas. A mais decisiva de todas foi treinar a visão. “Fala-se em pessoas que desenvolvem um ouvido para a música. Da mesma forma, nem todos têm olhos treinados para saborear a beleza sutil da pintura”, escreveu Delacroix na última anotação do seu diário. “Os olhos de muita gente são preguiçosos ou falsos. Eles enxergam os objetos literalmente, enquanto o maravilhoso lhes escapa.”

(Fonte: Globo Ciência/Outubro 1996 – Ano 6 – N° 63 – Cultura & Arte – Pág; 62/63)
(Fonte: Veja, 1° de julho de 1998 – ANO 31 – N° 26 – Edição 1553 – ARTE/ Por Eurípedes Alcântara, de Paris – Pág; 168/169)

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