Foi a primeira mulher a publicar quadrinhos sobre uma mulher que se assumiu lésbica

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Trina Robbins: conheça a primeira mulher a desenhar a Mulher-Maravilha

 

 

 

A QUADRINISTA TRINA ROBBINS PARTICIPANDO DA COMIC CON DE SAN DIEGO EM 1982 (FOTO: ALAN LIGHT/WIKIMEDIA COMMNS)

 

 

Trina Robbins sempre foi uma mulher a frente de seu tempo: há décadas ela faz juz àquelas que quebraram paradigmas nos primórdios da indústria das histórias em quadrinhos, abrindo portas para que hoje mais mulheres possam trabalhar nesse mercado.

 

 

Conhecida por ser uma pioneira das HQs feministas underground, Robbins foi a primeira mulher a publicar quadrinhos sobre uma mulher que se assumiu lésbica — isso em 1972, na edição de estreia da revista Wimmen’s Comix. Já no mercado mainstream de quadrinhos, Trina se tornou a primeira mulher a ilustrar a Mulher-Maravilha em 1986, com a publicação de The Legend of Wonder Woman.

 

 

Aos 80 anos, a quadrinista se dedica à criação de suas próprias graphic novels e à pesquisa sobre mulheres no mercado de HQs. À GALILEU, ela relembra sua trajetória e deixa um recado especial para as mulheres que querem começar na área.

 

 

Você começou a trabalhar com quadrinhos quando estava em vigor o Comics Code Authority, código que, entre 1954 e o começo dos anos 2000, estabeleceu diretrizes conservadoras aos conteúdos de HQs. Como foi lidar com esse sistema?

 

 

Como eu não trabalhava no mercado mainstream, não me afetou muito. Naquela época, eu estava fazendo quadrinhos underground, e nós podíamos fazer o que quiséssemos. Não havia problemas. Éramos completamente diferentes de tudo o que estava no mercado.

 

 

O que mais te atraiu no movimento underground?

 

 

Bom, eu queria fazer quadrinhos, mas não queria desenhar super-heróis — e é sobre isso que quadrinhos mainstream se tratam. Eu ainda não gosto muito desse tipo de HQ, porque não tem nada a ver com o que eu vivo. Desde que as grandes empresas abriram mais espaço para mulheres trabalharem, eles ficaram muito melhores. Mas, na minha época, a maioria só falava sobre homens convencionais em trajes horríveis e o jeito deles resolverem os problemas era batendo, lutando. Isso não tinha nada a ver com a minha vida. Eu queria fazer os meus próprios quadrinhos.

 

 

 

Apenas no meio underground que você encontrou espaço para discutir assuntos como o feminismo?

 

Exato, e todo o contexto cultural dos anos 1960 colaborou com isso. Quando eu comecei a desenhar quadrinhos em 1966, o movimento feminista estava começando a se erguer e acabou explodindo no final da década. Foi através da contracultura que eu consegui produzir quadrinhos que tinham a ver com o que eu vivia. E foi fácil começar minha carreira nesse meio, porque havia um grande grupo de contracultura em Nova York e San Francisco. Eu tinha uma pequena boutique em Los Angeles, a Broccoli, onde eu fazia roupas para hippies. Lá também conheci o maior jornal underground da região, East Village Other, onde comecei a publicar minhas primeiras histórias.

 

 

 

Você encarou muitos desafios nesse campo?

 

 

Os editores nunca me importunaram, eles eram meus amigos e me publicavam. Mas, mais tarde, eu percebi que a maioria dos outros cartunistas era masculina e não me aceitava muito bem, ao contrário dos editores, que não viam problemas em me publicar.

 

 

Os profissionais do mainstream eram completamente diferentes: quando eu os encontrava, eles eram legais, mas não faziam parte da minha cultura, eram só homens heterossexuais convencionais com namoradas ou esposas igualmente comuns, que não tinham nada a ver com o tipo de vida que eu levava. Mas eles eram amigáveis e legais comigo, só tínhamos estilos de vida e de quadrinhos completamente diferentes. Mas eu não trabalhava para a Marvel ou para a DC, eu não tinha nada a ver com o mundo deles.

 

 

Sandy Comes Out (Foto: Reprodução)

Quando você publicou Sandy Comes Out, a primeira história em quadrinho sobre a ‘saída do armário’ de uma lésbica escrita por uma mulher, houve alguma polêmica?

