100 anos da Seleção: 1º rival do Brasil, Exeter se orgulha de lugar na história
Modesto clube inglês, atualmente na quarta divisão, venera Seleção e tem laços estreitos com o Fluminense, com direito a camarote com nome do Tricolor no estádio
No sul da Inglaterra, os torcedores do modesto Exeter City, da quarta divisão, têm um grito de guerra peculiar durante os jogos da equipe. Orgulhosos, eles estufam o peito e gritam para a torcida rival:
— Vocês já jogaram contra o Brasil?
Os fãs do Exeter têm boas razões para se gabarem. Pois este pequeno time, que nunca chegou à elite do futebol inglês, possui um lugar de honra reservado na história do futebol brasileiro: em 21 de julho de 1914, no campo das Laranjeiras, a equipe foi o primeiro adversário da Seleção.
A partida terminou com vitória brasileira por 2 a 0. A partir dali, os dois times seguiriam histórias bem diferentes. A Seleção ganharia cinco títulos mundiais, exibiria uma legião de craques e transformaria nosso país em referência máxima no futebol. O Exeter, por sua vez, passaria os anos seguintes vagando pelas divisões inferiores do futebol inglês.
Curiosamente, na época do jogo, o Exeter era o professor, e os brasileiros, os alunos. O time inglês aceitou um convite para viajar pela América do Sul, recusado originalmente pelo Tottenham. Primeiro, a equipe foi à Argentina, onde disputou nove partidas em 14 dias, sob condições precárias, com ameaças de políticos locais e atuações questionáveis de árbitros.
um papagaio para Exeter (Foto: Felipe Schmidt)
Irritados, os jogadores queriam voltar para a Inglaterra, mas pararam no Brasil para descansar. Primeiro, em São Paulo. Depois, no Rio de Janeiro, onde tiveram direito a bons dias de folga em Copacabana. Então, vieram os convites para novas partidas.
O Exeter disputou três jogos em três dias. O primeiro compromisso foi contra um combinado de ingleses que viviam no Brasil. Depois, contra uma seleção dos melhores jogadores do Rio. Por fim, como não havia acontecido partida em São Paulo, quatro paulistas, entre eles Friedenreich, foram “importados” para formar a primeira seleção brasileira.
ORGULHO E PAIXÃO PELO BRASIL
Apesar da pouca tradição do Brasil na época, o goleiro Dick Pym tornou-se o primeiro membro do Exeter a se apaixonar pelo país. Da viagem, ele trouxe um papagaio como animal de estimação. Depois que o bicho morreu, o jogador o enterrou no gramado do St. James Park, estádio do clube. A ave está lá até hoje.
– Dick foi um dos heróis do Exeter naquela turnê, porque se machucou seriamente logo no primeiro jogo na Argentina. Ele teve de atuar o restante da viagem com três costelas quebradas, pois o clube levou apenas 14 jogadores para o tour – contou Bruce Henderson, diretor comercial do Exeter.
A honra que coube ao Exeter faz o clube se orgulhar até hoje. Na sede dos Grecians, como é conhecido o time, há uma série de referências ao Brasil, como bandeiras nas arquibancadas, camisas verde e amarelas nas lojas e, nos corredores, uma infinitude de fotos sobre o histórico jogo de 1914.
Há até o Dia do Brasil, uma partida na temporada em que as bandeiras do país são hasteadas, os fãs comparecem com camisas verde e amarelas, e uma bateria de escola de samba se apresenta.
— Todos os torcedores conhecem nossa história. Ter feito parte do início da seleção brasileira é uma honra. Nós somos muito orgulhosos disso — disse Julian Tagg, vice-presidente do clube.
CLUBE COMANDADO PELOS TORCEDORES
Tagg fez parte de um movimento importante da história do Exeter. Em 2003, o clube foi rebaixado para a quinta divisão e decretou falência. Coube aos torcedores, entre eles Tagg, juntar dinheiro, comprar as ações e manter a equipe viva.
Hoje, o Exeter é de propriedade dos torcedores, através de uma organização criada por eles, a Supporter’s Trust. É esta entidade quem decide os membros da diretoria do clube. Um modelo, que apesar do romantismo, tem seu lado negativo: a falta de dinheiro.
Ainda assim, o Exeter tem estádio próprio e centro de treinamento, ainda que modestos. O CT, chamado Cat & Fiddle (Gato e Violino, em tradução livre) é compartilhado com as divisões de base e conta com quatro campos, mais academia, escritório e refeitório. Já o St. James Park tem capacidade para 8,5 mil pessoas e fica no centro da pequena, mas bela cidade. Boa parte das arquibancadas é moderna, com exceção do setor destinado aos visitantes – um restrito espaço de concreto – e do localizado atrás do banco de reservas, reconstruído após um incêndio em 1926.
