Dá glória ao inferno
Orlando Silva (Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1915 – Rio de Janeiro, 7 de agosto de 1978), cantor de voz magistral e das multidões, por conta do extraordinário sucesso popular na época áurea do rádio.
Não houve cantor como Orlando Silva, ele foi também um pioneiro dos modernos estilos vocais da MPB, influência decisiva no trabalho de artistas tão diferentes quanto João Gilberto e Arrigo Barnabé.
A música de Orlando Silva, assim como as passagens mais marcantes de sua vida atribulada, pode ser conhecida em 66 gravações do astro no auge de sua carreira, entre 1935 e 1942.
Quando era ainda adolescente, o cantor Orlando Silva teve os dedos de um pé amputado por erro médico. Depois, já famosos, viciou-se em morfina e tornou-se alcoólatra. Por conta disso, a grande paixão de sua vida, a atriz Zezé Fonseca, o abandonou. No auge da fama, aos 27 anos, ele repentinamente perdeu as habilidades vocais, embora se recusasse até a morte a admiti-lo. Foi uma vida recheada de tragédias, mas também coberta de glórias.
O gênero de Orlando Silva, coerente com a estética musical de sua época, é aquele das músicas de amor desesperadas, com letras que beiram o parnasianismo, mas também das marchinhas de Carnaval irresistíveis, das valsinhas e dos foxtrotes que animavam os salões da classe média da época.
Silva, quando dava as cartas na MPB, era um cantor extremamente exigente, que só interpretava as melhores criações dos grandes compositores da época. Isso representava uma eterna dor de cabeça para sua gravadora, a Victor. A praxe para um artista era lançar vários discos 78 rotações por ano, com duas faixas – de um lado, uma música de sucesso garantido, do outro, uma música mais fraquinha para enredar apenas. Como Silva só queria gravar ótimas músicas de ambos os lados, a Victor o acusava de desperdiçar material que poderia render outros discos bem-sucedidos.
O cantor das multidões foi intérprete de várias músicas que foram regravadas mais tarde, é ocaso de Rosa, Aos Pés da Cruz, Carinhoso, além de uma fieira de clássicos da MPB no repertório, como A Jardineira, Abre a Janela e Malmequer.
Na linhagem de grandes cantores da música brasileira, Orlando Silva sucede cronologicamente a Francisco Alves e Vicente Celestino e entregou prematuramente o cetro a Nélson Gonçalves e Silvio Caldas. Enquanto durou sua voz, reinou absoluto. Sua ascensão coincindiu com o advento dos microfones elétricos e foi favorecida por eles.
Na época de Alves e Celestino, o sistema de gravação mecânico, em cera, exigia que os cantores tivessem vozeirões ultrapossantes para que o registro alcançasse o disco. Orlando Silva foi o primeiro astro da MPB a poder gravar sutilezas vocais, harmônicos, pianíssimos, crescendos, glissandos – enfim, os recursos que dão recheio à voz e diferenciam os bons intérpretes dos cantores de araque. É justamente pelo uso brilhante desses recursos que os críticos costumam dizer que nunca houve na MPB um cantor como ele.
Difícil também encontrar um que tenha sido tão marcado pela tragédia. Nos anos 50 e 60, Silva ainda tentou diversas “voltas” à vida artística. O resultado, invariavelmente, eram discos constrangedores. O cantor perdeu a voz por uma espécie de “amolecimento” das cordas vocais, causada pela morfina – droga que ele conheceu, ainda jovem, quando ficou quatro meses no hospital se recuperando da desastrada e desnecessária amputação dos dedos do pé.
(Fonte: Veja, 12 de julho de 1995 – ANO 28 – Nº 28 – Edição 1400 – MÚSICA/ Por Okky de Souza – Pág: 121)