 

 

 

Sandy Comes Out foi inspirada na história real da minha colega de quarto, Sandy, e eu a escrevi com sua aprovação. Depois de ser impressa, eu até lhe dei as páginas originais, então estava tudo bem com Sandy. [A cartunista] Mary Wings não gostou da ideia e disse que eu não tinha o direito de contar uma história sobre lésbicas por não ser uma. Isso é bobagem, mas era assim que ela se sentia naquela época. Hoje, ela mudou de ideia e nós somos muito amigas. E foi por causa da forma como ela reagiu aos meus quadrinhos que ela decidiu escrever os seus próprios [tornando-se a primeira mulher a publicar uma revista em quadrinhos lésbica, Come Out Comix, em 1973].

 

 

 

O que te inspirou, em meados da década de 1980, a pesquisar sobre a história das mulheres na indústria de quadrinhos?

 

 

 

Eu estava muito cansada de ouvir que mulheres não desenhavam e nunca haviam desenhado histórias em quadrinhos. E eu sabia que isso não era verdade. Naquela época, eu não estava me sentindo muito confortável para escrever meu primeiro livro [Women and the Comics, 1985] sozinha, então eu o fiz com Catherine Yronwode, minha colega e editora. Isso me impulsionou a escrever outras obras sobre mulheres que foram esquecidas, fiz isso para relembrá-las.

 

 

 

Women and the Comics, primeiro livro publicado por Trina Robbins e Catherine Yronwode (Foto: Reprodução)

Você está trabalhando em algum projeto especial atualmente?

 

 

Agora eu estou terminando de escrever um livro que será publicado este ano nos Estados Unidos. É uma biografia sobre a quadrinista Gladys Parker, que escreveu quadrinhos de 1927 a 1965 e criou a personagem Mopsy, que era muito semelhante a ela. Basicamente, ela estava se desenhando como uma personagem de quadrinhos, e ela era muito, muito bonita.

 

Além de ser uma cartunista bem-sucedida — ela até tinha uma Ferrari customizada com desenhos da Mopsy —, Gladys também tinha uma linha de sapatos, porque era uma designer de moda.

 

Como você faz para encontrar informações sobre o trabalho e a vida dessas mulheres?

 

É mais fácil pesquisar agora do que costumava ser por causa da internet. Além disso, os jornais e as colunas de fofoca adoravam entrevistá-las, em especial a Gladys, e eu posso encontrá-los na internet, lê-los e pegar muitas informações. Não costumava ser tão fácil assim. É muito animador quando você descobre algo novo e, também graças à internet, as pessoas acabam entrando em contato comigo para dividir suas próprias descobertas.

 

 

 

Gladys Parker, pioneira do quadrinhos e criadora da personagem Mopsy (Foto: Wikimedia Commons)

Como você se sentiu quando te convidaram para ser a primeira mulher a desenhar um quadrinho da Mulher-Maravilha? Qual é a sua relação com a personagem?

 

 

Meu Deus! Eu descobri a Mulher-Maravilha quanto tinha uns 10 anos e isso abriu um novo mundo para mim. Era uma história com amazonas, mulheres guerreiras, forte e maravilhosas, que viviam em uma ilha onde não era permitida a entrada de homens. Isso era incrível, porque, no nosso mundo, há muitos lugares onde as mulheres não são tão bem-vindas, sabe?

 

 

Eu fiquei encantada com o convite, é claro! Queria desenhá-la no estilo da Era de Ouro, que foi feita por Harry G. Peter. Para mim, esta é “A” Mulher-Maravilha, é a Mulher-Maravilha original.

 

 

Aqui, vale lembrar que eu fui a primeira mulher a ilustrar a Mulher Maravilha nos quadrinhos. Antes de mim, Ramona Fradon havia desenhado a personagem para o desenho animado Super Friends, de 1973.

 

 

The Legend of Wonder Woman, quadrinho ilustrado por Trina Robbins e inspirado nos traços da versão original da personagem (Foto: Reprodução)

Por fim, quais são as suas dicas para mulheres que querem começar ou estão começando no mercado de quadrinhos agora?

 

 

Hoje é muito diferente de antigamente. Há mais mulheres criando quadrinhos do que nunca. Não era assim quando eu comecei. Então, a minha dica é que elas continuem procurando e fazendo suas HQs. Não deixe ninguém te dizer que você não pode fazer quadrinhos, porque há muitas mulheres vivendo disso agora.

 

(Fonte: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2019/02 – CULTURA / NOTÍCIA / POR LARISSA LOPES* – 06/02/2019)

*Com edição de Isabela Moreira.

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