– Não me pergunte o porquê do nome do CT (risos). Acho que ninguém tem uma explicação. Já o nosso estádio é pequeno, mas bem cuidado. O setor atingido pelo incêndio é talvez a arquibancada mais antiga do futebol inglês, mas planejamos melhorá-lo. Já a parte dos visitantes vai ter que esperar (risos) – brincou Henderson.
Tagg, por sua vez, encara as dificuldades financeiras com naturalidade. Para ele, o processo para levar o Exeter à elite é difícil e demorado, e a torcida vai precisar de paciência.
— Nós estamos extremamente felizes com este modelo, mas é difícil competir com clubes que têm um proprietário disposto a investir dinheiro. Nossa prioridade agora é melhorar nossa estrutura. Temos um estádio antigo, que precisa de melhorias, e, quando conseguirmos isso, poderemos atrair mais torcedores e usar melhor o dinheiro. Chegar à Premier League, hoje, é algo distante, mas acho que é bom ter metas ambiciosas.
BRIGA CONTRA A DEGOLA
Enquanto isso não acontece, o Exeter passa por dificuldades. A equipe briga contra o rebaixamento e está em desvantagem financeira em relação aos concorrentes. Nos Grecians, o salário médio é de 700 libras por semana, contra mil dos outros times. O descenso para a quinta divisão representaria um corte severo no orçamento, mas nada que assuste a diretoria.
– O rebaixamento seria um golpe enorme para as finanças, pois receberíamos muito menos dinheiro. Mas vamos sobreviver e voltar ainda mais fortes, como aconteceu anteriormente – disse Tagg.
O elenco é formado basicamente por jogadores criados na base do clube. A reportagem do GloboEsporte.com acompanhou uma partida fora de casa do Exeter, um empate em 1 a 1 com o Newport, e constatou que há pouca qualidade técnica, opinião com a qual os torcedores concordam.
— Está gostando? Isso tem alguma semelhança com o futebol? — perguntou Francis Welland, após mais um chutão sem direção da defesa dos Grecians.
Apesar disso, Welland segue o Exeter em todos os lugares. Aos 67 anos, ele conta que acompanha o clube há 61. E não está sozinho. No duelo com o Newport, cerca de 600 torcedores enfrentaram uma viagem de quase três horas de trem até o País de Gales para apoiar o time. A maioria dos fãs era idosa, mas havia também crianças, adolescentes e mulheres.
— É mais do que apenas futebol. Viajamos por causa das amizades, é uma boa maneira de passar o dia — explicou Mel Hammett, amigo de Francis, que não se incomoda com a presença do Exeter na quarta divisão.
– Nosso clube, no fundo, sempre será um time de terceira ou quarta divisão. Mas não há problema nisso.
AMIZADE COM O FLUMINENSE
Os dois, aliás, podem viajar ao Brasil em julho. Isso porque o Exeter planeja disputar um amistoso comemorativo com o Fluminense nas Laranjeiras para celebrar os 100 anos da Seleção. A relação com o Tricolor, aliás, é estreita. Na sede do clube, há até uma foto de Fred e um camarote intitulado “Fluminense”, com diversos artigos do clube carioca, enviados diretamente do Rio de Janeiro.
— Nós temos uma relação magnífica com o Fluminense, conhecemos o presidente, Peter Siemsen. Eles são tão respeitosos e empolgados com a nossa história quanto nós — elogiou Tagg.
– Quando visitamos as Laranjeiras, fomos recebidos por dirigentes do Fluminense. Quando pisei no gramado, um deles me disse: “Você é o primeiro membro do Exeter a visitar o estádio após 99 anos. Por que demoraram tanto?” – contou Henderson.
Por outro lado, o Exeter, no momento, não tem relações com a CBF. As mudanças na diretoria da entidade nos últimos anos romperam o elo de comunicação entre os dois lados, que chegou a render, em 2004, um amistoso de uma seleção brasileira de masters, com Jorginho, Dunga, Branco e Careca, entre outros, para comemorar o centenário do clube inglês.
– Nós perdemos a conexão que tínhamos com a CBF após as mudanças na entidade. Mas esperamos retomá-la – explicou Tagg. A ideia era enfrentar novamente um time de masters do Brasil neste ano, mas, com a proximidade da Copa, o dirigente admite que será difícil.
De qualquer forma, a viagem ao Brasil, 100 anos após a primeira, é aguardada com ansiedade no clube. Sem dinheiro, o Exeter planeja uma série de ações para reforçar o cofre. Na loja oficial, na sede dos Grecians, estão à venda camisas com a foto da equipe em 1914, em referência ao duelo com a Seleção.
– Queremos usar a réplica da camisa do nosso time em 1914. Também pensamos em produzir um DVD e um livro sobre esta segunda viagem. Estamos trabalhando em muitas coisas – revelou Henderson.
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(Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2014/04 – 100 anos da Seleção – Por Felipe Schmidt – Exeter, Inglaterra – 07/04/2014)